segunda-feira, 19 de junho de 2017
O lugar dos espíritas autênticos, segundo os deturpadores do Espiritismo
De repente, houve uma onda de deturpadores do Espiritismo fazendo "emocionados elogios" aos espíritas autênticos. Não se trata apenas da habitual bajulação a Allan Kardec, nem na apropriação tendenciosa dos alertas do espírito Erasto, mas de evocar os nomes de espíritas brasileiros autênticos, como José Herculano Pires e Deolindo Amorim.
Os deturpadores andam publicando textos de espíritas autênticos ou fazendo relatos biográficos dos mesmos. Aparentemente, atendem a uma necessidade de lembrar dos espíritas que lutaram pela valorização dos postulados espíritas originais, mas sendo essa atitude vinda justamente daqueles que praticam o igrejismo e exaltam também outros deturpadores, isso é para desconfiar.
Afinal, é bom demais para ser verdade. A ideia é evitar os conflitos nos bastidores do "movimento espírita" que eclodiram depois que o presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, se aposentou, em 1970, quatro anos antes de morrer.
Sem Wantuil, começaram a se revelar irregularidades a respeito do poder centralizado da Federação "Espírita" Brasileira e sua ganância financeira em torno das vendas de seus livros. Isso criou um conflito entre as federações regionais e a federação nacional que deu origem à "fase dúbia", um "roustanguismo com Kardec" que reagiu ao nome de J. B. Roustaing, símbolo da FEB.
Desta feita, as federações regionais, que passaram a comandar o "movimento espírita" nos últimos tempos, com a FEB apenas atuando de maneira formal, sem intervir nos interesses gerais do movimento, já que a atual fase do "movimento espírita" priorizaria a autonomia das federações regionais.
O que chama a atenção, no entanto, é o simulacro de recuperação das bases doutrinárias, feito pela "fase dúbia". Os ideais igrejeiros originários de Jean-Baptiste Roustaing passaram a coexistir com a aparente apreciação do pensamento kardeciano original. Igrejismo e cientificismo se misturaram e uma promiscuidade ideológica se viu surgir e crescer, dissimulada por apelos à "caridade" e à "fraternidade", tipicamente igrejeiros.
Diferente da Era Wantuil, o "movimento espírita" fez um pacto mais áureo do que o Pacto Áureo de 1949. As federações regionais conquistaram autonomia, influenciadas pelo prestígio dos "médiuns" Francisco Cândido Xavier, mineiro, e Divaldo Pereira Franco, baiano. Um acordo foi feito também para evitar qualquer desavença com os espíritas autênticos, como Herculano Pires e, em tese, até mesmo os mais entusiasmados igrejeiros tinham que se autoproclamar "kardecistas".
O termo "kardecismo" surgiu aí, depois de supostas mensagens espirituais de Adolfo Bezerra de Menezes, um dos fundadores da FEB, alegar "arrependimento" por ter sido roustanguista e passar a apelar para todos "kardequizarem", o que dá o tom da mensagem, já que a expressão "kardequizar" soa como uma corruptela do termo "catequizar", termo referente à pedagogia católica trazida pelos antigos jesuítas, no período colonial.
Só que o termo "kardecista" acabou se desvinculando da essência kardeciana original, daí que os verdadeiros espíritas sempre se afirmam "kardecianos" e não "kardecistas". Isso porque o "kardecismo", que é a "fase dúbia" do "movimento espírita", enfatizou ainda mais ideais roustanguistas, trazidos sobretudo por meio de romances "espíritas" e pelas palestras dos "médiuns" que já descaraterizaram a atividade original e intermediária do médium espiritual.
A "fase dúbia" representou a ascensão de Divaldo Franco, então um emergente entre os astros do "movimento espírita". Mas representou também a reinvenção do mito de Chico Xavier, antes pupilo de Wantuil de Freitas, e desfez-se, no "médium" mineiro, aquela imagem pitoresca e sensacionalista que causou confusões, vide episódios como o julgamento do caso Humberto de Campos e as fraudes da farsante Otília Diogo.
