Uma pesquisa quanto ao texto atribuído a Humberto de Campos, divulgado em 15 de julho de 1944 e publicado no livro do advogado da FEB, Miguel Timponi, A Psicografia Ante os Tribunais, revelou que o texto não foi escrito pelo escritor maranhense, já que o mesmo escapava do estilo original do autor a que ele era atribuído.
Foi feita uma análise de discurso, confrontando estilos de linguagem, e apresentaremos aqui as provas de como o referido texto divulgado por Francisco Cândido Xavier, como uma suposta "resposta de Humberto de Campos" às polêmicas em torno de sua autoria, e o que surpreende é que o texto nada tem a ver com o estilo de Humberto em momento algum.
Por outro lado, o texto mostra estilos caraterísticos tanto do então presidente da Federação "Espírita" Brasileira, Antônio Wantuil de Freitas, de linguagem ao mesmo tempo burocrática, pseudo-científica e eventualmente agressiva, quanto de Chico Xavier, famoso por suas dóceis palavras de pregação religiosa e argumentações chorosas.
Procuramos aqui dar algumas amostras de como o texto atribuído a Humberto de Campos "espírito" não foi feito por ele, pelo conteúdo da mensagem. A isso, recorremos a amostras de uma obra que Humberto publicou em vida e fragmentos das escritas de Wantuil e Chico como forma de reforçar a nossa pesquisa.
Antes de recorrermos à análise do texto, vamos então às amostras. Primeiro, um capítulo do livro O Brasil Anedótico, que Humberto publicou em 1927. Segundo, um fragmento do livro Síntese de O Novo Testamento, que Wantuil lançou em 1949 sob o pseudônimo de Minimus (na época enigmático). Terceiro, frases de Chico Xavier colhidas na Internet.
A conclusão é chocante, para os partidários de Chico Xavier, e indica a apropriação indébita que o anti-médium mineiro fez do escritor maranhense, falecido em 1934, e tendo sido um grande sucesso literário entre as décadas de 1920 e 1930. E demonstram o quanto o texto surpreende pelas semelhanças de estilo não com o de Humberto em vida, mas com os de Chico e Wantuil.
O ORGULHO DE UM GÊNIO
Humberto de Campos - Carvalhos e Roseiras pág. 63
Joaquim Gomes de Sousa, o genial brasileiro, que, aos trinta anos, resumia todo o saber do seu tempo, era profundíssimo em tudo, principalmente em matemática. Na Câmara, discutia todas as matérias. Certo dia, ao apartear um deputado que discursava sobre finanças o orador retrucou veementemente:
- O assunto em discussão não é da especialidade de V. Ex.!
E Gomes de Sousa, logo, de pé, com todo o fogo do seu orgulho:
- É por isso mesmo que eu o discuto com V. Ex. Se se tratasse de assunto de minha especialidade eu não admitiria V. Ex. à discussão.
Segue-se agora uma amostra do estilo do então presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, que em 1949, usando o enigmático pseudônimo Minimus - do qual, originalmente, não se deu qualquer esclarecimento - , no trecho extraído do livro Síntese de O Novo Testamento:
"(...)Supuséramos sempre como impossíveis de concatenação adequada: a mente prática de Mateus, a descritiva, de Marcos, a artística, de Lucas, e a divina, de João. (...) O Novo Testamento, revelação divina por instrumentos humanos, quais o foram os seus autores, apresenta-nos muitos degraus de revelação e conhecimento, somente acessíveis pela evolução com o tempo ou pela iluminação com o esforço próprio; uma só LUZ — por filtros diversos".
Agora vamos mostrar uma amostra do estilo de escrever de Chico Xavier ele mesmo, sempre se valendo de promover o conformismo e traduzir o conservadorismo da moral religiosa em palavras dóceis e meigas, que são usadas por internautas nas mídias sociais. Algumas amostras:
"A sabedoria superior tolera, a inferior julga; a superior perdoa, a inferior condena. Tem coisas que o coração só fala para quem sabe escutar!"
"Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim".
"Que eu não perca a vontade de doar este enorme amor que existe em meu coração, mesmo sabendo que muitas vezes ele será submetidoa provas e até rejeitado".
"Se o momento é de crise, não te perturbes, segue... Serve e ora, esperando que suceda o melhor. Queixas, gritos e mágoas são golpes em ti mesmo. Silencia e abençoa, a verdade tem voz".
Agora, vamos mostrar, em parágrafos separados, a análise do texto atribuído a Humberto de Campos divulgado por Chico Xavier em 15 de julho de 1944.
"Não desconheço minha pesada responsabilidade moral, no momento quando o sensacionalismo abre torrente de amargura em torno de minh'alma".
Este trecho se identifica plenamente com o estilo de escrever de Chico Xavier, com a semelhança explícita das frases que o anti-médium mineiro tanto lançou, estando algumas acima para você mesmo, leitor, comparar.
