segunda-feira, 12 de junho de 2017
Quando os "espíritas" descobrem que são roustanguistas
A "fase dúbia" do "espiritismo" brasileiro criou uma situação bastante insossa. Professando um estranho "roustanguismo com Allan Kardec", a doutrina igrejeira brasileira praticamente escondeu o nome de Jean-Baptiste Roustaing no armário, de forma a fazer com que o nome do autor de Os Quatro Evangelhos se tornasse um desconhecido pelos próprios adeptos e até por parte de seus palestrantes.
Mas todo o ideário roustanguista está preservado, com a exceção de dois pontos controversos: a ideia do Jesus "fluídico", que desmente a sua famosa encarnação, e a tese dos "criptógamos carnudos", na qual pessoas moralmente infratoras reencarnariam na forma de insetos, plantas ou vermes.
Fora isso, tudo de Roustaing é mantido e poucos imaginam: colônias espirituais, crianças-índigo (ou "cristais", "luzes" ou "estrelas" e o que vier de rótulo), resignação com o sofrimento e outros princípios que as casas e as obras "espíritas" tanto difundem sob o rótulo de "kardecismo".
Não raro vemos "espíritas" chocados com a acusação de serem roustanguistas. E, o que é pior, se vasculharmos bem os bastidores de toda a história do "movimento espírita", concluiremos que no Brasil houve (e, num dos casos, ainda há) dois adeptos entusiasmados, porém nem sempre assumidos, de Jean Baptiste Roustaing: ninguém menos que Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco.
Sim, isso mesmo. Chico Xavier e Divaldo Franco sempre foram roustanguistas, e seguiram com entusiasmo as ideias de J. B. Roustaing, que tinha mais afinidade com a formação católica ortodoxa dos dois "médiuns" do que as ideias científicas do pedagogo de Lyon.
Isso choca os desinformados, que conhecem o "espiritismo" através de revistas de qualidade duvidosa vendidas nas bancas e que prometem "ensinar timtim por timtim" a "doutrina kardeciana". As revistas nunca falam em Roustaing, e, quando mencionam, falam como se fosse uma coisa superada. Só que não.
O roustanguismo nunca foi tão forte nos últimos 45 anos, quando seu nome era "engavetado" nos escritórios do alto clero da Federação "Espírita" Brasileira. Chico e Divaldo, diante dos conflitos entre a federação nacional e as federações regionais, passaram a fingir que eram "kardecianos legítimos" só para agradar os espíritas científicos que lhes eram amigos, como José Herculano Pires e Deolindo Amorim. Mas, como diz o ditado, "amigos, amigos...".
Isso os "iniciados" não sabem, e, quando são informados, vão correndo para o quarto chorar. Acham que aquilo que aprenderam, uma doutrina igrejeira e mistificadora, era associada "verdadeiramente" aos postulados originais da Doutrina Espírita e não conseguem admitir o equívoco de tudo isso.
O "espiritismo" brasileiro parecia viver um falso equilíbrio nesta "postura dúbia", praticamente distribuindo o cientificismo kardeciano para a teoria e o igrejismo roustanguista para a prática. Ninguém percebia o quão patético era ver palestrantes "espíritas" bajularem Erasto, num texto, e exaltarem Emmanuel, o oposto daquele, em outro texto.
Cometem tantas contradições e acham que estão sendo equilibrados e coerentes. Defendem ideias próprias do roustanguismo mas se apavoram só de ouvir o nome de Jean-Baptiste Roustaing. E, por outro lado, ainda se dizem "rigorosamente fiéis" a Kardec, mas praticam o igrejismo que muitas vezes vai na contramão dos postulados kardecianos. Que "coerência espírita" é essa?
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