sábado, 6 de agosto de 2016
O pesadelo sonhado pela plutocracia
Como se dá o pesadelo? Normalmente, um pesadelo começa como um sonho bom, maravilhoso, em que é representada uma situação da vida pessoal de alguém, num belo dia, com céu azul e tudo. Parece uma situação agradável, um momento maravilhoso, uma ocasião alegre.
De repente, acontece alguma coisa que traz, em seguida, algo não só desagradável como perigoso e assustador. O dia pode continuar ensolarado e a pessoa, por exemplo, pode continuar em festa, mas ocorre alguma coisa muito assustadora, como ver uma pessoa com aspectos monstruosos ou ver uma situação trágica na eminência de ocorrer. A pessoa, apavorada, acorda. É o pesadelo.
Hoje temos a onda de retrocessos que atinge o Brasil. Nos últimos meses, setores influentes e privilegiados da sociedade, incomodados com os avanços sociais, reagiram em revolta e pedem um "mundo velho" de volta, a atender suas velhas convicções e os velhos interesses perdidos. É a "revolta do bolor" que é representada sobretudo pelo governo retrógrado do presidente interino Michel Temer.
A Escola Sem Partido, as demissões em massa do serviço público, as velhas privatizações que reafirmam poder de empresas estrangeiras na economia brasileira, as reformas trabalhistas que farão as pessoas trabalharem mais e ganharem menos, além de adiar a aposentadoria para mais tarde, os apelos para obedecer velhas hierarquias, tudo isso simboliza essa marcha-a-ré histórica.
Iludidas com a felicidade do WhatsApp, das piadas e dos jogos esportivos na areia da praia, na vitória fácil dos times do futebol carioca (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo), as pessoas não veem a tragédia que representa essa forçada retomada do obscurantismo no Brasil.
Isso voltará aos climas de insegurança que ocorreram na Era Geisel. Se as pessoas querem recuperar uma sociedade nos moldes do Brasil escravocrata, também recuperarão a ameaça que significou a Revolta dos Malês, matando os brancos escravocratas. Se querem recuperar os padrões do "milagre brasileiro", recuperarão também a violência que atingia as ruas das cidades na crise da ditadura militar.
A certeza de que as pessoas ficarão protegidas nos sofás, no seu quarto diante do WhatsApp do celular ou nas quatro paredes das boates, a noção do risco que sofrem, e é altíssimo, revela a falta de noção daqueles que acham que retroceder a humanidade é um ato pacífico de investir dinheiro na recuperação de velhos paradigmas, contando com o apoio da mídia para influenciar a opinião pública e dos meios jurídicos para institucionalizar esses velhos padrões.
Nada é pacífico e os efeitos que isso causará nos privilegiados é devastador. Voltarão a crescer aqueles assaltos que vitimavam as elites abastadas, diante do estrangulamento econômico que o projeto "Ponte para o Futuro" causará nos brasileiros, promovendo desemprego e, com isso, fazendo muitos desesperados recorrerem ao crime para obterem dinheiro.
Noticiários policiais em que pessoas ricas são mortas em assaltos ocorridos logo quando elas se dirigiam de carro para a garagem de seus prédios se multiplicarão. Isso é catastrofismo? Não. Será o efeito dramático que o Brasil plutocrático fará, diante do fim das conquistas sociais prevista pelo governo Temer e que tirará muitos benefícios das classes desfavorecidas.
Diante do privilégio perdido, muitas pessoas de origem pobre ou de classe média baixa irão se revoltar, diante dos obstáculos a serem agravados no mercado de trabalho, e isso fará com que os "de cima" sejam vítimas de chantagens, vinganças e violência, trazendo à plutocracia um preço sangrento por causa das asfixias sociais que ela irá impor com seus retrocessos sociais.
Isto não é catastrofismo. É o efeito natural de pessoas que experimentaram algum benefício nos tempos dos governos de Lula e Dilma Rousseff, e que veem a perda eminente dos mesmos pelo Plano Temer e, indignadas com isso e movidas pela insegurança e pelo vazio de valores e perspectivas, recorrem ao crime para tomar dos ricos e abastados o dinheiro que não conseguem obter pela falta de emprego.
Como um pesadelo, a plutocracia inicia seu belo sonho de recuperar velhos paradigmas, algo que parecia simplório e fácil com as passeatas "verde-amarelas", com a pregação da grande mídia empresarial, com a inclinação, ainda que confusa e irregular, dos setores do Judiciário e do Ministério Público, dos quais se destaca um Sérgio Moro com feições de Super-Homem, e um esforço político sem escrúpulos de receber apoio de gente corrupta.
Só que o lindo sonho parece como uma manhã de sol e céu azul que, no momento de grande calor, junta uma grande porção de nuvens brancas que parecem belas e serenas, mas que ao longo das horas se transformam em nuvens cinzentas e em cor grafite, das quais sairão trovões violentos, raios assustadores e tempestades a alagar ruas e derrubar árvores sob ventos fortes.
A plutocracia parece que conseguirá retroceder a humanidade, e, num Brasil cujo hábito comum é a dissimulação, ainda tentará mentir dizendo que seus valores "não são velhos, mas atemporais" e que "não trarão prejuízos para a sociedade".
Mas, como diz o ditado, as práticas valem mais do que mil palavras, e o problema é que a sociedade "de cima" que não quer perder privilégios nem ver caírem paradigmas já obsoletos tenta um duro esforço de promover retrocessos sociais que pode até impor um alto preço a quem não está no "alto da pirâmide", mas também trará uma conta amarga justamente para quem quer recuperar velhos privilégios de toda espécie.
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