"Recebeu-me a Federação Espírita Brasileira, generosamente, em seus labores evangélicos, publicou-me as páginas singelas de noticiarista desencarnado, concedendo-me o ingresso na Academia da Espiritualidade. E continuei conversando com os desesperados de todos os matizes, voluntariamente, como o hóspede interessado em valer-se da casa acolhedora".
Embora seja uma argumentação combinada entre Chico e Wantuil, observa-se que a redação final do referido parágrafo se remete mais a Wantuil, até por estar puxado a uma retórica pretensamente científica e linguagem tipicamente editorial, como é de praxe de um chefe de uma instituição.
"Eis, porém, que comparecem meus filhos diante da justiça, reclamando uma sentença declaratória. Querem saber, por intermédio do Direito Humano, se eu sou eu mesmo, como se as leis terrestres, respeitabilíssimas embora, pudessem substituir os olhos do coração. Abre-se o mecanismo processual, e o escândalo jornalístico acende a fogueira da opinião pública. Exigem meus filhos a minha patente literária e, para isso, recorrem à petição judicial. Não precisavam, todavia, movimentar o exército dos parágrafos e atormentar o cérebro dos juízes. Que é semelhante reclamação para quem já lhes deu a vida da sua vida? Que é um nome, simples ajuntamento de sílabas, sem maior significação? Ninguém conhece, na Terra, os nomes dos elevados cooperadores de Deus, que sustentam as leis universais; entretanto são elas executadas sem esquecimento de um til".
Neste trecho, em que um pretenso "Humberto de Campos" pateticamente desvaloriza sua necessidade de provar a patente literária exigida pelos herdeiros do escritor maranhense, combina-se o sentimentalismo de Chico Xavier e uma argumentação agressiva e falsamente científica de Wantuil, que também teria escrito a redação final do texto, em que pese algumas palavras tipicamente xavierianas.
A argumentação é patética e hipócrita, uma vez que soa muito estranho que um autor se permita omitir-se de responsabilidade autoral, desafiando a lógica das coisas e dos fatos em nome dos "olhos do coração" e acusando a cobertura do processo movido contra Chico e a FEB de "escândalo jornalístico" que acende a "fogueira da opinião pública". O estranho "Humberto" permite-se proteger em um pretenso anonimato para fazer valer sua "mensagem".
"Na paz do anonimato, realizam-se os mais belos e os mais nobres serviços humanos."
Frase escancaradamente escrita por Chico Xavier, e desta vez somente ele, sendo absolutamente idêntica às frases que os internautas adoram mostrar nas mídias sociais, sobretudo Facebook.
"Quero, porém, salientar, nesta resposta simples, que meus filhos não moveram semelhante ação por perversidade ou má-fé. Conheço-lhes as reservas infinitas de afeto e sei pesar o quilate do ouro da carinhosa admiração que consagram ao pai amigo, distanciado do mundo. Mas que paisagem florida, em meio do mato inculto, estará isenta da serpe venenosa e cruel? É por isto que não observo esse problema triste, como o fariseu orgulhoso, e sim como o publicano humilhado, pedindo a bênção de Deus para a humana incompreensão".
Uma típica frase de duplo sentido. O estranho "Humberto" parece demonstrar afeição a sua família, mas também venenosa desconfiança, quando alude a presença de "serpe venenosa e cruel" numa "paisagem florida em meio do mato inculto". Pois aqui quem destila o seu veneno é o suposto espírito, bem no famoso ato de "morde e assopra", em que primeiro demonstra afeição a seus familiares, desmentindo perversidade e má-fé de sua ação judicial, mas depois suspeitando de intenções maldosas por trás desse processo, para em seguida dizer que não observa esse "problema triste" como "fariseu orgulhoso" e "sim como o publicano humilhado".
Diante desse parágrafo confuso, traiçoeiro e contraditório, observa-se algumas argumentações sentimentais típicas de Chico Xavier, mas os trechos ferinos indicam a contribuição de Wantuil, que parece ter escrito a redação final.
"Diante, pois, do complicado problema em curso, ajoelho-me no altar da fé, rogando a Jesus inspire os dignos juízes de minha causa, para que façam cessar o escândalo, em torno do meu Espírito, considerando que o próprio Salomão funcionasse nessa causa, ao encarar as dificuldades do assunto, teria, talvez, de imitar o gesto de Pilatos, lavando as mãos".
Esse parágrafo tem muito mais a cara de Chico Xavier, prevalecendo o seu estilo de analisar os problemas, usando principalmente desculpas típicas, como "ajoelho-me no altar da fé, rogando a Jesus inspire os dignos juízes de minha causa", bem típica do anti-médium mineiro. O religiosismo extremo, a choradeira das palavras dóceis, o parágrafo é escancaradamente de Chico Xavier.
Com isso, concluímos, com as provas apresentadas, que Humberto de Campos não escreveu o referido texto, uma vez que ele claramente expressa os estilos combinados de Chico Xavier e de Antônio Wantuil, não o do escritor maranhense. A análise cuidadosa de conteúdo mostra isso, pela maneira com que se organizam as frases e os argumentos.
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