terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Historiador Sérgio Cabral entendeu melhor Noel Rosa que Geralcino Gomes

O HISTORIADOR E JORNALISTA SÉRGIO CABRAL (E) E O SUPOSTO MÉDIUM CARIOCA GERALCINO GOMES.

Mais uma prova do equívoco igrejista das mensagens atribuídas ao espírito de Noel Rosa (1910-1937), notável sambista brasileiro, está na comparação que fazemos reproduzindo dois textos, sendo um a suposta psicografia e outro uma montagem forjando uma entrevista com respostas extraídas de letras de música.

Vários de nós, questionadores da deturpação da Doutrina Espírita, pesquisamos as alegadas mensagens "espirituais" e o legado deixado pelos supostos espíritos em vida, e notamos disparates diversos, constatando que as supostas psicografias não correspondem ao estilo pessoal do falecido atribuído.

Portanto, a constatação de que não foi Noel Rosa que se manifestou para o "médium" carioca Geralcino Gomes não é fruto de raivas, intolerâncias religiosas ou perseguições a quem faz o "trabalho do bem", mas resultado de pesquisas sérias e observações apuradas.

Os dois exemplos - um texto atribuído a Noel Rosa no livro de "vários autores" Um Sonho...Natal Todos os Dias (Geralcino lançou um "livro solo" do suposto espírito, intitulado Cordas, Cores e Noel) e uma entrevista forjada por Sérgio Cabral, o pai - mostram a grande diferença da mensagem "espiritual" com o estilo de escrever e pensar do saudoso compositor.

Primeiro reproduziremos o texto lançado por Geralcino Gomes, intitulado "Falando com Jesus", em que se nota que o estilo pessoal de Noel Rosa é completamente ausente. Em seguida, a "Entrevista Póstuma com Noel Rosa", publicado no jornal Pasquim, que Sérgio Cabral montou com base em trechos de composições do artista.

Notem que a disparidade é aberrante. E que Sérgio Cabral conseguiu entender muito bem o espírito de Noel Rosa do que Geralcino que manteve a tendência dos "médiuns" de vincularem mortos ilustres a mensagens de apelo igrejista. Vamos lá.

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FALANDO COM JESUS

Por Geralcino Gomes - Do livro Um Sonho...Natal Todos os Dias, de vários autores. Texto atribuído ao espírito de Noel Rosa

- Jesus, eu gostaria de oferecer um presente ao Senhor!
Por isso me ajoelho aqui neste cantinho escondido da pracinha, para rezar pedindo inspiração e esclarecimentos.
Perdoe dirigir ao Senhor assim, mas tenho duas dúvidas.
A primeira, o que doar a Jesus?
Olhe, tenho algum dinheirinho guardado.
Quem sabe posso ajudar oferecendo alguma coisa que fale ao seu coração?
A segunda dúvida é: como fazer chegar ao Senhor o presente?
Quem sabe eu coloco aqui neste cantinho, fecho os olhos e o Senhor dá um jeito de um anjo carregar até aí o presente?
Ah, muito obrigado por me escutar. Olha, eu volto amanhã e fico quietinho para esperar sua resposta, está bem? Até amanhã.

- Filho do coração, aceito seu presente, mas o que quero é que você considere todo dia um Natal, porque o Sol irá brilhar sempre presenteando ao mundo luz e calor. Procure doar, em meu nome, carinho, paciência, calma, palavras úteis, silêncio quando necessário, e muito amor.
Meus mensageiros não serão anjos, e sim os caídos dos caminhos, das ruas de Vila Isabel, crianças, adultos, sofridos. Caridade para com elas, boas palavras, tempo para escutá-las e - por que não? - para também sorrirem ao seu lado.
Viu, filho, como quero pouco. Faças por mim e observe que tudo ficará mais fluído por onde você costuma caminhar.

