terça-feira, 27 de outubro de 2015

O machismo e o corpo da mulher como "mercadoria"


O machismo persiste no Brasil. Agonizante, decadente, mas urrando como um leão ferido dando seus últimos gritos. E, às vezes, se travestindo (note o trocadilho) de feminista conforme as circunstâncias, sobretudo num mercado "popular" que empurra o erotismo compulsivo até mesmo para o público infanto-juvenil.

Com a sabotagem feita através da adesão de intelectuais de centro-direita ao debate sobre cultura popular, adotando uma clara postura "higienista" na qual os valores retrógrados são "a realidade ideal" do povo pobre, nota-se que para as classes populares o que vale é a defesa da "selvageria" e da libertinagem de instintos.

E é isso que faz com que o machismo simbolizado pelas mulheres-objetos seja definido como "feminismo" para uma parcela de intelectuais, mesmo mulheres, mesmo ativistas, mesmo gente com Mestrado e Doutorado nos diplomas exibidos em molduras.

Há uma campanha sutil de desmoralização da mulher e um "pacto machista" em dois sentidos. Se a mulher prefere ser inteligente e emancipada, não se erotiza o tempo todo (só o faz conforme o contexto), e possui referenciais culturais relevantes, ela precisa ser "domada" pela figura de um marido poderoso, a "patrocinar" a "independência" desse tipo de mulher.

Isso significa que a mulher que quer se livrar de estereótipos e padrões ditados pela ideologia machista precisa de um vínculo com algum homem. Geralmente empresário, médico, político, esportista (ou sobretudo esportista que se converte depois em dirigente ou empresário). É como se o machismo estabelecesse vigilância permanente ao feminismo praticado pela mulher.

Já se a mulher segue a cartilha machista e transforma seu corpo em mercadoria, cometendo gafes e fazendo declarações entre tolas e apelativas, ela não precisa estar vinculada a um homem. Quanto muito, ela é sustentada por um empresário machista que nem sequer aparece na mídia.

Essa mulher segue "espontaneamente" a ideologia machista. Cumpre sua "obrigação" de explorar a "sensualidade" até quando não há a menor necessidade, e por isso não precisa ser "vigiada" por algum homem e não precisa "diminuir sua projeção" através do vínculo com uma companhia masculina.

Depois que, há 20 anos, o erotismo das dançarinas do É O Tchan tirou do papel (revistas pornográficas) as chamadas "musas calipígias" ou "boazudas", expondo a estética de Carla Perez (que então personificava a mesma estética "mulher do vizinho" de revistas pornôs de segunda categoria) até para o público infantil, o mercado cresceu assustadoramente.

Curiosamente, observou-se, numa avenida na orla de Salvador, o desfile de crianças em prol de causas "filantrópicas" apoiadas por "espíritas", um evento "família" no qual a trilha sonora tocada no carro de som tocava até sucessos de É O Tchan.

Até quatro anos atrás, auge da "sensualidade de resultados", havia "boazudas" de todo tipo: ex-BBBs, panicats, dançarinas de "pagodão", "peladonas", "musas do Brasileirão", veteranas da "Banheira do Gugu", sem falar de qualquer anônima que apenas ficava perto de um jogador de futebol ou de um jovem ator de novela para inventar um romance que nunca existiu e daí fazer fotos "sensuais".

As páginas de celebridades (e, sobretudo, subcelebridades) na Internet vinha com notas "sensuais" que em overdose eram despejadas nas listas de notícias. Era a "musa do Brasileirão" que, na chegada a uma festa, deixava a alça do vestido cair e "mostrar demais". Depois, a "peladona" que usa biquíni minúsculo na praia, ou a ex-BBB que não consegue vestir uma calça jeans de tão apertada etc.

É verdade que muitas críticas surgiram contra elas. Muitas desapareceram ou tentam resistir em vão. E mesmo assim não mais com notas sucessivas em grandes quantidades. Nesse meio caminho a ex-vice Miss Bumbum Andressa Urach quase faleceu, e, assim que sobreviveu, decidiu mudar completamente o seu estilo de vida e abandonou o que fazia antes.

No entanto, algumas "musas" resistem e parecem indiferentes à mudança dos tempos. Observa-se, nas pesquisas de noticiários sobre famosos, a resistência ferrenha de nomes como a funqueira Renata Frisson (na verdade, Cristina Célia, seu nome de batismo), a Mulher Melão, e a ex-estrela da Banheira do Gugu, Solange Gomes.

Em sucessivas notas, elas tentam desafiar os novos tempos e impor, sob o pretexto da "provocatividade", uma "sensualidade" retrógrada, nada sutil, revelando um apelo claramente machista, apesar de sua postura "emancipada" e do mito de que, só porque elas não têm namorado, são consideradas "feministas".

Em muitos casos agindo com muita arrogância, as duas estão entre as que mais apelam nessa "sensualidade de resultados". Solange colocou postagens no Instagram dando a crer de que é uma "mulher desejável". Recentemente apareceu deitada com barriga para baixo sobre as pernas de três machões musculosos sentados à beira de uma piscina.

