quarta-feira, 31 de dezembro de 2014
Para que interessam os sonhos de Chico Xavier?
Seria ridículo se não fosse a habilidade de certos contextos, num país como o Brasil, seletivo com os méritos e desméritos de acordo com o status de cada pessoa, mede os atos não pelos mesmos em si, mas pela reputação de quem pratica ou deixa de praticar.
Chico Xavier foi um dos beneficiários desse status seletivo. Não por acaso, é o mesmo país em que uma Letícia Sabatella ganha a simpatia da sociedade quando está bebum. Os erros são condenados ou exaltados dependendo do status de alguém. Se Luana Piovani estivesse no lugar de Letícia, não teria deitaço nem tuitaço nem feicebucaço em solidariedade.
Chico teve uns sonhos banais, que foram superestimados. Astro da FEB, Chico não só foi o popstar do "espiritismo à brasileira" como foi alçado, pelo marketing da instituição, a um dublê de filósofo e consultor sentimental que as pessoas adoram evocar, 12 anos após a morte do anti-médium, em memes e frases publicadas nas mídias sociais.
E não foi só isso. Chico Xavier passou a ser status de profeta, psicólogo, cientista, sociólogo, detentor da verdade e até mesmo, se alguém quiser, vice-Deus, espécie de vice-líder do universo a dotar de todos os segredos da humanidade e ter a fórmula pronta para o progresso dos seres humanos.
Tais supostas qualidades foram gratuitamente atribuídas, sem muito esforço e sem mesmo que tais méritos realmente tenham sido parte da personalidade de Xavier. É duvidoso que ele tenha tido tais qualidades, na verdade fruto da idealização dos marqueteiros da FEB e do sentimentalismo fácil de seus seguidores.
Em boa parte, essas supostas qualidades teriam sido facilitadas pela interpretação, entre sensacionalista, pedante e supostamente profética, de seus sonhos, coisas banais, que pessoas têm em suas horas de sono e que são meramente relacionadas com suas aflições, projetos, anseios ou meras opiniões pessoais. Nada de profético ou de revolucionário.
No entanto, Francisco Cândido Xavier é um daqueles que obtém status alto por representar estereótipos ideológicos que envolvem valores tradicionais ligados à simplicidade interiorana, ao contraste mitológico entre ignorância e sabedoria, e de estigmas associados tanto às imagens de caipria simpático como de velhinho bondoso.
Beneficiado por personificar bem tais estereótipos, e tornado veículo para as manobras pedantes da Federação "Espírita" Brasileira e seu pseudo-cientificismo, Chico Xavier, sem qualquer habilidade especial, teve um simples sonho mortal transformado em profecia que virou livro e depois documentário.
Por que ele? Se fosse o Zé da Padaria sonhando a mesma coisa, isso não repercutiria. Mas sendo Chico Xavier, vira "profecia" e "previsão", provavelmente passível de "reinterpretações" e supostos debates do mundo espiritual, se caso as "valiosas previsões" do velho Chico falharem.
Da mesma forma, sonhar com Humberto de Campos não necessariamente autoriza Chico a usar seu nome. Muitos mortais sonham com seus ídolos e ninguém vai sair por aí escrevendo livro usando o nome do ilustre admirado . Imagine o Zezinho do Skate escrever livros com autoria supostamente atribuída a Kurt Cobain só porque o moleque sonhou com o falecido músico?
Mas Chico Xavier sonhou com Humberto de Campos e passou a usar o nome dele. E, mesmo quando teve que abandonar o nome para evitar "novos dissabores" (processos judiciais), continuou se valendo do mesmo ao adotar como codinome um apelido do mesmo estilo de um pseudônimo do autor maranhense (Conselheiro XX), virando Irmão X.
E o que interessam tais sonhos? Eles nada têm de especial. E mesmo famosos sonham todo dia, entre coisas banais e outras supostamente especiais e ninguém fica dando palpite sobre o que acontecerá com a humanidade daqui a 40, 50 anos.
Nem os piores astrologos ou videntes teriam tal pretensão. Alguns se arriscam a fazer previsões para anos vindouros ou a calcular mapas astrais e posições astronômicas, entre alguns critérios esotéricos e místicos, mas de alguma forma organizados, para darem suas apostas sobre o que será a humanidade ou, ao menos, a vida de alguém, para daqui a doze meses.
Já Chico Xavier tornou-se "superior" porque sonhou alguma coisa, de forma caótica e nebulosa como muitos dos sonhos dormidos, dos quais as memórias se tornam precárias e vagas. E aí elas viraram "profecias" com um pretensiosismo ainda maior do que muitas previsões de videntes, astrólogos e pais-de-santos para o próximo ano.
Tudo porque Chico Xavier é bonzinho e escreve "palavras de amor" que alegram muita gente. O idealismo sentimentalista de qualquer um, capaz de projetar no objeto de suas paixões qualidades que este não possui, permite que Chico seja elevado a "profeta sério" e "cientista" para prever "coisas urgentes" para a humanidade futura, como um Nostradamus dos trópicos.
E isto tudo sem cálculos, sem critérios nem fórmulas. Só um sonho. Foi ele acompanhar uma conversa entre um caricato Jesus ao lado de Emmanuel e outros "espíritos puros" - um bando de desocupados, diga-se de passagem - num sonho qualquer, e de repente os destinos da Terra, seja do Brasil, seja do Primeiro Mundo, estão em função desse mero sonho.
O que o status de alguém pode fazer. Faz parte. Letícia Sabatella foi concebida pela "graça divina" de fazer o papel da mãe de Chico Xavier no cinema. Foi ela exagerar na vodca e todo mundo lhe dando apoio. Afinal, depois de um pileque, todo mundo vai colocar as "frases lindas" de Chico Xavier no Facebook, felizes na libertinagem que fazem no "coração do mundo".
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