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ENTREVISTA PÓSTUMA COM NOEL ROSA

Por Sérgio Cabral - O Pasquim - edição 201 - 8 a 14 de maio de 1973 - página 15

“Trinta e seis anos depois de sua morte (morreu dia 4 de maio de 1937), procurei Noel Rosa para uma entrevista.

- Eu não tenho nada a dizer. O que você quiser saber está na minha obra – disse ele modestamente.

O resultado foi esta entrevista. Se não estiver boa, não ponham a culpa exclusivamente no repórter. Afinal, o entrevistado não dá entrevista há, pelo menos, 36 anos”. (Sérgio Cabral).

O PASQUIM – Você um cara cheio de problemas de saúde, não saía dos bares, bebendo a noite inteira, batendo papo, etc.

NOEL ROSA – Saber sofrer é uma arte. E pondo a modéstia de parte, eu sei sofrer.

O PASQUIM – Então você sofreu pra burro.

NOEL ROSA – Mesmo assim não cansei de viver.

O PASQUIM – Mas as mulheres de vez em quando, te faziam sofrer mais ainda.

NOEL ROSA – Quem sofreu mais do que eu não nasceu.

O PASQUIM - Uma das suas mulheres foi até visitá-lo, quando você esteve doente. Mas você estava fora. Por que ela foi lá?

NOEL ROSA – Porque pretendia somente saber qual era o dia que eu deixaria de viver.

O PASQUIM – Você sofreu várias decepções mas continuou amando.

NOEL ROSA – Nunca se deve jurar não mais amar a ninguém.

O PASQUIM – Quer dizer que você não tem nada contra o amor.

NOEL ROSA – Quem fala mal do amor não sabe a vida gozar.

O PASQUIM – Mas você, de vez em quando, fala mal da mulher.

NOEL ROSA – A mulher mente brincando e, às vezes, brinca mentindo.

O PASQUIM – Explica isso melhor.

NOEL ROSA – Quando ri está chorando e quando chora está sorrindo.

O PASQUIM – Você sabe se a Betty Friedman o conhecesse teria uma imensa bronca de você que é contra a mulher trabalhando.

NOEL ROSA – Todo cargo masculino, seja grande ou pequenino, hoje em dia é pra mulher.

O PASQUIM – Mas o que é que atrapalha isso, Noel?

NOEL ROSA – E por causa dos palhaços, ela esquece que tem braços. Nem cozinhar ela quer.

O PASQUIM – Mas os direitos são iguais.

NOEL ROSA – Os direitos são iguais, mas até nos tribunais a mulher faz o que quer.

O PASQUIM – Então não são tão iguais assim.

NOEL ROSA – Pois o homem já nasceu dando a costela à mulher. 

O PASQUIM – Essa história não é bem assim, não. É preciso discutir.

NOEL ROSA – Mas não quero discussão.

O PASQUIM – Da discussão sai a razão.

NOEL ROSA – Mas às vezes sai pancada.

O PASQUIM – Você gosta mesmo é de samba, não é?

NOEL ROSA – O mundo é um samba em que eu danço sem nunca sair do meu trilho.

O PASQUIM – Você acha mesmo o samba um troço importante?

NOEL ROSA – Exprime dois terços do Rio de Janeiro.

O PASQUIM – Tenho vários amigos que não gostam de samba, querem voar mais alto.

NOEL ROSA – Mas quem voa em grande altura leva sempre grande queda.

O PASQUIM – Não fale assim, Noel, os caras podem se chatear.

NOEL ROSA – O que eu falo é bem pensado. Não receio escaramuça. E que aceite a carapuça quem se sente melindrado.

O PASQUIM – Assim como você está falando, o que é que quer que eles pensem de você?

NOEL ROSA – Que entre nós o páreo é duro.

O PASQUIM – Mas vão acabar seus inimigos.

NOEL ROSA – Meus inimigos, que hoje falam mal de mim, vão dizer que nunca viram uma pessoa tão boa assim.

O PASQUIM – Pelo que vejo, não se pode falar mal do samba perto de você.

NOEL ROSA – O samba é a corda e eu sou a caçamba.