Renata já havia se infiltrado num evento de topless de feministas autênticas e esvaziou o sentido original do protesto (era uma manifestação contra a opressão masculina ao corpo feminino), através de sua figura aberrante, grotesca e sensacionalista que atraiu os jornalistas da "imprensa marrom" estrangeira.

Ambas são consideradas "balzaquianas". Renata tem 32 anos, Solange tem 41. As duas não eram para explorar o erotismo de forma tão grotesca, impulsiva e obsessiva, deveriam ter um mínimo de responsabilidade para medir contextos e limites para essa apelação corporal. Em vez disso, elas são as que mais apelam.

Solange Gomes se comporta como se fosse uma equivalente ao feminismo ao que Eduardo Cunha faz em relação à política brasileira. Tenta resistir aos tempos, buscando um erotismo obsessivo que de tão ostensivo e apelativo se torna mais repulsivo que sedutor, imposto "na marra" como as pautas-bombas do presidente da Câmara dos Deputados.

As duas simbolizam o desespero do mercado popularesco de trabalhar o corpo feminino como uma mercadoria. Seus ideólogos, usando argumentos semelhantes aos de jornalistas reacionários que usam a desculpa da "liberdade de expressão", falam em "liberdade do corpo" e do "direito à sensualidade" para empurrar grosserias nesse sentido.

A sensualidade feminina verdadeira é explorada até por atrizes comuns, não necessariamente vinculadas a contextos eróticos. A graça da sensualidade está na sutileza. Está em estabelecer momentos para não mostrar e mostrar conforme o contexto. Além do mais, o verdadeiro feminismo está na mulher desenvolver sua personalidade, e não em ser um "corpo em oferta".

O que chama a atenção também é a própria ridicularização que as "musas" siliconadas fazem em relação à imagem da mulher solteira trabalhada pela grande mídia. Enquanto a mulher casada é vista como "mais responsável", daí a mulher "independente" cuja emancipação é patrocinada por um marido mais poderoso, rico ou até mais velho, a solteira é vista pelo mercado midiático como se fosse uma "vagabunda" que "só quer sensualizar" e "curtir as noitadas".

Isso é machismo, não feminismo. É uma exploração depreciativa da mulher solteira, da mulher independente que só pode "sensualizar ou curtir", mas é "desaconselhada" a aprimorar conhecimentos, a se vestir de forma discreta, a buscar dignidade e a expor coisas e ideias interessantes.

Numa época em que a sociedade discute a violência machista, seus impulsos sexuais e os assédios abusivos, a ponto de surgirem movimentos como "Chega de Fiu-fiu", e a debater as formas de conquistas amorosas, vendo que a maior parte dos feminicídios conjugais envolve casais que se conheceram em bares e boates, os casos da Mulher Melão e Solange Gomes são grandes retrocessos.

Elas ainda persistem num processo de "erotismo" que só se volta para homens de baixo poder aquisitivo, baixa formação moral ou, quando muito, para jovens de classe média com impulso sexual desenfreado. Ou seja, se a sociedade está preocupada com os impulsos dos assédios machistas, vale lembrar que o "erotismo obsessivo" é um estímulo a esse processo.

A "sensualidade" obsessiva, fora do contexto, desenfreada e apelativa, na medida em que promove o corpo feminino como uma "mercadoria", traz a seu público a ilusão de que tudo é possível e por isso, daí para um grupo de homens assediar uma mulher e chamá-la de "esta é a nora que minha mãe pediu a Deus" é um pulo.

Numa época em que necessitamos repensar os valores sociais e livrá-los do maniqueísmo fácil de um moralismo rigoroso demais e uma liberdade sem controle, não há como botar o problema debaixo do tapete e fingir crer que o machismo de "musas" como Mulher Melão e Solange Gomes são "um tipo diferente de feminismo popular". A complacência das esquerdas a elas só faz com que prevaleçam valores machistas simbolizados pelas duas.

Afinal, se a Mulher Melão invade um evento em que mulheres protestam, entre outras coisas, contra o estupro e a sexualização forçada e faziam topless não por sensualismo, mas para se afirmarem como mulheres e exigirem respeito à suas condições, a funqueira adota posturas machistas se nivelando a madames que batem panelas para pedir até golpe militar contra a presidenta Dilma Rousseff.

E se Solange Gomes aparece deitada, com os glúteos em destaque, sobre as seis pernas de três machões musculosos, ela não faz feminismo, e nivela sua "sensualidade" a Revoltados On Line, Movimento Brasil Livre e Acorda Brasil que querem o "Fora Dilma" sem aceitar que a presidenta foi eleita dentro da legalidade das normas constitucionais e só poderá deixar o mandato no final de 2018.

Camuflar esse machismo imposto por subcelebridades siliconadas sob o rótulo de "popular" como se fosse "outro feminismo" é um discurso elitista que uma parcela pouco confiável da intelectualidade tenta fazer para deixar o povo pobre na sua decadência e degradação.

Isso é ruim, porque o Brasil precisa repensar seu conceito de sociedade, diante de uma série de valores sócio-culturais confusos, contraditórios e retrógrados que prevaleceram durante a ditadura militar e que hoje perdem o sentido diante de novas exigências e questões que surgem no cotidiano. Não vale mais deixar as coisas como estão, se elas sempre expressam valores retrógrados.

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