sábado, 21 de novembro de 2015

"Espiritismo" brasileiro, moralismo e suicídio

"MOVIMENTO ESPÍRITA" RECORRE A NARRATIVAS DE TERROR PARA DESCREVER O "VALE DOS SUICIDAS".

O mais recente apelo dos ideólogos "espíritas", diante da crise que o "movimento espírita" sofre diante dos efeitos naturais de suas contraditórias e equivocadas escolhas, é dizer que a doutrina, pelo menos, "salva vidas" e "evita" o ato do suicídio, trazendo a esperança do "futuro".

Alguns textos em blogues ou periódicos "espíritas" foram escritos neste sentido, enfatizando a religiosidade e a crença em Deus como supostos remédios para o pessimismo, para as angústias e para as dificuldades pesadas que as pessoas encontram em suas vidas.

Tudo parece bem intencionado, bastante positivista e, à primeira vista, parece uma demonstração de amor fraterno, caridade, dedicação ao próximo e consolo contra quem se afunda nos sentimentos de desespero e insegurança, não fosse por um detalhe: o "espiritismo" defende a Teologia do Sofrimento.

Invenção nossa? Não. É só prestar atenção em muitas das frases "dóceis" trazidas por Francisco Cândido Xavier. Acreditando que o sofrimento humano é apenas uma etapa "momentânea" da vida de cada indivíduo, ele recomendava suportá-lo sem queixas e, de preferência, sem gemer de dor ou reagir bruscamente contra o motivo desse infortúnio.

A depender de suas frases, pouco importa se o infortúnio dura décadas ou a encarnação inteira. Ele chegava a usar como desculpa que o sofrimento de décadas era apenas "um segundo" na eternidade da vida, e alegava que "tudo passa" e que Deus reserva "dias melhores" na "vida futura".

Esse é o problema. Pouco importa se uma pessoa diferenciada desperdiça uma encarnação inteira com infortúnios, com barreiras severas, e, em vez de usar seus potenciais para ajudar alguém, se torna subordinada aos arbítrios de alguém mais estúpido e ignorante que a tal pessoa.

Para um "espiritismo" que não tem a sensibilidade necessária para compreender a individualidade de cada pessoa, se submeter a um algoz "também é caridade", ainda que a pessoa seja impedida em toda sua encarnação a dar proveito de seus potenciais para ajudar alguém. E os "espíritas", sádicos, ainda têm a coragem de dizer, em seu juízo de valor: "Não está na hora de aproveitar tais potenciais".

PROGRESSO PERDIDO

Pouco importa se gerações inteiras se perdem diante de um projeto de progresso humano perdido. No Brasil, é ilustrativo que a maioria de pessoas diferenciadas morre cedo, de Leila Diniz a Glauber Rocha, de Mário de Andrade a João do Rio, de Renato Russo a Humberto de Campos, ou morrem no auge de suas atividades intelectuais, como o geógrafo Milton Santos e o ator José Wilker.

Tivemos um processo de avanços sócio-políticos, econômicos e culturais para o Brasil, traçados e debatidos entre os anos de 1958 e 1963, interrompidos e dissolvidos pela ditadura militar. O país passou por retrocessos profundos desde então, e muitos desses retrocessos passaram a ser apoiados pela sociedade pelo ideal de conveniências, jogos de interesses e zonas de conforto que representam.

Difícil progredir o país quando nossas melhores mentes morrem cedo ou não completam sua missão, deixando, para sempre, muitos planos de vida. E os "espíritas", sem perceber a noção do tempo, contraditórios entre o materialismo dos cronogramas terrenos, dos calendários ocidentais, mas ignorando a cronologia existencial de séculos, décadas ou minutos, ignora tudo isso.

No seu julgamento moralista, o "espiritismo" pouco se sensibiliza com o sofrimento alheio. Pouco percebe que uma encarnação não é igual a outra, e o que se deixa de fazer numa encarnação pode ser impossível de se fazer em outra. Pouco importa os longos sofrimentos, os potenciais abortados, os progressos comprometidos. Os "espíritas" se iludem ao achar que amanhã é igual a hoje.

Ignorando que o espírito humano tenha suas necessidades de aproveitar a vida material para intervir com suas qualidades espirituais, o moralismo "espírita" vê a encarnação como algo qualquer nota, como um processo em que só se pode suportar uma imposição, só se experimenta relações de obediência submissa de um lado e arbítrio abusivo de outro, como "o melhor meio" de evolução humana.

