sexta-feira, 27 de outubro de 2017
"Espiritismo" reduziu-se a uma "farinata" religiosa
O "espiritismo" brasileiro disse a que veio quando um de seus maiores ídolos religiosos, o "médium" Divaldo Franco, apoiou a "ração humana" de João Dória Jr., episódio que deve repercutir mesmo sob o silêncio absoluto da imprensa (até da de esquerda). E mostra que a própria doutrina brasileira, cada vez mais afastada dos postulados originais, reduziu-se hoje a uma farinata religiosa.
O "espiritismo" brasileiro vive sua grande erosão doutrinária, rebaixando-se a um engodo que mistura diversas crenças místicas e esotéricas de gosto duvidoso ou na forma de arremedos. Hoje o que vemos é, nas suas bases, um mero receituário moral conservador, práticas de Assistencialismo (caridade de resultados pouco expressivos) e igrejismo.
No conjunto da obra, o "espiritismo" brasileiro tornou-se um clone do Catolicismo, o que é risível. Afinal, se temos a Igreja Católica, para que outra Igreja Católica? O "espiritismo" virou, assim, um sub-Catolicismo "de chinelos", nos quais seus devotos são autorizados a acreditar em Astrologia e são dispensados de formalidades como os sacerdotes (no caso os "médiuns") usarem batina e as pessoas fazerem ginástica do senta-e-levanta das missas (no caso as "reuniões doutrinárias").
Isso não quer dizer que, ideologicamente, o "espiritismo" virou progressista ou moderno, com tais licenciosidades. Muito pelo contrário. Se o "espiritismo" brasileiro dispensou batinas, ginástica nas missas e decoração de ouro nas igrejas ("centros espíritas"), seu conteúdo moral é extremamente conservador, aproveitando do que o Catolicismo jogou fora, como a Teologia do Sofrimento.
A "farinata" religiosa com que se reduziu o "espiritismo" brasileiro vive de restos. Vive dos restos descartados pelo Catolicismo, de conceitos genéricos a crenças e filosofias orientais (sobretudo Índia e China), de elementos de Astrologia, Psicologia, e até mesmo de terapia familiar, sem que haja uma necessidade real de ser fiel aos postulados kardecianos originais, apesar do disse-me-disse apelar para este sentido.
Daí a sintonia de Divaldo Franco a um político conservador como João Dória Jr. e que está em decadência vertiginosa. Essa sintonia já diz muito sobre a decadência do "espiritismo" igrejeiro que prevalece desde os primórdios da FEB. E a "farinata" do prefeito de São Paulo, projeto de alimento feito com restos de comida de procedência e valor nutricional duvidosos, também diz muito sobre o que é o "espiritismo" praticado no Brasil, mas já exportado para Portugal, Espanha e França.
Desde que a "mediunidade" resultou num processo fraudulento no qual os "médiuns" inventavam mensagem da própria mente, parodiando o morto de sua escolha, e faziam mershandising religioso para evitar desconfiança, o "espiritismo" caiu seriamente de conceito e se encontra no plano mais baixo das religiões, até abaixo das retrógradas seitas neopentecostais.
Isso porque, por mais que seitas que têm como pregadores maiores nomes como Edir Macedo, Silas Malafaia, Marco Feliciano, Valdemiro Santiago e R. R. Soares, defende a permanência e supremacia de pautas sociais antiquadas e obsoletas e é capaz de apoiar políticos como Jair Bolsonaro, pelo menos, com todos os defeitos preocupantes que essas seitas apresentam, elas possuem vantagem entre os "espíritas": não vivem de dissimulação nem de desonestidade doutrinária.
Os "espíritas" deturpam o legado de Allan Kardec - de forma agravante, se percebermos que o pedagogo francês penou para lançar e divulgar seus postulados - e dizem dele seguir "fidelidade absoluta" e cumprir "rigoroso respeito". Balelas. O que se observa é um igrejismo, um moralismo familiar retrógrado, um esoterismo falsamente científico, uma gororoba doutrinária cheia de palavras dóceis e apelos piegas.
O mais grave é que o "espiritismo", que se diz "ecumênico", também se transforma numa "torre de Babel" que alimenta o arrivismo de palestrantes e "médiuns". O que piora ainda mais as coisas, que já estão bem piores, é que cada palestrante ou "médium" pensa o que quer, crê no que quer, mas isso não é feito no sentido da liberdade de crença, mas na descaraterização de uma doutrina e no choque de abordagens diversas que mancha ainda mais o já desfigurado "espiritismo" brasileiro.
Tem palestrante que admite virtudes em Jean-Baptiste Roustaing, outro que acha o sobrenome Roustaing um palavrão, tem palestrante defendendo a Teologia do Sofrimento, outro defendendo a Teologia da Prosperidade (meritocracia religiosa) dos neopentecostais. Tem gente que acredita na "profecia da data-limite" de Francisco Cândido Xavier, tem gente que acha isso ridículo e tem gente que trata Chico Xavier como um deus e outro que diz que ele é "só um homem simples e bom".
Isso tudo criou uma bagunça doutrinária que hoje vemos. E a coisa ainda chega ao nível deplorável dos "espíritas" não aceitarem críticas, reivindicarem a posse da verdade até quando tentam dizer que "ninguém é dono da verdade". Querem a privatização da bondade humana, como uma franquia na qual "todos podem obter" mas cujo vínculo ideológico tenha que estar associado aos "médiuns espíritas".
O choque de abordagens diferentes, o igrejismo rumando para valores medievais, a erosão doutrinária na qual a quase totalidade das atividades "espíritas" nada têm a ver com o Espiritismo, tendo mais receituário moralista, predições esotéricas, atrações musicais cafonas, tudo isso permitido porque a doutrina reduziu-se a um "vale tudo" ideológico, que só falta formalizar o divórcio com as bases de Kardec, pois na prática esse divórcio já foi, há muito, declarado.
E assim vemos o "espiritismo" brasileiro alinhado a João Dória Jr.. A exemplo deste, o "espiritismo" tornou-se ideologicamente conservador, se moldando para ser o Catolicismo jesuíta e medieval redivivo, atualizando a velha religião que dominou e oprimiu os brasileiros no período colonial.
Quanto à "farinata", o "espiritismo" de hoje não é mais do que uma combinação de restos que vão de velhos conceitos descartados pela Igreja Católica, arremedos de crenças orientais, Astrologia, terapia familiar conservadora e auto-ajuda convencional. Depois seus membros tentam jurar de pés juntos que são "rigorosamente fiéis" ao legado original de Allan Kardec.
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