quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Nosso Lar trouxe "má atmosfera" para o Rio de Janeiro?


Por que tantos retrocessos na cidade do Rio de Janeiro? E por que eles acontecem sem o menor controle? Por que os plutocratas e tecnocratas mantém a supremacia do poder de decisão, mesmo quando contrariam o interesse público que dizem defender? E por que a degradação cultural corre solta, no Estado onde outrora havia a resistência das vanguardas culturais?

Outrora capital de modernidade, vanguarda cultural e significativo progresso urbano, mesmo com todos os problemas e imperfeições, o Rio de Janeiro de hoje sucumbe a uma decadência que não pode mais ser vista como um efeito natural da complexidade urbana pós-moderna. Os retrocessos que ocorrem atualmente chegam a nivelar a cidade a uma mentalidade provinciana e atrasada.

Ninguém percebe que o Estado do Rio de Janeiro também tem coronelismo (os banqueiros de bicho são os latifundiários fluminenses), tem pistolagem (capangas de bicheiros, milicianos, grupos de extermínio, traficantes) e uma grande multidão com mentalidade tipicamente rural e suburbana, mas não da forma típica de regiões modernas, mas equiparadas ao interior do Norte, por exemplo.

A mídia, a mobilidade urbana, o cenário cultural, tudo isso declinou. Infelizmente, muitos cariocas de elite não conseguem admitir isso, e ocorre uma onda de mau humor nas mídias sociais disfarçada de "felicidade" feita na marra, sem que alguém pudesse reclamar de problemas além de poucos manjados. Ter senso crítico virou ato antissocial nesses espaços digitais.

A "etiqueta social" determinada pelo status quo de cariocas e solidários de outros Estados mostra que se deve, em vez de falar da realidade, contar piadas, exaltar bebidas alcoólicas, falar de time de futebol, cultuar bobagens no WhatsApp, bancar o "engraçado" numa situação dessas.

Há um complexo de culpa dos cariocas influentes nas mídias sociais que elegeram Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados envolvido em corrupção e pautas reacionárias. Há também os preparativos para as Olimpíadas Rio 2016. Fingir um relativo "mar de rosas" virou moda, diante da combinação da consciência pesada e ansiedade por lucros pelo turismo.

Curiosamente, é nas mídias sociais que são publicadas mensagens apologistas a Francisco Cândido Xavier. O Chico Xavier dos fanáticos seguidores, com sua trajetória bastante confusa, iria mesmo influir na degradação social, até por ele ter sido ultraconservador, católico ortodoxo nas ideias (embora heterodoxo nos métodos), já que o "espiritismo" é conhecido por suas energias sombrias.

A confusa religião tem como uma das crendices acreditar na existência de uma suposta colônia espiritual sobre o céu do Rio de Janeiro, intitulada Nosso Lar, que seria "modelo" para outras supostas colônias. É risível que exista até uma "geografia" enumerando as colônias uma a uma.

O caráter confuso do "espiritismo" brasileiro, perdido entre as falsas juras de fidelidade a Allan Kardec e o igrejismo de Chico Xavier, faz com que até a abordagem de Nosso Lar também tenha seus pontos obscuros. Afinal, ele é o Paraíso ou o Purgatório? Está ou não vulnerável às forças "trevosas" do Umbral?

Tudo fica muito estranho e Nosso Lar, o livro, ainda mostra muita coisa do pensamento de Jean-Baptiste Roustaing, o primeiro deturpador da Doutrina Espírita, já lá na França. Presença de crianças, jardins e animais domésticos seguem muitas abordagens trazidas pelo livro roustanguista Os Quatro Evangelhos.

Claro que, aparentemente, a decadência do Rio de Janeiro não foi imediata. Mas até parece que a cidade se tornou mais turbulenta depois da publicação de Nosso Lar, em 1943. De certa forma, o caos político da antiga capital do Brasil junto à demolição de bairros populares que integravam o entorno da atual Av. Pres. Vargas, acelerando a favelização, ocorreu a partir de 1944.

O próprio empate jurídico do caso Humberto de Campos, que fez Chico Xavier não necessariamente ser inocentado, mas simplesmente não ter sido o culpado, mediante a incompreensão dos juízes da época quanto ao processo - eles entenderam que os mortos não eram detentores de direitos autorais - , contribuiu para o agigantamento de seu mito, reforçado só décadas depois pela Rede Globo.

Aí, vieram pesadas nuvens sobre o céu carioca, que se tornou uma cidade difícil, temperamental e caótica. Mas muita coisa moderna ainda havia, entre 1944 e 1989, porque houve um interesse coletivo em incrementar culturalmente a cidade e fortalecer seu urbanismo e sua diversidade, mesmo com o caos político e criminal que começava a se desenhar então.

Só que, dos anos 1990 para cá, a coisa desandou, e o Rio de Janeiro, gradualmente, foi se tornando uma cidade cada vez mais provinciana do qual o chamado "borogodó" (espécie de misto de glamour e senso de humor do comportamento carioca) não passa de uma caricatura de si mesmo.

O Rio de Janeiro sucumbiu a um retrocesso comandado pelo crime organizado, de um lado, e pela aliança de plutocratas e tecnocratas que desenham o cenário cultural carioca conforme suas convicções pessoais e suas obsessões de lucros. E isso com orquestras, lojas de discos, centros culturais e livrarias de grande valor fechando e as ruas cariocas trocando a alegria e variedade pela insegurança.

A chamada "boa sociedade" tenta fingir que isso não acontece e minimiza os retrocessos atribuindo a "problemas pontuais de modernidade urbana". Tentam fingir para si mesmos que os "anos dourados" continuam, que o "borogodó" será resgatado pelo "funk", que a Mulher Melão renovará o feminismo e que tanto faz livrarias, lojas de discos e centros culturais fecharem suas portas se o Maracanã continua fervendo e os quatro maiores times cariocas continuam vencendo seus jogos.

As nuvens pesadas trazidas por Nosso Lar, a fictícia cidade espacial com seu povo vestindo pijamas impecavelmente brancos, podem estar influindo nessa "má atmosfera.". E o pior é que o Rio de Janeiro continua servindo de "modelo" para o país, e seus retrocessos podem se propagar se algo não for feito, porque a modernidade carioca hoje não é mais do que uma sombra do que chegou a ser.

Isso é tão grave que muito do provincianismo que começa a ser questionado por nortistas e nordestinos está sendo reciclado no Rio de Janeiro como uma pretensa novidade. Através dessa manobra, os retrocessos serão "devolvidos" ao Norte e Nordeste como se fossem valores modernos, e o atraso brasileiro, que já se realimentava na Av. Paulista, agora busca sua reciclagem no Rio de Janeiro, o que será pior para o país.

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