O PASQUIM – Você não tem medo de ninguém?

NOEL ROSA – Sou independente como se vê.

O PASQUIM – Independente? Está rico?

NOEL ROSA – Não consigo ter nem pra gastar.

O PASQUIM – Ou seja: está durão.

NOEL ROSA – Já estou coberto de farrapo, eu vou acabar ficando nu. Meu paletó virou estopa e eu nem sei mais com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou.

O PASQUIM – Você não vai porque está com medo dos malandros do samba.

NOEL ROSA – Não tenho medo de bamba. Na roda do samba, eu sou bacharel.

O PASQUIM – Como é que é esse negócio de bacharel?

NOEL ROSA – Quando me formei no samba recebi uma medalha.

O PASQUIM – Você vive em tudo que é samba, não é?

NOEL ROSA – A polícia em todo canto proibiu a batucada. Eu vou pra Vila onde a polícia é camarada.

O PASQUIM – O samba em Vila Isabel é de noite ou de dia?

NOEL ROSA – O sol da Vila é triste. Samba não assiste porque a gente implora: “Sol, pelo amor de Deus, não venha agora que as morenas vão logo embora”.

O PASQUIM – Mas tem mais samba em outros lugares, Noel.

NOEL ROSA – Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz.

O PASQUIM – E a Vila, como é que fica nisso?

NOEL ROSA – A Vila não quer abafar ninguém. Só quer mostrar que faz samba também.

O PASQUIM – Conforme você disse, o samba exprime dois terços do Rio de Janeiro.

NOEL ROSA – Mas tenho que dizer: modéstia à parte, meus senhores, eu sou da Vila.

O PASQUIM – Assim não pode, Noel. Com esta banca é melhor a gente acabar a entrevista.

NOEL ROSA – Ofereço meu auxílio. Passe bem, vá pela sombra.

O PASQUIM – Está me mandando embora, Noel?

NOEL ROSA – Não mandei você embora porque sou benevolente.

O PASQUIM – Sabe que se você dissesse isso para certos jornalistas, eles entenderiam como um desafio para briga?

NOEL ROSA – De lutas não entendo abacate.

O PASQUIM – Ué, eu soube que você já lutou profissionalmente.

NOEL ROSA – Cheguei até ser contratado para subir em um tablado para vencer um campeão.

O PASQUIM – E daí, venceu?

NOEL ROSA – Mas a empresa, pra evitar assassinato, rasgou logo o meu contrato, quando me viu sem roupão.

O PASQUIM – E como é que você se vira com esses valentões?

NOEL ROSA – No século do progresso, o revólver teve ingresso para acabar com a valentia.

O PASQUIM – Você sabe que o Josué Montello...

NOEL ROSA – Escreve sal com c cedilha.

O PASQUIM – Pois é. Ele agora é da Academia Brasileira de Letras, junto com a Pedro Calmon.

NOEL ROSA – Desta vez, juntou-se a fome com a vontade de comer.

O PASQUIM – Mas eles tem prestígio por aí, numa certa roda.

NOEL ROSA – Vassouras nos salões da sociedade.

O PASQUIM – Você não freqüenta essa roda, não é?

NOEL ROSA – Você pode crer que a palmeira do Mangue não vive em Copacabana.

O PASQUIM – Vamos falar mal das pessoas. E o Roberto Campos, hem?

NOEL ROSA – Que é também brasileiro. E em três lotes vendeu o Brasil inteiro.

O PASQUIM – Sabe que andaram pixando você sob o pretexto de que você é bom de letra mas não de música?

NOEL ROSA – Sendo as notas sete apenas, mais eu não posso inventar.

O PASQUIM – Bem, Noel, vamos acabar a entrevista. Adeus. 

NOEL ROSA – Adeus é pra quem deixa a vida. Três palavras vou gritar por despedida: até amanhã, até já, até logo.


