segunda-feira, 19 de setembro de 2016
"Auxílio fraterno" e Teologia do Sofrimento
Típica entrevista em um "auxílio fraterno" de um "centro espírita" tido como conceituado, quando um paciente relata que está sofrendo dificuldades intransponíveis em sua vida.
ATENDENTE - O que o irmão faz aqui? Me conta.
PACIENTE - Eu sofro sérias dificuldades na vida. Eu me esforço, meto a cara, faço jogo de cintura, e nenhuma recompensa eu recebo por isso.
ATENDENTE - Você trabalhou seus pensamentos para acreditar no que você quer conseguir?
PACIENTE - Já. Com o maior otimismo e muita esperança.
ATENDENTE - Você teve perseverança nos seus esforços?
PACIENTE - Já. Persisti, me esforcei, com todo o empenho.
ATENDENTE - E por que você não conseguiu conquistar esse objetivo?
PACIENTE - Eu não sei, as dificuldades eram maiores do que eu imaginava, me dediquei, pau a pau, e nada aconteceu. Sabe, eu tenho minhas próprias habilidades.
ATENDENTE - Já pensou em abrir mão de tudo que sabe e fazer aquilo que você não sabe?
PACIENTE - Como assim?
ATENDENTE - Sabe, tem um trabalho na empresa... (companhia que surgiu com processo fraudulento e controlada por patrões de perfil bem canastrão), você deveria ir. Acho que é o lugar certo para talentos como você.
(O paciente faz cara de paisagem, mas sabe que a empresa não lhe é de sua simpatia)
PACIENTE - Mas essa empresa não surgiu de um esquema de corrupção financeira?
ATENDENTE - Aí é que você, um talento excepcional, pode entrar para sanear o ambiente de trabalho, melhorando as relações sociais. O empresário... (o tal canastrão) adoraria ter pessoas como você, ele me falou que gostaria de ter gente da sua formação.
(O paciente não questionou, para não dar discussão, mas parecia não concordar)
PACIENTE - Ah, uma coisa, agora sobre vida amorosa.
ATENDENTE - Diga.
PACIENTE - Eu não consigo atrair mulheres de minha afinidade. Desde meus tempos de estudante, mesmo na universidade, eu me relacionava com mulheres que se davam bem comigo e, quando eu pensava em iniciar algo a mais na relação, sempre havia um comprometimento.
ATENDENTE - Como assim? Me diz.
PACIENTE - Houve caso de uma que se mudou para longe, perdemos contato por uns meses, e quando voltamos a falar, ela se casou. Houve outro em que a colega que me paquerava passou a namorar firme outro homem. Tem outra que parecia ser perfeita para mim, mas também foi namorar outro e depois se casou. Houve outra que sumiu e, quando a vi nas mídias sociais, estava casada.
ATENDENTE - E o que tem de problema nisso?
PACIENTE - Aparentemente, nenhum. Mas as mulheres que consigo atrair e permanecem acessíveis são as que não possuem afinidade alguma comigo. Nem para conversar elas dão. São cafonas e piegas, seus temperamentos não combinam com o meu, e não servem sequer para uma relação proveitosa.
ATENDENTE - E de onde você tirou essa ideia de que não dá para ter relação proveitosa?
PACIENTE - Peraí. Elas não têm afinidade comigo. Se fossem para ser só amigas, tudo bem, mas cada uma me quer para namoro. Uma garota que nem é muito atraente mora próximo de minha casa e fica sempre disponível para mim. Há também outra garota, tipo periguete, que só anda de roupas obscenas na rua, é grotesca, e me olha como se tudo garantisse para eu ser marido dela.
ATENDENTE - Hum.
PACIENTE - E ainda tem aquela musa do "funk", que foi casada com miliciano, que nas mídias sociais teve gente me recomendando para namorar. Disse que não estava a fim, que ela representa o oposto de tudo que acredito e aprendi na vida, não teria afinidade alguma. Fui ridicularizado por muita gente na Internet.
ATENDENTE - Por que você não aceita qualquer uma delas? Quem sabe com amor você muda as cabeças dessas moças.
PACIENTE - Não é fácil. Elas têm suas convicções, estão orgulhosas pelo que são, fazem aquilo que não me agrada e a relação não iria me fazer crescer como ser humano.
ATENDENTE - Não custa tentar. Acho que isso é uma ótima oportunidade para você promover o diálogo e a união.
Minutos depois, o paciente vai embora, frustrado, vendo que o atendente do "auxílio fraterno" ignora individualidades.
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