domingo, 28 de maio de 2017

Como a religião "espírita" mascara os preconceitos sociais

SERÁ QUE UM "ESPÍRITA" TERIA CORAGEM DE DEFINIR AS PESSOAS DESSA ILUSTRAÇÃO COMO "FELIZES" OU ATRIBUIRIA A ELES O PAGAMENTO DE "SUPOSTAS DÍVIDAS"?

Juízos de valor, apelos para paciência, supostas predestinações e outros sentimentos e percepções estranhas. Nunca o "espiritismo" brasileiro se mostrou tão moralista e tão desumano, por trás do espetáculo de belas palavras e de todo o aparato de "coisas tão agradáveis" que garante a blindagem absoluta até para seus piores erros.

A religião brasileira, que, embora evoque o nome de Allan Kardec, na prática se afastou completamente de seus ensinamentos, sofre a mais profunda crise de sua trajetória. Os "espíritas" ainda não perceberam essa gravidade e esperam mais uma "retratação" de seus contestadores e que se faça a mesma promessa de usar os próprios "médiuns" deturpadores para recuperar as bases doutrinárias originais. Algo como acreditar que a raposa possa reconstruir um galinheiro.

O caráter moralista do "espiritismo" brasileiro é um dado bastante sombrio por trás de toda a fachada que encanta a todos. Na "embalagem", o "espiritismo" se apresenta como religião "consoladora", marcada pela "simplicidade" e pelo "despretensiosismo", um movimento "ecumênico" que, em tese, "acolhe todas as crenças" e uma doutrina "espiritualista" que acredita na "vida após a morte" e cuja atividade principal é a "filantropia".

No conteúdo, porém, o que se vê é uma religião medieval e perversa, na qual supostos médiuns vivem do culto à personalidade e usurpam os mortos de sua escolha, "falando" por eles. Quase nunca se recebe das mensagens do além-túmulo, pois muito provavelmente os espíritos falecidos se afastam de supostos porta-vozes que, fora do manto da matéria e das impressões terrenas, por não confiar nos "médiuns" que demonstram se autopromoverem com a usurpação dos nomes dos mortos.

Aqui na vida terrena, em que as pessoas estão dominadas pelas sensações narcotizantes das paixões religiosas, os "médiuns espíritas" são pessoas "dedicadas à caridade" e "pensadores luminosos" que certos incautos classificam até como "filósofos".

A eles, aqui na Terra, se atribui o acesso ao céu, no retorno ao mundo espiritual. Mas, lá no mundo espiritual, esses mesmos "médiuns" são vistos sem a bela máscara que fascina tanta gente: lá os "médiuns" são vistos como farsantes, usurpadores, traiçoeiros, oportunistas, mistificadores.

É duro dizer isso aqui na Terra, porque sempre vem a turma do "não é bem assim" para defender os "médiuns", mesmo quando surge alguém dizendo que "é verdade que eles erram, sim". Tenta-se salvar a reputação de um "médium espírita" como o presidente Michel Temer tenta salvar seu mandato, aproveitando uma única vírgula que fosse escrita em seu favor.

Mas a verdade é que existem muitas coisas estranhas por trás do endeusamento aos "médiuns espíritas" e suas tradicionais desculpas, como a "bondade" e as "mensagens de amor". Com um pouco mais de atenção, nota-se que essas "mensagens de amor" nada têm da beleza que se atribui e a chamada "bondade" ou "caridade" se revela uma farsa chamada Assistencialismo.

O Assistencialismo é aquele tipo de "caridade" pontual, que até traz algum benefício, mas ele é pouco e inexpressivo, seja em quantidade ou qualidade. Não é uma ação transformadora e ela não se encoraja a encarar as injustiças sociais profundas, nem de longe ameaçando os privilégios das elites, que geralmente adoram esse tipo de "caridade", que, de maneira hipócrita, definem como "bondade plena e transformadora".

Há muitas estranhezas que fazem o "espiritismo" ser uma religião ainda mais sombria do que as seitas neopentecostais, hoje alvo de críticas imensas até na grande mídia. Mas até pouco tempo atrás, figuras como Silas Malafaia eram poupadas de qualquer crítica, e os neopentecostais eram considerados semi-deuses aos olhos da grande mídia e da opinião pública associada.

O conteúdo moralista expresso em vários conceitos, "próprios" do "espiritismo" brasileiro mas que seriam reprovados sem a menor hesitação por Allan Kardec, apela para coisas sinistras que, no entanto, os brasileiros, até pela sua formação predominantemente conservadora - que existe até em boa parte dos chamados "progressistas" - , aceitam com muita naturalidade.

O juízo de valor quanto a supostas encarnações antigas é um exemplo. O próprio Kardec desaconselhava essa prática, por ela representar riscos gravíssimos de, realimentando vaidades ou vexames antigos, possa criar mais conflitos, confusões e traumas. Mas, infelizmente, essa prática de supor "vidas passadas" é um recreio muito comum entre os "espíritas", envolvendo justamente figuras "acima de qualquer suspeita" como os "médiuns" Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco.