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As respostas de NOEL ROSA estão contidas nos seguintes sambas:

“Eu sei sofrer” – samba (1937) / (Noel Rosa), com Aracy de Almeida e Boêmios da Cidade. VICTOR (34.176A) – abril/1937.

 “Só pode ser você” (ILUSTRE VISITA) – samba (1935) / (Noel Rosa – Vadico), com Aracy de Almeida e Conjunto Regional RCAVictor. VICTOR (34.152A) – agosto/1936.

 “Provei” – samba (1936) / (Noel Rosa – Vadico), com Noel Rosa, Marília Batista e Conjunto Regional de Benedito Lacerda. ODEON (11.422A) – novembro/1936.

 “Nuvem que passou” – samba (1932) / (Noel Rosa), com Francisco Alves e Orquestra Copacabana. ODEON (10.927B) – julho/1932.

“Você vai se quiser” – samba (1936) / (Noel Rosa), com Noel Rosa, Marília Batista e Conjunto Regional de Benedito Lacerda. ODEON (11.422B) – novembro/1936.

 “É preciso discutir” – samba (1931) / (Noel Rosa), com Francisco Alves, Mário Reis e Orquestra Copacabana. ODEON (10.905A) – novembro/1931.

“Até amanhã” – samba (1932) / (Noel Rosa), com João Petra de Barros e Gente Boa. ODEON (10.950B) – outubro/1932.

“Quem dá mais?” (LEILÃO DO BRASIL) – samba humorístico (1930) / (Noel Rosa), com Noel Rosa e Orquestra Copacabana. ODEON (10.931A) – julho/1932.

 “Vitória” – samba (1932) / (Noel Rosa - Romualdo Peixoto [Nanô]), com Sílvio Caldas, Francisco Alves¹ e Os Diabos do Céu. VICTOR (33.657A) – julho/1932.
¹ O nome de Francisco Alves não aparece como intérprete no selo do disco original. Entretanto, percebe-se nitidamente a “canja” do Rei da Voz”.

“Fita amarela” – samba (1932) / (Noel Rosa), com Francisco Alves, Mário Reis e Orquestra Odeon. ODEON (10.961A) – dezembro/1932.

“O X do problema” – samba (1936) / (Noel Rosa), com Aracy de Almeida e Conjunto Regional RCAVictor. VICTOR ( 34.099A) – setembro/1936.

“Com que Roupa?” – samba (1936) / (Noel Rosa), com Aracy de Almeida e Bando Regional. PARLOPHON (13.245A) – 30/setembro/1930.

“Eu vou pra Vila” – samba (1930) / (Noel Rosa), com Almirante e Bando de Tangarás. PARLOPHON (13.256B) – janeiro/1931.

“Feitiço da Vila” (FESTIÇO SEM FAROFA) – samba (1934) / (Noel Rosa – Vadico), com João Petra de Barros e Orquestra Odeon. ODEON (11.175A) – outubro/1934.

 “Boa viagem” – samba (1934) / (Noel Rosa – Ismael Silva), com Aurora Miranda e Orquestra Odeon. ODEON (11.187B) – dezembro/1934.

 “Tarzan” (O FILHO DO ALFAIATE) – samba-choro (1936) / (Noel Rosa – Vadico), com Almirante e Conjunto Regional RCAVictor. VICTOR (34.086A) – agosto/1936.

 “Cidade mulher” – marcha (1936) / (Noel Rosa), com Orlando Silva e Conjunto Regional RCAVictor. VICTOR (30.085B) – julho/1936

“A.E.I.O.U.” – marcha colegial (1931) / (Noel Rosa - Lamartine Babo), com Lamartine Babo e Grupo do Canhoto e Coro. VICTOR (33.503A) – novembro/1931.

“Onde está a honestidade?” – samba (1933) / (Noel Rosa – Francisco Alves), com Noel Rosa e Turma da Vila. ODEON (10.989A) – março/1933.

“Mais um samba popular” – samba (1934) / (Noel Rosa – Vadico), com Ana Cristina e Conjunto de Luís Bittencourt. SINTER (345) – 1954.

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