sexta-feira, 19 de dezembro de 2014
Chico Xavier e o medo de assumir seu Roustanguismo
Suely Caldas Schubert, com seu livro Testemunhos de Chico Xavier, queria prestar uma homenagem ao anti-médium mineiro com uma publicação que mostrasse suas cartas para o então presidente da Federação "Espírita" Brasileira, Antônio Wantuil de Freitas.
No entanto, ela acabou, por acidente, revelando os bastidores do "movimento espírita" e, mesmo sem querer, acabou oferecendo munição para os opositores, o que faz do livro, ironicamente, um importante documento de investigação sobre as irregularidades do "movimento espírita", em que pese ser uma aparente e assumida propaganda de Francisco Cândido Xavier.
Um dos aspectos curiosos é o medo que Chico sentia em assumir a influência de Jean-Baptiste Roustaing, o neo-católico que produziu Os Quatro Evangelhos. Muito querido pelo "movimento espírita" brasileiro até que viessem as campanhas de gente como Herculano Pires e Carlos Imbassahy (o pai), Roustaing depois passou a ser "desprezado" pelos antigos partidários.
É claro, houve um trabalho de prevenção. Chico Xavier, já na década de 1930, estava associado a vários livros que adaptaram o roustanguismo ao contexto brasileiro, tirando pontos excessivamente controversos, como as teses do "Jesus fluídico" e da "reencarnação em seres irracionais".
Com isso, o roustanguismo poderia ter deixado sua herança no "movimento espírita" sem que precise ser evocado. No momento oportuno, quando o roustanguismo causava péssima repercussão, ele seria descartado, já que Chico já havia adaptado o "melhor de Roustaing" em sua obra, criou-se um roustanguismo revisto e ampliado num contexto bem brasileiro.
Já nos anos 1940, Roustaing já era problemático para a FEB. As campanhas contra ele só viriam depois, quando, tendenciosamente, surgiriam mensagens atribuídas a Adolfo Bezerra de Menezes, que havia introduzido Roustaing no Brasil, pedindo para o "movimento espírita" manter-se "fiel" a Allan Kardec, uma badalada "conversa para boi dormir".
Mas isso ocorreu a partir de 1963, com o acirramento da campanha dos opositores de Roustaing. E nós estamos em 25 de março de 1947, data de uma carta que Chico enviou a Wantuil, numa atitude tragicômica de expressar seu medo diante das acusações de seguir o roustanguismo. Eis o texto:
"(...) Li a carta que o Mundo Espírita publicou. Encomendemo-nos à Misericórdia Divina. Também, como tu, pedi ao Ismael nada responder. Seria muito triste 'lançar gasolina nesse fogo'. Há casos em que todo comentário é difícil. Por minha vez, estranho o que ocorre, de tal modo que só vejo uma saída: Levar o coração em silêncio para a casa da prece.
Não te incomodes com a declaração havida de que o trecho alusivo a Roustaing, em Brasil (Coração do Mundo, Pátria do Evangelho), foi colocado pela Federação. Quando descobrirem que a casa de Ismael seria incapaz disso, dirão que fui eu. De qualquer modo, eles falarão. O adversário tem sempre um bom trabalho - o de estimular e melhorar tudo, quando estamos voltados para o bem".
Omissão atrás de omissão. Chico Xavier isenta a FEB de ter "colocado" Roustaing no referido livro. Logo a FEB, que nasceu sob a influência de Roustaing. Chico atribui à instituição, portanto, uma "incapacidade" que não faz sentido, e cogita que o anti-médium é que seria acusado da inclusão do autor de Os Quatro Evangelhos em Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.
Chico, então, age com covardia diante da tristeza de estar associado a Jean-Baptiste Roustaing, citado como "João Batista Roustaing" no livro ufanista. Não há uma menção ao suposto autor espiritual, Humberto de Campos, na referida carta, o que dá indício do caráter duvidoso de tal atribuição.
Chico, triste e medroso por simplesmente ser considerado vinculado ao roustanguismo - o movimento que trazia tanto orgulho ao "movimento espírita" mas é visto com "vergonha" por Chico e, a julgar pelo conteúdo da carta, pelo roustanguista Wantuil - , preferiu "levar o coração em silêncio para a casa da prece".
Suely também se "assustou" com a citação de Roustaing, tratando com o mesmo tom "catastrófico" e o mesmo tom chorosamente infantil de Chico Xavier. Ela, então, escreveu que Chico não era "um mineirinho do interior, ingênuo e desprevenido", nem um "ingênuo caboclinho", como citou em várias passagens do capítulo, mas "uma pessoa pura de intenções, pura nos seus ideais e na sua fé", "um autêntico missionário" e "continuador" da Doutrina Espírita.
A declaração é uma demontração de falta de firmeza de Chico Xavier, vista pelos seus partidários como "coragem" e "perseverança", dentro da visão de contrastes em que "o silêncio fala", "o ignorante é sábio", "o pobre é rico", "o fraco é forte", que seduz muitas pessoas dentro dos clichês diversos que cercam o mito do anti-médium mineiro.
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