terça-feira, 25 de agosto de 2015

A cruel realidade da "exclusão social" que muitos se recusam a ver

A DEMOLIÇÃO DE CASAS PARA CONSTRUÇÃO DA AV. RIO BRANCO, EM 1904, FOI PREJUDICIAL PARA O POVO CARIOCA, MAS NADA COMPARÁVEL COM HOJE.

O Rio de Janeiro quer impor seus retrocessos ao Brasil e tais retrocessos ainda ameaçam ser impostos para o mundo. Faz-se um "coração do mundo" assim, através de medidas autoritárias e exclusão social e muita gente não acredita.

As pessoas ainda tentam crer que vivem numa belle-èpoque, ainda que num cotidiano caótico e amalucado como o do Rio de Janeiro. Mascaram preconceitos sociais com alegações falsamente "progressistas". Aceitam imposições das autoridades, dos tecnocratas, do "deus mercado" e dos executivos de mídia como se fossem decisões divinas.

Essas pessoas têm medo de admitir que mudanças de linhas de ônibus e construções de complexos hoteleiros ou condomínios de luxo possam envolver processos perversos de exclusão social. Boa parte da "boa sociedade" que monopoliza a "opinião pública" que predomina na Internet mal se sensibiliza sequer quando moradores protestam contra ameaças de despejos.

A aberrante ideia do subsecretário de Planejamento da Prefeitura do Rio de Janeiro, Alexandre Sansão, de eliminar a ligação direta entre Zona Norte e Zona Sul, no intuito de complicar o acesso das periferias para Copacabana, Ipanema e Leblon, é aceita por boa parte dos cariocas que não creem que isso possa gerar apartheid social.

Claro, raciocinam do alto de suas rodas de cerveja ou do conforto de seus prédios e não conseguem imaginar um morador do Méier acordando 5h30 da manhã, para pegar um ônibus que só vai para o Centro e, daí, com o terminal da Central amontoado de gente, ter que pegar um BRT superlotado, em pé, para ir ao trabalho.

Fazer o quê? Essa realidade que se agravará a partir de outubro não é a realidade de quem vai de carro da Gávea para a Barra da Tijuca, do condomínio para o escritório ou do prédio confortável para o cursinho numa instituição particular de ensino.

O que é Pinheirinho, a comunidade popular extinta em São José dos Campos pela decisão política do governador Geraldo Alckmin? Salvar uma empresa é mais importante. Sob a desculpa de tirar "arruaceiros" do Arpoador, dificulta-se um morador do Méier que trabalha em Copacabana em ir e vir na comodidade de um transporte direto.

O Rio de Janeiro passa por retrocessos diversos, estando numa situação calamitosa. De bueiros explodindo a livrarias tradicionais ameaçadas de fecharem - há quem achará isso ótimo, se colocar um tempo evangélico, um bar ou uma loja de material para torcedores de futebol no lugar - , o Rio que serve de referencial para o país reduz-se a um Estado mais provinciano e retrógrado.

DECADÊNCIA E CONFORMISMO

Nem parece que, depois de Pereira Passos realizar seus projetos urbanísticos em 1905, quando deu início à modernização carioca inaugurando a Av. Central (atual Av. Rio Branco), a novidade impulsionou intelectuais e artistas a lutarem por uma modernização cultural e, mais tarde, surgindo ativistas para lembrarem o lado social da coisa.

O Rio de Janeiro que planejaria ser uma "Paris dos trópicos" enfrenta uma decadência pior que a de Paris de hoje - cidade que sofreu o pesadelo da chacina aos redatores do Charlie Hebdo - e comparável à crise que vive a Grécia.

O problema é que parte dos cariocas que ainda sonham com o "borogodó perdido" ("borogodó" é gíria para um sentimento que mistura charme e senso de humor) não quer ver isso. Mesmo as balas perdidas, os tiroteios, os ônibus superlotados, os roubos, as mortes de policiais da UPP, todas essas tragédias e desastres são vistos como "casos isolados", por mais constantes que sejam.

O Rio de Janeiro parece Troia à beira da invasão de soldados de Esparta. A cidade retrocede e mesmo assim ainda vende a imagem de "moderna", "cosmopolita" e "atraente", mesmo quando o preocupante surto provinciano que faz a Cidade Maravilhosa parecer pior do que uma cidade do interior no Norte do país, é de saltar aos olhos.

