sexta-feira, 26 de agosto de 2016

"Espíritas" falam da "felicidade sem ter". Para quem não tem

"FELICIDADE NÃO É TER", DIZEM OS "ESPÍRITAS". MAS NÃO É PARA OS RICOS QUE SERVEM TAL AVISO.

O "movimento espírita", verificando as cobranças feitas pela sociedade, quando sobretudo se revela que a religião brasileira, com algumas filiais no exterior (como Portugal), é na verdade uma versão rediviva do Catolicismo medieval, anda trabalhando uma retórica sutil sobre a "felicidade".

A ideia é forjar um espiritualismo - o que, a princípio, favorece os "espíritas", que tentam inventar um vínculo com Allan Kardec que, na prática, nunca existiu - , dizendo que a felicidade não é uma questão de "ter", mas de "ser", aconselhando as pessoas a nunca reclamarem da vida e nem angustiarem no sofrimento.

Os conselhos parecem benevolentes: "mude o pensamento", "cultive a esperança", "faça Sol íntimo dentro de si", "confie nas forças do Alto", etc. Há até a falácia de que a pessoa não está desamparada, ela pode até ser linchada num cyberbullying que "uma força superior ora por ela". Então tá.

Só que, se montarmos o quebra-cabeça dos discursos feitos aqui e ali, vamos notar um receituário bastante amargo e praticamente dado em overdoses. O sofrimento sem queixumes, a felicidade do nada, tudo isso é uma retórica que os "espíritas" dão não para os remediados da fortuna, mas para os deserdados da sorte.

É só ver que um Divaldo Franco, só para citar um exemplo mais festejado, não faz cobranças dos ricos quando recebe condecoração, quando faz palestras em hotéis de luxo, quando se beneficia dos prêmios terrenos que a superioridade religiosa, também uma ilusão terrena, recebe, aos montes.

Neste caso, o "espírita" apenas agradece, e o discurso muda. Ele acaba dizendo que os ricos "também são generosos", que eles "ajudam, sim", e que os prêmios que ele recebe são "gratidões sinceras" a um "trabalho modesto", um "reconhecimento pleno" do "trabalho de humildade e caridade".

Não há cobranças para os ricos ajudarem mais, porque os ricos "também ajudam". Porque "existe bondade" entre os "bem de vida". Que há a "consciência da boa ação", que "permite a doação", e há quem diga que as mulheres ricas, quando se livram de roupas fora de moda e já velhas, estão "fazendo caridade".

Quando os "espíritas" se dirigem aos menos afortunados, à classe média baixa e aos pobres, a retórica é outra. "Não deseje ter, deseje ser", é o preceito que o julgamento de valor dos palestrantes "espíritas" determina aos sofredores.

Sem considerar individualidades, os "espíritas" apenas dizem aos sofredores: não reclamem, aceite o que as circunstâncias impõem. É o popular "se vira, desgraçado", mas dito com palavras dóceis e meigas e um tom paternal que possa dar a falsa impressão de "sabedoria profunda" de "conselhos valiosos".

Os "espíritas" não estão aí se fulano tem habilidades próprias, necessidades pessoais peculiares, planos de vida individuais. A pessoa que fez um plano de vida desde a juventude que comece tudo do zero. Ainda que, em vez de dignidade, consiga uma vida na qual se alimente de pão e água morando numa latrina com o tamanho de um sanitário de prédio antigo, quase a mesma área de um armário de roupas.

Aí é que temos a terrível armadilha da apologia das desigualdades sociais. Aos remediados, nada se cobra, e os "espíritas" até usam a desculpa de que eles "já foram recompensados" ou que, se fizerem algo errado, irão "pagar pelo que fizeram" daqui a cem anos.

Já aos desafortunados, para os quais os esforços para superar as desgraças são praticamente vãos ou terão que estar acima das capacidades de cada indivíduo, os "espíritas" argumentam: "não pensem em ter". Um receituário traiçoeiro de quem defende uma vida qualquer nota.

Dentro deste raciocínio, a pessoa que vive numa ditadura e é perseguida pela repressão não pode pedir asilo. Além disso, os "espíritas" não veem a diferença entre ter habilidades e peculiaridades de espírito e ter extravagância material. Só o fato de ter uma vocação diferente para tal trabalho é considerada um "luxo" a ser exterminado ou levianamente utilizado, como um jornalista, em Salvador, cuja única opção é trabalhar na corrupta e tendenciosa Rádio Metrópole, do astuto Mário Kertêsz.

Com este raciocínio, se um homem se demonstrou interessado por uma muher com a personalidade de uma Emma Watson, o fato dela ser lindíssima é visto como "sensualismo", "luxo" e "desejo excessivo e desnecessário". Se em seu caminho só aparecem as chamadas "periguetes" de perfil grotesco e personalidade fútil, ele terá que aceitar resignado porque é "oportunidade de obter humildade e simplicidade".

Em contrapartida, a mulher que é atraente tem em seu caminho um homem com mais posses e menos caráter. A mulher que não é atraente, no entanto, tem em seu caminho homens mais grotescos. E tais desigualdades amorosas, para homens e mulheres, são tidas pelos "espíritas" como "oportunidades de desenvolver amor onde não existe".

Na teoria, tudo é fácil. Mas, na prática, dramas terríveis acontecem, mas os "espíritas", indiferentes a isso, dizem que tudo é culpa da vítima, que cultivou "maus pensamentos" e "não aproveitou as oportunidades lançadas". Como se namorar uma "periguete" fosse uma "oportunidade" de "dar amor" a uma mulher que demonstra futilidade e que também tem suas extravagâncias, com um "sensualismo" muito mais acentuado do que se imagina.

O que os "espíritas" pregam é que as pessoas que não têm fiquem sem ter. Que se satisfaçam com a vida que vivem. Que sejam felizes do nada ou se consolem vendo passarinhos cantando nas árvores, o que é até bom, mas não é tudo na vida. Ninguém nasce para ficar vendo passarinhos ou o rio correr em sua trajetória.

Isso mostra a insensibilidade do "movimento espírita" e, mais uma vez, o moralismo desta doutrina se revela perverso, e cada vez mais demonstrando que o "espiritismo" brasileiro é, na verdade, uma reciclagem da Teologia do Sofrimento católica, uma corrente medieval que nem todos os católicos defendem, mas que os "espíritas", mesmo de forma não-assumida, defendem com muito ardor.

De acordo com essa ideologia, aos sofredores resta aguentar as desgraças, como condenados a sentenças criminais que precisam cumprir penas sob um longo período, sem saber quando poderão se libertar desses infortúnios. E os "espíritas" ainda falam que é possível ser feliz assim.

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