segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Por que o pânico dos hierarcas de toda espécie?


O governo de Michel Temer e toda uma agenda ultraconservadora revela não uma "coragem" das elites de recuperar valores "sagrados" que só elas julgam acima dos tempos, mas um terrível medo delas serem ultrapassadas por uma avalanche de mudanças.

Fala-se até em censura na Internet, enquanto na Educação a chamada Escola Sem Partido - que, na prática, tem partido, que é o obscurantismo ideológico - tornou-se uma bandeira da suposta "educação independente e plural", que no entanto já avisou que ensinará preconceitos de natureza machista, racista, homofóbica e até antissemita.

A tranquilidade da sociedade, quando o fato é haver tantos movimentos retrógrados, como uma privatização voraz que eliminará o que restar de serviço público - se deixar, até a creche da esquina poderá ser controlada por uma corporação estadunidense - , é ao mesmo tempo masoquista e suicida, como se trabalhar 80 horas semanais fosse garantir umas horas se selfies com os amigos.

Até a supremacia da Rede Globo, que está perdendo audiência como areia caindo em sacola furada, está assustando as elites, que há muito tempo veem seus valores e totens ameaçados de cair. "A maçã está ácida de tão podre, vamos salvá-las; sacrifiquem a fruta nova em favor da fruta podre", é o que dizem as pessoas que perdem toda uma série de símbolos e práticas antes considerados "sagrados".

Babilônias da pós-modernidade com sua desigualdade organizada que parecia reinar num falso equilíbrio social estão num processo catastrófico de decadência. Cidades que eram mecas do consumismo e do entretenimento, como Orlando (EUA), Paris, Nice, Munique e Rio de Janeiro veem a tragédia bater na porta de moradores, seguranças e turistas.

Pessoas ricas com medo de perder privilégios. Homicidas percebendo sua tragédia iminente quando eles apenas se resignavam em abraçar uma longevidade doentes. Corruptos escondidos numa "moralidade democrática" da direita percebendo que os escândalos que eles atribuíram aos rivais do PT se refletem neles próprios, comprometendo a imagem de "honestidade" que eles fabricavam.

A hierarquia, tal como conhecemos, está caindo e o que se vê é o "inferno na torre" na sociedade brasileira, que corre desesperada, no Brasil, para entregar o pré-sal a Tio Sam e, junto dele, as demais riquezas e instituições. O pânico da sociedade em retroceder a História e resgatar valores obsoletos chega a fazer com que antigos paladinos da ética e da lucidez pareçam verdadeiros débeis-mentais na defesa da plutocracia e de valores "superiores" como a religião e a tecnocracia.

A paranoia neurótica das elites, que chegam a perder a cabeça gritando "PT só tem bandido" - um antes conceituado diretor teatral cometeu uma gafe inserindo um discurso anti-petista numa peça de autoria do petista Chico Buarque e um jornalista acusou o New York Times de ser patrocinado pelo mesmo Partido dos Trabalhadores - mostra o quanto a sociedade "de cima" ficou psicopata.

A neurose de querer um "pensamento único", uma "sociedade monorracial", com todo mundo pensando igual às elites mais retrógradas se reflete até mesmo numa atitude aparentemente menor de botar diferentes empresas de ônibus para exibir o único visual do "consórcio" da prefeitura ou do governo do Estado, ignorando os prejuízos que isso pode trazer (confundir passageiros e ocultar a corrupção político-empresarial), criando um contexto ainda pior.

Você trabalha mais horas, ganha menos salários, tem muitas contas a pagar, precisa rever os amigos, numa realidade tão sobrecarregada e você ainda tem que prestar atenção para não pegar o ônibus errado, porque a empresa A tem a mesma cor da empresa B ou C e, muitas vezes, pegar um ônibus errado significa a morte num desembarque em algum lugar estranho e ermo.

A imposição de transtornos, dificuldades, malefícios e sacrifícios acaba fazendo as máscaras das elites caírem. Mesmo a ação "patrulheira" do cyberbullying se volta a seus autores pela ameaça que a empolgação da zoeira impune pode causar, com o algoz vivendo seu dia de caça, quando se empolga demais com a humilhação e pode ser assassinado numa simples discussão de time de futebol num bar, durante um fim de semana.

A tragédia assombra as elites, como uma pedra atirada do alto de um Vesúvio em atividade. Mas as elites, certas de seu triunfo, acham que basta pegar um tacape para abater a rocha caindo em sua direção para desviá-la do caminho. É como um granfino que vê o grande edifício em chamas que pega uma garrafa de champanhe para tentar, em vão, apagar o incêndio.

A catástrofe pode estar, em primeiro momento, ameaçando as classes populares, as forças progressistas e os novos segmentos sociais diante de movimentos organizados diversos para fazer voltar o país, na melhor das hipóteses, aos padrões sociais do período do governo Ernesto Geisel.

Mas esta catástrofe ameaça muito mais aqueles que apostam num resgate aos valores ultraconservadores, à revolta do bolor contra o fungicida, em que até mesmo a carteirada moral (a desculpa do "Quem nunca erra" que faz apologia a erros graves, quando vindos de "gente importante") é lançada para atenuar a gravidade de muitos escândalos e crimes.

No Brasil, as elites acham que, sufocando os avanços sociais e revertendo a sociedade para padrões sociais, políticos, econômicos, morais e culturais de, pelo menos, 40 anos atrás, retomarão o sossego de antes. Só que esse sossego está definitivamente perdido e forçar a recuperação desse antigo sossego elitista, machista, racista, moralista, patriarcalista, ancião, tecnocrático, midiático etc só representará mais desordem e mal estar.

Muitos ignoram, por exemplo, que o projeto Escola Sem Partido pode acidentalmente se tornar uma "escola de bandidos" uma vez que seu projeto pedagógico opressor pode fazer o aluno, revoltado com tamanha pressão, vai se entregar ao crime, por simples questão de rebeldia e desabafo.

É como se, num aprendizado às avessas, a Escola Sem Partido lhe ensinasse como é empolgante ser criminoso, diante de um moralismo socialmente asfixiante que não aproveita bem os potenciais da juventude e, neste vazio, faz ela sucumbir a alternativas ilícitas e cruéis de emancipação pessoal.

As elites ficam apavoradas e em pânico ao pensar na sua decadência e, por isso, ficam tranquilas e serenas no resgate de uma agenda ultraconservadora, se esquecendo que esta agenda, na medida em que propõe valores sociais excludentes e permite a recuperação da concentração de renda dos mais ricos, pode fazer com que a plutocracia veja seus filhos morrerem nos assaltos desesperadamente movidos pela massa excluída.

A catástrofe da agenda ultraconservadora, em primeiro momento, aumenta as desgraças dos desfavorecidos, mas, na medida em que se retomam privilégios abusivos das elites, as fazem também vulneráveis à revolta dos que experimentaram uma breve e relativa inclusão social e agora se irritam em se verem cada vez mais excluídos. A plutocracia desenha sua própria tragédia.

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