Claro, as pessoas que avisam sobre o retrocesso do Rio de Janeiro e sua região metropolitana - Niterói se comporta como uma cidade perdida no Amapá - não são ouvidas, porque boa parte dos cariocas parece conformada com seus poucos benefícios imediatos.

Que diferença faz tais retrocessos, se a "boa sociedade" continua tomando cerveja como antes (ou talvez nem tanto, pois o sabor da cerveja, segundo muitos, piorou, mas tudo fica nisso mesmo), torcendo por futebol mais do que nunca (apesar do futebol carioca ter decaído, mas se continua ganhando partidas mesmo jogando mal, tudo bem), entre outras conformidades?

Poucos levam a sério que um subsecretário de Planejamento, que lança um modelo autoritário de sistema de ônibus, responsável pelo caos que se tornou, possa criar uma exclusão social com as baldeações a serem criadas dentro de um contexto de trânsito congestionado e terminais superlotados.

A ilusão de "superioridade" que faz com que não só Alexandre Sansão, como, em outros contextos, Luciano Huck, William Bonner, Neymar Jr. etc conforta as pessoas. É o diploma de Sansão, a visibilidade de Huck e Neymar, a "boa sociedade" não pode ver exclusão social nem qualquer outro deslize por parte de seus "deuses".

E no Rio de Janeiro que "religiosiza" tudo, que "diviniza" todo tipo de arbitrariedade que vem "do alto" e é protegida pela visibilidade e prestígio de quem impõe tais decisões. O prejuízo diagnosticado só é prejudicial depois que acontece.

REALIDADE DURA

"Pimenta nos olhos dos outros é refresco". Pouco importa, para um Sansão trancado em seu escritório e vendo a realidade pelos simulacros virtuais no computador, se o morador do Jacarezinho que trabalha em Ipanema, podendo ser uma empregada doméstica, por exemplo, pegar um ônibus até o Centro e depois pegar um superlotado para a Zona Sul.

Pouco importa se ela viajará em pé, com o risco de ter seu celular, comprado com muita dificuldade, furtado por algum engraçadinho, ou ser assediada por um tarado que encostará seu corpo no dela. E pouco importa publicar para internautas de classe média esse drama social.

E as balas perdidas? "Ah, só matam gente lá da favela". Não é o rapagão sarado que conta piada para a "galera" em Ipanema. Amarildo desapareceu, lá na Rocinha? Coisa de nada, não é o amigão divertido das rodas de cerveja no Baixo Gávea. Rio de Janeiro demitiu mais de 45 mil pessoas? Ora, não é o ricaço que vive da mesada do pai empresário no "apê" do Recreio dos Bandeirantes.

O que são os tiroteios na Mangueira, se seus sons são sufocados pelos fogos de artifício soltos durante um "clássico" com algum time do futebol carioca. Cultura popular em crise? Tanto faz, para a "boa sociedade", se o povo pobre é reduzido a uma caricatura através do "funk carioca". Melhor "descer até o chão" do que fazer passeatas por melhorias.

Policiais são assassinados nas UPPs? Isso não atinge a segurança da "galera" das boates e condomínios de grande porte. Arrastões nas praias? Não atinge o grupo que vai até para uma praia de elite, isolada na sua farra.

O mais grave disso tudo é que o Rio de Janeiro sofre um retrocesso calamitoso que poucos querem admitir. Um retrocesso profundo, estarrecedor, mas aberrantemente ignorado. Um caos que é até visto como natural, diante da conformação generalizada com tudo, em que se endeusa a prepotência alheia protegida pela visibilidade, pelo diploma ou pelo poder político.

Aceita-se o prejuízo social se ele é consequência de decisões "técnicas". Aceita-se as desculpas dos poderosos, se o prestígio ou a formação político-acadêmica lhes protege. O Rio de Janeiro ultrapassou São Paulo, tornando-se a primeira no ranking da poluição, e ultrapassou Salvador no ranking do desemprego, atingindo a triste primeira colocação.

De que adianta? Rio de Janeiro poluído, cheio de desempregados, caótico, desigual, injusto, prepotente, confuso. Mas ainda tem a praia, o futebol, a cerveja. E se os absurdos são decididos "de cima", todos dizem amém e vão para o Maracanã tranquilos, voltando felizes da vida porque os fogos de artifício esconderam o som trágico das metralhadoras e revólveres da vizinha Mangueira.

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