terça-feira, 24 de março de 2015

Chico Xavier e o maniqueísmo do "bom" Brasil e do "cruel" Hemisfério Norte

ENCHENTE EM HELSINBORG, NO SUL DA SUÉCIA - Tempestades foram superestimadas pela "profecia" chiquista que via nelas a destruição do Hemisfério Norte.

O que o anti-médium Francisco Cândido Xavier queria com seu sonho "profético" era que o caminho do Brasil se ascendesse "atropelando" o "velho mundo", que seria destruído pela "Mãe Natureza", que daria uma ajudinha à nação sul-americana para chegar ao poder geopolítico mundial assim "no mole".

Chico Xavier exagerava na menção de casos isolados e tentava afirmar que eles eram o "prenúncio" de que uma onda de catástrofes tornaria o Hemisfério Norte inabitável. Uma enchente atingindo apenas uma determinada zona costeira, uma decisão política de uns três países, um ataque terrorista em uma capital europeia, e por aí vai.

Dependendo da interpretação, até um simples atentado de fundamentalistas islâmicos em Paris, como o que matou, entre outras vítimas, uma equipe de jornalistas e chargistas do periódico Charlie Hebdo, ou o misterioso assassinato de um opositor do presidente russo Vladimir Putin, já é desculpa para a "profecia" deixada por Chico Xavier clamar a fúria da natureza contra os "irmãos do norte".

A "maravilhosa previsão" teria, assim, um caráter maniqueísta, bem ao nível dos contos de fadas, aqui mesclados com narrativa de ficção científica, cinema catástrofe e dramas de guerras. De um lado, o "malvado" mundo antigo, em boa parte desenvolvido, de outro, o "bondoso" Brasil, ainda novinho, país criança que só agora começa a conhecer seus piores impasses.

No conto-de-fadas de Chico Xavier, que os incautos definem como "profecia séria" de "urgentes" implicações "científicas", o Hemisfério Norte tinha que se comportar direitinho senão seria castigado por explosões vulcânicas, terremotos, maremotos, furacões e enchentes, tudo "de grandes proporções".

Em compensação, o Brasil, o "bom aluno" da teocracia planetária e considerado o "país mais cristão" do mundo, se elevará diante da ruína do "velho mundo", porque tem uma bela paisagem e um mito de nação alegre e hospitaleira, além de uma religiosidade forte e convicta.

ÓDIO À CIÊNCIA E AO RACIOCÍNIO LÓGICO

Com essa interpretação, Chico Xavier demonstra seu ódio à ciência e ao raciocínio lógico, que entre tantas coisas demonstra seu profundo e surdo desprezo por Allan Kardec, reduzido a um nome a lhe receber falsos elogios e bajulações tendenciosas.

O que ele rogou em sua "profecia", na verdade uma interpretação tendenciosa de um sonho - que os "espíritas" de uma forma pedante definem como "desdobramento espiritual" - , era a destruição de um mundo marcado pelo aprimoramento do conhecimento e da técnica e a ascenção de uma nação problemática e confusa, mas em dia com a expressão da fé religiosa.

Chico Xavier era um caipira, adorador de santos, que se sentia seduzido por mortos precoces (ele pensava como seria alguém morrer antes dos 60 anos, idade considerada "marco inicial" da Terceira Idade, pelo menos até uns dez anos atrás), com sua visão entre provinciana e surreal de interiorano mineiro.

Como um sujeito desses pode se julgar acima da ciência, dos debates políticos, acima de qualquer coisa é coisa que nem o fanatismo de seus seguidores é capaz de explicar. Aliás, seus seguidores são os primeiros a terem essa incapacidade de explicar por que Chico Xavier é considerado o único indivíduo na Terra que pôde estar acima de tudo e de todos, talvez até acima de Jesus.

A culpa não é nossa. Há uma torcida, entre os "espíritas", que diz que Chico Xavier é "mais importante" que Jesus. Este era apenas o "ingênuo mestre" (?!) que não sabia onde ficava a futura nação-guia da humanidade, e foi orientado por um tal de Helil da localização do Brasil através da constelação do Cruzeiro do Sul.

É evidente que a ideia do Brasil como "coração do mundo" e "pátria do Evangelho" era uma grande obsessão de Chico Xavier desde 1932, tema de livro de 1938 atribuído a Humberto de Campos, e o sonho não foge a esse desejo de Chico que só foi popularmente aceito porque se encaixa num ufanismo, numa patriotada há muito difundida pelo poder midiático dominante.

As pessoas não conseguem raciocinar que o que está por trás dessa conversa de "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" é a construção de uma teocracia nos moldes do antigo Império Romano / Império Bizantino, de uma volta à Idade Média às custas de mais uma destruição de regiões que se esforçavam em promover o progresso social, científico, cultural e tecnológico.

Chico Xavier, com o seu "bondoso" cinismo, ainda teve o descaramento de dizer, para Geraldo Lemos Neto que a partir de 1986 divulgou a conversa realizada em 1969, que o mundo, depois da destruição do Hemisfério Norte, demoraria muitos anos para se "reconstruir".

Claro, para um caipira católico, tanto faz se muitas das realizações feitas trabalhosamente pelo "velho mundo" se reduzam a pó, de maneira ainda mais dura que as lições e produções artísticas, intelectuais e científicas da Grécia e Roma Antigas que se perderam e ficaram inacessíveis aos nossos dias.

Para Chico, o que vale é apenas aquele conformismo "bonzinho", como se o mundo inteiro tivesse que adotar a atitude "bovina" e rural de aceitar os desígnios do "alto" - pouco importando se o "alto" se chama Deus, Ronaldo Caiado, Roberto Marinho, Luciano Huck, Jaime Lerner, Mr. Catra, Galvão Bueno, Carlos Eduardo Miranda ou Eduardo Paes - , mesmo durante o pior dos sofrimentos.

A noção de destruição e reconstrução de Chico Xavier é tão precisa quanto a derrubada e reposição de peças do brinquedo Meu Pequeno Construtor. O que é o raciocínio lógico para um caipira católico e conservador senão um monte de frescuras de homens que "pensam demais"?

Por isso o maniqueísmo da profecia da "Data-Limite". Um Brasil provinciano, confuso, irregular, desigual, subdesenvolvido, caótico e à beira de um ataque de nervos será promovido à nação que vai promover e guiar a evolução humanitária na Terra.

A título de didatismo: imaginem se alguém nomear um adolescente estudante de ensino médio, delinquente temperamental e sub-escolarizado por um sistema educacional deficiente, para ser professor de um curso de pós-doutorado numa das melhores universidades do mundo? É o Brasil fraturado que Chico Xavier sonhou tanto que iria comandar o mundo.

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