Até o fim da Era Wantuil, Chico era blindado pela TV Tupi. Geralmente, nos Diários Associados, Chico "levava surra" da revista O Cruzeiro e era "socorrido" pela TV Tupi. Mas como o "médium" sempre trouxe energias estranhas - Chico está associado à "maldição dos filhos mortos" por boa parte de seus seguidores verem seus filhos morrerem de repente - , a proteção da TV Tupi também teve seu preço muito caro.
Depois que até a revista O Cruzeiro fez as pazes com Chico Xavier, e após o desfecho do caso Otília Diogo, em que Chico, espécie de "Aécio Neves pré-delação da JBS" dos "espíritas" no sentido da blindagem absoluta, foi inocentado apesar da cumplicidade, a TV Tupi ainda veiculou uma novela "espírita" que a dramaturga Ivani Ribeiro adaptou livremente do livro Nosso Lar, a famosa A Viagem.
Aí os Diários Associados naufragaram na crise, a revista O Cruzeiro se descaraterizou em 1975 - mudou seu projeto gráfico para algo mais simplório e com linha editorial copiada da revista Visão - e a TV Tupi entrou em decadência, forçando a empresa fundada por Assis Chateaubriand (aposentado em 1960 e morto em 1968) a vender boa parte de seu espólio e enfrentar uma greve de funcionários que tinham o pagamento salarial atrasado.
Diante desse quadro, a blindagem de Chico Xavier passou a ser das Organizações Globo, que romperam com a antiga animosidade ao "médium" e contribuíram para reinventar seu mito, enfatizando a suposta caridade com base no que o inglês Malcolm Muggeridge fez com Madre Teresa de Calcutá.
Sem enfatizar façanhas como ser um suposto porta-voz de intelectuais já falecidos ou de supostas práticas de psicofonia e materialização, deixou-se de lado os "dons fantásticos" para reduzir o "médium" a um "carteiro de Deus", forjando mensagens igrejeiras supostamente em nome de pessoas anônimas mortas, prestando um "serviço" aos parentes desses entes queridos.
Era uma construção ideológica que deu mais certo do que apelar para a literatura "espiritual", que soava claramente fake. Não sendo mais os "mortos famosos", mas os "anônimos", os escândalos eram minimizados. Fora esse apelo, Chico ainda seguiu rigorosamente o roteiro que Muggeridge fez para inventar o mito de Madre Teresa.
Com isso, também forçou-se a associação de Chico Xavier com a Doutrina Espírita original, num recurso próprio da "fase dúbia". O maior ídolo do "movimento espírita", oriundo da fase Wantuil, era reinventado e reembalado de forma a ser "digestível" não só por espíritas autênticos, mas também por ateus, esquerdistas e outros perfis ideológicos.
Com a recente estratégia de bajular os espíritas autênticos, os deturpadores do Espiritismo usam uma tática habilidosa, a de estabelecer um vínculo tendencioso com os verdadeiros nomes brasileiros da Doutrina Espírita, para o caso de uma grave crise atingir o "movimento espírita". Mas isso é como políticos do PSDB exaltando personalidades do PT, um oportunismo que não tem a menor credibilidade.
Essa estratégia, no entanto, revela o verdadeiro lugar que os deturpadores do Espiritismo no Brasil reservam aos espíritas autênticos: a "morada" teórica dos livros e do passado biográfico, já que eles estão mortos. Eles que se reduzam à letra "desencarnada" das exposições teóricas, enquanto a "prática espírita" se volta ao mais escancarado igrejismo. Tenta-se ser "kardeciano" na teoria, mas na prática continua-se sendo roustanguista, até mais do que quando se assumia o nome de Roustaing.
A "fase dúbia", com suas múltiplas dissimulações, tentava aproveitar todo tipo de oportunismo. Isso não faz do "espiritismo" uma religião melhor. Pelo contrário, confundir contradição e equilíbrio é algo deplorável, e o que se observa no "espiritismo" brasileiro é um grande engodo doutrinário que só parece "apresentável" para o público leigo. Até este conhecer a podridão nos bastidores, vai achar que "tudo é lindo" no "espiritismo" brasileiro.
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