Claro que limitações podem trazer lições de vida, mas da forma que o "espiritismo" prega, como se fosse um campeonato de infortúnios visando o prêmio da "vida futura", só prejudica as pessoas que recorrem à doutrina, em seus tratamentos espirituais, e, em vez de superar suas dificuldades iniciais, contrai outras piores ainda.

MORALISMO E MATERIALISMO

Como é que a religião que se gaba em "prevenir o suicídio" - prática que o moralismo "espírita" define como crime hediondo, pior do que o homicídio - estabelece o sofrimento em si mesmo como caminho seguro para o progresso espiritual?

A Teologia do Sofrimento, popularizada por Teresa de Lisieux e defendida tanto por Madre Teresa de Calcutá (que por causa disso chegou a ser chamada de "anjo do inferno") quanto por Chico Xavier (erroneamente chamado de "ativista" e "progressista" por tal postura), cria, por sua própria natureza, as condições para levar alguém ao suicídio.

A segurança com que os líderes e palestrantes "espíritas" supõem ter em dizer que sua doutrina "salva vidas" e por isso "previne o suicídio" é contestada pela própria natureza com que julgam o suicídio, através de seus preconceitos moralistas.

Como é que um suicida, que apesar do seu erro tem como atenuante o fato de tirar sua própria vida, por decisão própria, pode ser pior do que um homicida, que leva o egoísmo humano às últimas consequências, interrompendo a vida de outro sem a permissão deste, mas é visto como uma espécie de "justiceiro dos reajustes espirituais", que só "pagará pelo que fez" uma ou duas encarnações depois?

O moralismo "espírita" vê o suicídio como um ato deplorável, mas também não oferece condições para que as pessoas evitem o ato. Contraditoriamente, a moral "espírita" diz para o indivíduo não se matar, mas também o "aconselha" a aceitar o sofrimento que potencialmente seria motivo de suicídio.

Mas aí o "espiritismo" deixa sua máscara cair e mostra seu grau materialista, tomando emprestado o antigo moralismo católico que inventou o Céu e o Inferno e, no meio deles, o Purgatório. No "espiritismo", o que há é o "mundo superior", a "zona inferior" do umbral e as "colônias espirituais", numa analogia mais exata.

O "umbral" é normalmente conhecido como "inferno", embora as fontes "espíritas" divirjam quanto à função do "purgatório", uns creditando as "cidades espirituais" (creditadas por outros como "mundos superiores"), outros creditando os "umbrais" não como Inferno, mas como Purgatório.

E aí as narrativas "espíritas", a partir do exemplo de Nosso Lar, livro de Chico Xavier que, com base numa obra estrangeira, A Vida Além do Véu, de George Vale Owen, mistura narrativas de folhetim com elementos de ficção científica e terror, num possível tributo ao então menino-prodígio da "mediunidade", Waldo Vieira, admirador de Chico Xavier e colecionador de revistas em quadrinhos.

O umbral é narrado como se fosse em obras do terror, pois descreve zonas macabras, com pessoas se comportando feito zumbis, com roupas rasgadas, aparência sombria e comportamentos tenebrosos, como se não tivessem consciência do que realmente são ou foram.

Cria-se uma visão materialista do inferno, o que vai contra o pensamento de Allan Kardec, que definia as "zonas inferiores" apenas como percepções imaginárias de cada indivíduo. São apenas meras impressões pessoais, como alguém que fica mal-humorado e sofre uma encrenca durante o dia, mesmo que este fosse um dia ensolarado.

Os "espíritas" querem apenas assustar, com sua "psicologia do terror", e tentam não resolver os problemas dos suicidas, mas simplesmente intimidá-los com a suposta descrição do "inferno espiritual". É como se dissessem que a criança não deveria se matar, porque "lá no além" o "homem do saco" recolherá as almas infelizes para serem jogadas em lodos fervendo como caldos ebulindo numa panela, sobre o fogão.

Só que isso não existe. E o "espiritismo" erra mais uma vez tentando convencer o mal do suicídio não pela busca de soluções reais, mas pela intimidação de um ato que já é erroneamente considerado "hediondo". E isso não resolve, porque o "espiritismo" e sua apologia ao sofrimento só faz criar condições para alguém se suicidar. Se a pessoa não se suicida, é muito mais pela perseverança pessoal dela do que por qualquer ajuda da religião.

Os "espíritas" acabam agindo mal. Considerando o suicídio como um crime hediondo, transformam pobres coitados em "monstros". Criam uma visão materialista do inferno, para justificar seu moralismo. E acabam sendo insensíveis aos sofrimentos humanos que levam as pessoas a se matarem, porque a doutrina tem como princípio a apologia do sofrimento.

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