terça-feira, 18 de agosto de 2015

Brasil e os dilemas da valorização da imagem da mulher

A ATRIZ GIOVANNA ANTONELLI É VALORIZADA POR UMA ESTÉTICA NATURAL, SEM O EXAGERO QUE MARCA AS "MUSAS" SILICONADAS.

O Brasil se transforma, ainda que muito longe dos devaneios fatalistas e de carregado moralismo religioso de Francisco Cândido Xavier, e de maneira não muito tranquila, mas conflituosa, vide a reação dos reacionários de todo tipo na Internet.

O machismo é uma dessas ideologias que começam a viver seu inferno astral, principalmente quando feminicidas que antes se apoiavam triunfantes no ideal da "defesa da honra masculina" hoje podem ser esculhambados por internautas de todo o país, serem presos em regime fechado ou encarar a tragédia própria, mesmo antes dos 60 anos, sofrendo infartos ou acidentes de trândito.

É uma época em que dois dos mais famosos feminicidas do país, o empresário Doca Street e o ex-jornalista Antônio Pimenta Neves, se encontram em idades avançadas, respectivamente 81 e 78 anos, faixa em que ocorrem boa parte dos óbitos entre famosos.

É temido, não só entre os machistas como mesmo na grande mídia conservadora, que os dois morram de uma hora para outra, mesmo quando se considera que Doca teve um passado de forte tabagismo e uso de cocaína, Pimenta ingeriu uma overdose de remédios e que, com menos idade que eles, o Brasil já perdeu gente de caráter muito mais admirável e digno do que eles.

Pois o machismo que começa a ver seu crepúsculo em nuvens cinzentas e que já viu jovens feminicidas morrerem em desastre de carro - um em Florianópolis, em dezembro de 2013 e outro em Brasília, há poucos meses - como amostra de um futuro sombrio para os "defensores da honra masculina" vê sua ideologia ruir com a mudança dos tempos.

Mesmo o machismo recreativo das mulheres-objetos, que nos últimos tempos usava o pretexto de "feminismo popular", sob a estranha complacência de parte do movimento feminista e de mulheres acadêmicas e ativistas de alguma projeção, decai mesmo diante dos protestos de parcela da intelectualidade brasileira.

O perfil da mulher acaba se transformando, e as chamadas "musas populares", geralmente de corpos siliconados e que transformam a sensualidade no fim em si mesmo, estão decaindo de forma vertiginosa e vergonhosa, embora muitas delas resistam a todo custo, tentando se colocar acima dos tempos e das transformações.

Recentemente, um portal baiano anunciou os "dotes físicos" de uma "musa" de um clube de futebol, o Esporte Clube Bahia, usando alegorias machistas como "abundância" e "peitulância", lembrando o que o Estado vivenciou com o decadente fenômeno É O Tchan, que hoje mal consegue se projetar no já declinante mercado da axé-music no Estado.

"SENSUALIDADE" OFENSIVA EM TODOS OS SENTIDOS

As siliconadas, com sua obsessão pela ostentação corporal, que transforma o corpo feminino numa mercadoria simbólica para alimentar a tara masculina de seu público, geralmente de baixo poder aquisitivo ou de perfil machista de classe média, apesar da blindagem intelectual que sugere um suposto feminino, são na verdade um amontoado de preconceitos sociais perversos.

Com peitos e glúteos artificialmente aumentados pelos silicones, as "musas populares", conhecidas também como "boazudas" ou "popozudas" ou pelo eufemismo de "gostosas demais", elas acabam depreciando duplamente tanto as mulheres de padrão estético dominante quanto aquelas que se encontram fora desses padrões.

Primeiro, porque as "musas populares" levam ao extremo a obsessão pela perfeição física, muito mais do que se acusam das modelos e atrizes que posam para capas de revistas como Cláudia, Boa Forma, Nova Cosmopolitan e Marie Claire.

É o que se observa em "musas" como Solange Gomes, Renata Frisson (Mulher Melão), Geisy Arruda, ou mesmo Tati Quebra-Barraco e Mulher Filé. A obsessão delas por plásticas e silicones contradiz o discurso das mulheres intelectuais mais influentes de que essa obsessão se limita apenas ao lado das mulheres de classe média sob influência de revistas femininas e comerciais de TV.

