quarta-feira, 31 de maio de 2017

"Espiritismo" e o arrivismo no Brasil


O arrivismo é uma prática muito comum na sociedade, mas ela encontra seu terreno mais fértil no Brasil dos últimos tempos. Trata-se de uma prática de ascensão social movida pelo oportunismo na qual a pessoa usa de meios não muito lícitos de promoção pessoal, mas depois que se ascende essa mesma pessoa, sem se arrepender de seus meios de projeção, embarca em outras ondas, não se contentando em ter conquistado o que quis, mas querendo mais e mais.

É a funkeira que, depois de bancar o objeto sexual a ponto de remexer seus glúteos siliconados aos olhos do público da plateia, foi bancar a "militante feminista". Ou do cantor medíocre que fazia pastiches de samba ou música caipira em arranjos convictamente bregas, que num dado momento passa a querer ser "gênio da MPB" sem muito esforço. Ou do jornalista neoliberal que queria ser intelectual de esquerda, ou o radialista pop que queria se aventurar no segmento rock.

São exemplos muito comuns e não podem ser confundidos com exemplos de pessoas que fazem uma coisa, se arrependem e depois fazem outra coisa, ou de pessoas que querem realmente fazer algo diferente. O que se fala aqui são de pessoas que, primeiro, apelam para tudo no seu alpinismo social, para depois caírem de pára-quedas na causa mais arrojada de sua escolha.

O Brasil, movido pela mania de sempre acolher parcialmente as novidades, sacrificando sua essência ao sabor de velhos paradigmas, sempre acolheu os arrivistas, que, beneficiados pela memória curta, podem estar associados a uma causa que nunca defenderam naturalmente, ocultando um passado sombrio de práticas contrárias à respectiva causa e nunca tomadas de verdadeiro remorso.

O próprio "espiritismo" brasileiro foi impulsionado por um arrivista: Francisco Cândido Xavier. Um católico ortodoxo que se dizia paranormal e que se ascendeu através de uma literatura fake, na qual alegava receber obras supostamente de autores já mortos. A farsa, que nunca foi oficialmente reconhecida, é no entanto facilmente identificável, porque as obras "espirituais" apresentavam irregularidades graves quanto aos respectivos estilos dos autores alegados.

Chico Xavier foi o arrivismo em pessoa. No seu alpinismo social, ele se ascendeu através de uma polêmica desnecessária, por ter usurpado autores mortos e, com uma equipe de colaboradores, ter realizado pastiches literários para alimentar sensacionalismo. Não teve escrúpulos de montar plágios literários aqui e ali, e no seu estrelato, subiu os degraus do alpinismo social a ponto de hoje ser considerado um semi-deus entre seus fanáticos seguidores.

Chico Xavier deturpou o Espiritismo em todos os aspectos. Ele virou de cabeça para baixo a função antes discretíssima de médium, que perdeu a função intermediária original para ser dotada de culto à personalidade e alvo da mais mórbida idolatria religiosa.

Doutrinariamente, Chico desfigurou o legado de Allan Kardec, adaptando ao contexto brasileiro as ideias do livro Os Quatro Evangelhos do pioneiro deturpador J. B. Roustaing. Chico fez o que quis com o legado espírita, espalhando todo um igrejismo às custas de muita contradição e inspirando toda uma série de confusões e conflitos dentro do "movimento espírita".

Chico Xavier acabou promovendo a pretensa solidariedade do Bom Senso com o Contrassenso. Misturou ideias coerentes com outras absurdas, tudo em nome dos "ensinamentos cristãos", mas trazendo para o Espiritismo, na sua versão brasileira, práticas que seriam reprovadas sem um pingo de hesitação e com muita firmeza pelos próprios Kardec e Jesus de Nazaré.

E como no Brasil as pessoas gostam de contradição, por confundi-la com "equilíbrio" e "diversidade", o exemplo do anti-médium brasileiro inspirou toda uma série de arrivismos, embora também fosse um reflexo da mania arrivista que se desenvolve no Brasil, onde pessoas de retaguarda social, política, midiática ou cultural arrumam um meio pouco conveniente de ascensão social para depois se apropriarem de qualquer tendência de vanguarda.

Uma rádio que, por sinal, contratou um "médium espírita", José Medrado, a Rádio Metrópole FM, de Salvador, é um exemplo de arrivismo. Ainda sob o nome de Rádio Cidade, a emissora foi um dos veículos midiáticos arrendados pelo então prefeito da capital baiana, Mário Kertèsz, num grave esquema de corrupção em que obras urbanas de grande porte na capital baiana foram paralisadas porque o dinheiro dos cofres públicos federais foi desviado para as contas pessoais dele e seu parceiro Roberto Pinho.

O dinheiro era depositado em empresas "fantasmas", e Kertèsz desviou a parte que seria para as obras para seu patrimônio pessoal, comprando veículos de comunicação diversos. Todavia, ao longo dos tempos, teve que desfazer de parte de seu patrimônio a cada denúncia de corrupção. Em 2000, virou dublê de radialista através da Rádio Metrópole, cujo perfil é de rádio AM, numa ligeira comparação entre a Rádio Globo e a CBN.

Kertèsz é o típico arrivista. Foi prefeito biônico de Salvador numa primeira gestão (o referido esquema de corrupção já veio de uma segunda gestão), nomeado pela ditadura e filiado à ARENA. Depois se filiou ao PMDB e se fantasiou de político progressista, se apropriando dos movimentos sociais para tirar vantagem pessoal das forças de esquerda.

Eventualmente ele tenta se autopromover com o falso apoio ao Partido dos Trabalhadores e à pessoa de Luís Inácio Lula da Silva. Isso coloca a Rádio Metrópole numa postura tendenciosamente "diferente" da grande mídia, apenas por uma questão de conveniências. A título de comparação, Folha de São Paulo, TV Bandeirantes e Isto É também adotaram medidas parecidas e depois se revelaram altamente reacionárias.

O arrivismo revela, no típico caso brasileiro, que pessoas oriundas de tendências reacionárias ou contextos conservadores, mas depois pegam carona em causas de vanguarda - como a funkeira que se formou por paradigmas machistas, mas queria ser "militante feminina" mesmo empinando os glúteos para a plateia e tirando o sarro do estereótipo da "solteira liberada" - não estão aí para aprender, embora tentem alguns artifícios para dar a falsa impressão neste sentido ou acompanhar as conveniências do momento.

O pior é que os arrivistas são como canastrões que bancam os penetras em alguma festa, na qual nunca foram convidados, mas que o jogo de interesses posterior os faz não apenas frequentadores das festas que naturalmente nunca lhes interessariam, mas que em dado momento passam a ser sua obsessão, quando tais festas lhes servem de algum trampolim social. Tais festas podem ter eles como anfitriões, como raposas que de repente passaram a comandar o galinheiro.

Hoje muitos acreditam, por exemplo, que Chico Xavier é um "rigoroso seguidor" de Allan Kardec. Mal conseguem explicar por quê e caem em contradição. No caso de Kertèsz, há quem pense que ele é um "esquerdista nato" e um "combatente da mídia alternativa", algo muito equivocado porque ele apresenta, explicitamente, as mesmas caraterísticas do que especialistas definem como "barão da grande mídia", com todo o seu apetite pelo poder e manipulação da opinião pública.

Mas como, no Brasil, arrivista é surfista da praia alheia, as pessoas ficam impressionadas com certos aventureiros de causas arrojadas que, no fundo, nem de longe estão interessados em defendê-las. Eles querem apenas se vincular a essas causas visando obter vantagens pessoais.

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