segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

"Espiritismo" brasileiro, Geocentrismo e "Doutrina do Povo Escolhido"


O que chama a atenção das supostas "profecias" de Chico Xavier, apreciadas no documentário Data-Limite Segundo Chico Xavier, é a de que o Brasil se tornaria a nação mais poderosa do planeta e o "movimento espírita" a "última palavra" em doutrinas espiritualistas, talvez a religião mais influente do chamado "coração do mundo".

Essas ideias vieram desde 1932, quando foram lançadas as expressões "coração do mundo, pátria do Evangelho" atribuídas ao Brasil, num poema que Chico Xavier escreveu, com a ajuda de editores da FEB e consultores literários envolvidos, que leva o nome do país e que atribuiu-se a autoria espiritual a Olavo Bilac, embora o poema fuja completamente do estilo original do poeta parnasiano.

As duas ideias, "coração do mundo" e "pátria do Evangelho", sugerem a supremacia político-religiosa do Brasil "espírita", e só mesmo juntando as peças do quebra-cabeça, como fazemos neste blogue, para revelarmos o que está por trás das dóceis aparências do discurso "abundante de lições de amor".

Se levarmos em conta que o "movimento espírita" tem sua origem oficial em 1884, com a fundação da FEB, e suas raízes cerca de duas décadas antes, veremos que tudo isso se deu num contexto dominado pela Igreja Católica de herança portuguesa e dotado ainda de muitos fundamentos e procedimentos medievais.

O histórico do "espiritismo" não foi de um confronto firme com a Igreja Católica, mas tão somente com setores mais ortodoxos, o que não indica uma ruptura à essência do Catolicismo medieval. Como quem muda os anéis para preservar os dedos, o Catolicismo medieval redivivo no "espiritismo" brasileiro eliminou o que havia de intolerante e punitivo nas práticas medievais mais típicas.

Duas heranças do Catolicismo medieval observadas no "movimento espírita" e expressas pela "profecia" de Chico Xavier são o Geocentrismo e a Doutrina do Povo Escolhido, dois elementos latentes na "encantadora visão" do Brasil como "coração do mundo e pátria do Evangelho".

As duas ideias do Catolicismo medieval teriam sido adaptações de uma crença do judaísmo, que via em Israel a Terra Prometida e o povo hebreu como o Povo Escolhido. Essas adaptações pelo Catolicismo do Império Romano, já no período da Idade Média, conduziram a sua supremacia religiosa e política, baseada no seu poder concentrado e punitivo.

Dessa feita, o Catolicismo medieval via na Terra o planeta central de todo o universo, tese que foi conhecida como Geocentrismo e que tentou ser combatida pelo cientista Galileu Galilei, que por seus estudos revelou que a Terra era apenas um planeta dentro do Sistema Solar, por sua vez uma galáxia entre milhares de outras no Universo.

O Povo Escolhido, conforme o Catolicismo medieval pregava, era o "povo cristão", daí os esforços para combater ou, ao menos, converter os "hereges", num processo que era bastante violento e causou consequências trágicas notáveis.

Adaptando as duas crenças católicas, o "movimento espírita" brasileiro adaptou o Geocentrismo à promessa de que o Brasil exerceria em breve a supremacia política no mundo, constituindo numa nova teocracia, de cunho "espírita", destinada a "evangelizar" a humanidade planetária.

O Brasil seria o "centro do mundo", o "coração do mundo" seria também o "centro do universo", conforme se observa nas perspectivas divulgadas nos meios "espíritas", longe das despretensões geográficas de Allan Kardec, que nunca se preocupou em tamanhas predições.

A Doutrina do Povo Escolhido, segundo o "movimento espírita", seria o brasileiro, supostamente afeito a exercer a vanguarda da espiritualidade, algo inexplicável diante do atual quadro catastrófico de imbecilização cultural e um preocupante caos social, diante de uma crise generalizada, e isso a quatro anos da tal "data-limite".

Explicar como se dará a supremacia brasileira é difícil para os "espíritas" brasileiros, que preferem justificar as coisas pela "esperança da fé", já que não existem, hoje, condições para que se haja a tão prometida ascensão de uma grande geração de grandes cientistas, artistas e intelectuais. Eles até existem, mas nem visibilidade eles conseguem ter para tal missão.

O aspecto perigoso da Doutrina do Povo Escolhido - que nos EUA teve como equivalente a Doutrina do Destino Manifesto, ideologia que inspirou seu imperialismo - é que a supremacia brasileira, como toda supremacia nacional, pode revelar um perigoso domínio político-religioso, e não é por ser o nosso país que iremos ficar felizes com essa supremacia.

Infelizmente, alertar esse perigo só causa raiva e indignação aos adeptos de Chico Xavier, que preferem que a supremacia brasileira seja vista como "algo positivo". Mas já vimos outros exemplos similares e o grande temor é que o Brasil, sem resolver seus próprios problemas, se torne uma nação prepotente e tirânica, concentrando seu poder por todo o planeta.

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