Segundo, porque as mulheres que não correspondem aos padrões estéticos, não sendo popularmente consideradas "bonitas" ou "formosas", também são depreciadas. Imagine a mulher pobre e negra que tem um corpo roliço e glúteos largos, sem preocupação com o aspecto estético e amando sua aparência tal como ela é, sendo parodiada por uma funqueira "sensual" que dá a ideia ofensiva de que a negra pobre de corpo "largo" só pode ser "sensual" e "sexualmente apelativa".

Afinal, existem mulheres de todo tipo e mesmo as não consideradas "atraentes" têm todo o direito de viverem bem e até terem seus companheiros e outros benefícios na vida. Se elas também são parodiadas por mulheres que, ao rebolarem e posarem com glúteos empinados, isso não pode ser visto como algo positivo.

Infelizmente, isso é visto como "positivo", sim. Quantos intelectuais já disseram que as siliconadas são a "expressão da mulher brasileira", enfiando alegações raciais e tudo, "etnicizando" a ideologia do "mau gosto" e da "autoesculhambação" popularesca que transforma as classes pobres em caricaturas cruéis de si próprias?

Sim, e documentários e monografias "sérios" foram feitos em série, dando um suporte "legítimo" e "admirável" a abordagens que, prometendo romper com o preconceito, se mostravam bem mais cruel e escandalosamente preconceituosas.

Se servir da mais engenhosa teoria etnográfica e das mais sofisticadas linguagens discursivas, para depreciar a mulher brasileira através da erotização mercantilista das "boazudas" siliconadas e seu "trabalho" reduzido a uma exploração obsessiva e leviana da sensualidade, "mostrando demais" sem fazer outra coisa de relevante, nem mesmo proteger seus corpos da superexposição.

Para piorar, alegações como "liberdade do corpo", "direito ao sexo" e "direito à sensualidade" contradizem a blindagem das feministas que, quando se refere à classe média, criam uma vigilância excessiva à apreciação da beleza feminina.

Na classe média, a mulher não pode ser assediada por machões nem ser ridicularizada pelos comerciais de TV. Mas, nas "periferias" idealizadas por intelectuais "provocativos", as mulheres pobres são "representadas" por "musas" que alimentam ainda mais a libido dos machões e, com suas gafes e seu erotismo grotesco, não temem explorar a imagem ridícula de si mesmas.

E isso ainda é feito, embora mais timidamente, já que a sociedade reage com críticas negativas ao sensualismo de mercado das "boazudas", ao "feminismo de resultados" feito por elas, mais próximo de um femismo, ou seja, de uma simbólica misandria, de um "ódio aos homens".

Por outro lado, mulheres com beleza mais natural, sem o uso abusivo do silicone ou, quando muito, apenas o uso discreto dessa substância para corrigir falhas nos seios, sem comprometer a forma física. Atrizes como Giovanna Antonelli, Paolla Oliveira e Alinne Moraes começam a desbancar as mulheres que "mostram demais".

Na verdade, esse mercado "feminista" de mulheres siliconadas que "mostram demais" era alimentado por empresários do sexo masculino, tão machistas quanto seu público, mas dotados de senso marqueteiro suficiente para inverter o discurso ideológico. As "boazudas" chegaram a embarcar nas causas LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros) para disfarçar o machismo que elas representam com seus estereótipos "sensuais".

É assustador que uma minoria de homens, com personalidade não muito diferente à de capatazes de grandes fazendas, investem em milhares de mulheres que só se comprometem em mostrar sua "abundância" e "peitulância", e, ainda por cima, serem vendidas como "uma nova forma de feminismo". Mas chega um ponto em que não dá para esconder as contradições e o aspecto machista dessas "musas" torna-se indisfarçável.

O Brasil luta para tentar resolver os retrocessos. Num momento reage contra eles, mas em outro os beneficiários dos retrocessos também reagem. As "boazudas" tentam se impor e passar por cima das mudanças sociais que fazem obsoletas as formas obsessivas, grosseiras e forçadas de sensualidade feminina, mesmo quando "mostrar demais" deixa de ser sinônimo de atraente sedução.

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