Daí a grande gafe que o "médium" baiano fez atribuindo, de maneira generalizada e na base do "achismo", os refugiados do Oriente Médio de terem sido "tiranos colonizadores". É uma visão de profundo preconceito social que nem mesmo os eventuais terroristas que agem nas áreas da "civilização" podem justificar tamanha abordagem. O que Divaldo disse pode causar sérios danos morais a muitas famílias e lhe render um amargo processo judicial contra o "médium".

Da mesma forma, Chico Xavier perdeu a chance de pôr em prática sua tão alardeada, porém bastante duvidosa, imagem de "misericordioso", "humilde" e "caridoso", quando, no livro Cartas e Crônicas, de 1966, acusou as humildes vítimas do incêndio em um circo de Niterói, cinco anos antes, de terem sido "romanos sanguinários". O juízo de valor é de uma perversidade sem tamanho e casos similares já renderam processos judiciais.

A acusação também remete ao mito do "gado expiatório" que os "espíritas" definem como "resgates coletivos", atribuindo um suposto destino comum a tragédias que envolvem várias pessoas. Uma visão completamente equivocada e discriminatória, além de completamente ilógica, por atribuir até mesmo a grupos de pessoas desconhecidas entre si uma "missão espiritual" supostamente comum, se esquecendo que, se alguém "paga pelo que fez", esse "pagamento" é individual.

O mais grave é que Chico escondeu seu juízo de valor severo usando um duplo pseudônimo: "Humberto de Campos", por falsidade ideológica, e "Irmão X", para se livrar de processos judiciais, lembrando que Chico fez uma armação para seduzir Humberto de Campos Filho em 1957, apelando para os recursos de manipulação Ad Passiones (apelo à emoção) e exibição de Assistencialismo (caridade paliativa, que mais beneficia o "benfeitor" do que o necessitado).

O moralismo do "espiritismo" tem um lado ainda mais sombrio: a adoção dos princípios da Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica. É um efeito natural da "catolicização" do "espiritismo" no Brasil, de raízes fincadas no livro Os Quatro Evangelhos de J. B. Roustaing, que gerou uma inclinação igrejista que vigora até hoje no "movimento espírita".

A Teologia do Sofrimento foi introduzida a partir dos apelos de Chico Xavier, ele mesmo um católico ortodoxo. Essa corrente apela para a aceitação do sofrimento, vendo a vida humana como se fosse uma "competição" ou um "serviço militar". A ideia é "quanto pior, melhor": aceitar desgraças sucessivas, perder o controle do próprio destino e virar um "brinquedo" das adversidades da vida, como um meio de "acelerar" a obtenção de "bênçãos futuras".

Nenhum "espírita" assumiu defender a Teologia do Sofrimento de forma nominal. Mas assumiu pela defesa de ideias próprias dessa corrente, o que é ainda mais grave. E esse moralismo sombrio é também fonte de profundos preconceitos sociais, tal qual o juízo de valor que, de forma generalizada e à revelia da Ciência Espírita, acusa sofredores de terem sido supostos algozes em outras vidas.

A Teologia do Sofrimento "espírita" é uma verdadeira apologia às injustiças sociais e mostra o quanto o "espiritismo" brasileiro é restritivo justamente na sua suposta qualidade que garante a maior blindagem que recebe (da mídia, da Justiça, da comunidade acadêmica, da opinião pública etc), como um "PSDB da religião", se não fosse o inferno astral que hoje sofre o partido político "tucano".

Isso porque o "espiritismo" brasileiro, através dessa abordagem moralista, tanto apela para os sofredores "aguentarem o sofrimento" quanto para "perdoar os algozes nos seus abusos". Ou seja, cria-se uma "fraternidade" hipócrita, na qual os sofredores têm que se contentar com suas desgraças e debilidades, enquanto aceitam, também, que privilegiados vivam longos anos em seus abusos.

Para piorar, o "espiritismo" acredita num processo chamado "fiado espírita", que faz com que pessoas possam praticar maldades ou demais abusos sem que sofressem profundas privações morais, às vezes até sofrendo alguns danos, mas no limite em que se preservem os privilégios e vantagens sociais. A ideia é "errar à vontade" para "pagar por tudo na próxima encarnação".

Os "espíritas", diante disso e diante das aflições dos sofredores, ainda adotam uma postura bastante sádica: a de, eventualmente, perguntarem: "O que é uma aflição de décadas diante da eternidade da verdadeira vida?". Isso revela a completa insensibilidade e desumanidade que está por trás da "linda embalagem" que faz do "espiritismo" a "religião mais querida do Brasil".

Pergunta-se se, nos tempos da escravidão, o tão tido como abolicionista e libertador "espiritismo" brasileiro iria dizer, para escravos castigados com instrumentos de tortura, que eles eram "felizes" e "abençoados" e que a terrível desgraça é uma "brilhante oportunidade" para se preparar para as "bênçãos futuras".

Ou então pergunta-se, de outro modo, se os "espíritas" julgariam os escravos como "pagadores" de uma "oportuna dívida", por terem sido "algozes" em alguma suposta encarnação mais antiga e que, se essa tese fosse verdadeira, provavelmente teria sido superada há anos.

Tanto num caso como em outro, os "espíritas" revelam sua cruel desumanidade, o que nos faz ver o sentido que teve uma pediatra do Mato Grosso em acusar uma menina de sete anos de ser "culpada" pelo estupro que sofreu por ter sido "sensual" em outra vida.

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