domingo, 10 de maio de 2015

Ainda existe racismo no país que quer ser o "coração do mundo"


Por causa de um episódio envolvendo racismo, uma menina negra, de 12 anos, estudante de escola pública, passou por uma situação surreal diante da humilhação que havia sofrido desde que entrou no atual ano letivo de uma escola em São Bernardo do Campo.

Lorena dos Santos Almeida era uma menina alegre, uma negra muito bonita, brincalhona e adorava correr pelos pátios da escola. No entanto, depois que estreou o atual ano letivo, ela passou a ter um comportamento retraído e triste, o que causou estranheza na mãe, Camila dos Santos Reis, para a qual a menina não costumava esconder seus sentimentos.

Camila recebeu uma ligação da Escola Estadual João Ramalho, numa noite de março, avisando que Lorena seria transferida para uma outra turma porque os colegas de classe "não se adaptaram a ela". Ao perguntar à filha o ocorrido, Camila recebeu como resposta a de que Lorena sentia vergonha.

No dia da ligação noturna, Lorena havia procurado a direção da escola para denunciar que estava sofrendo bullying e humilhações racistas. Só que a diretora só decidiu tomar medidas para identificar quem foram os responsáveis pelos ataques duas semanas depois. O teor dos ataques pode ser visto nas mensagens abaixo:

“SUA PRETA, TESTA DE BATE BIFE DO CARALHO!” 
“EU SOU RACISTA MESMO, QUANDO EU QUERO SER RACISTA EU SOU RACISTA, ENTENDEU?” 
“TODA VEZ QUE EU ENCONTRAR ELA NA MINHA FRENTE EU VOU ZUAR ATÉ ELA CHORAR” 
“VOCÊ VAI FICAR NESTE GRUPO ATÉ VOCÊ CHORAR” 
“CABELO DE MOVEDIÇA, CABELO DE MIOJO, CABELO DE MACARRÃO”

Mesmo assim, a coisa piorou para Lorena. Quando ela foi chamada para identificar os agressores e eles foram denunciados publicamente dentro da escola, os colegas denunciados a chamaram de dedo-duro e fizeram gritarias contra ela, profundamente irritados.

Para piorar o episódio surreal, dois meninos envolvidos nos ataques são moradores do mesmo condomínio onde vive Lorena, a mãe. Outras crianças estimularam os ofensores. Um membro do grupo de amizade que recebeu as gravações das mensagens deixou o coletivo e chegou a reagir contra um dos agressores, dizendo que o que este fazia é desrespeito.

E para complicar mais as coisas, os alunos seguiram ofendendo a garota numa comunidade no WhatsApp e a diretora alegou que "já estava de saco cheio dessa história" e decidiu pela acareação da menina e seus agressores. Intimidada, Lorena teve que pedir desculpas aos agressores.

Recentemente, outra negra, a graciosa jornalista Cristiane Damacena, foi postar no Facebook uma fotografia em que ela aparecia alegre, usando roupa amarela. A moça recebeu uma série de comentários ofensivos, que a chamavam de "macaca" e "escrava".

Uma outra jovem negra de Minas Gerais, ao fazer uma selfie junto ao namorado branco, publicada no Facebook, recebeu comentários ofensivos sendo tratada como "escrava". Um dos internautas, jocosamente, perguntou sobre o namorado: "Seu dono?". Outros internautas perguntavam "quanto custava essa escrava".

As reações ofensivas se devem à resistência de muitos educadores em ensinar História e Cultura Afro-Brasileira, que apesar de obrigatória no programa escolar segundo a lei 10.639, vigente desde 2003 (época em que a geração de Lorena era recém-nascida), não é incluída nas escolas. O ensino criaria uma consciência sobre a importância de valorizar e respeitar o povo negro em geral.

PARA O "ESPIRITISMO" CHIQUISTA, SER NEGRO É "PUNIÇÃO"

Alusões ao racismo contra índios e negros são observados em livros lançados por Francisco Cândido Xavier, sobretudo nos anos 1940. Descritos como se fossem "ingênuos" ou "rebeldes" e vistos como se fossem "animais", a visão sobre negros e índios corresponde ao ideário jesuíta originário do Padre Manuel da Nóbrega, ressurgido no "espiritismo" brasileiro sob a forma do espírito Emmanuel.

A visão depreciativa de índios e negros está incluída até mesmo no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, que Chico Xavier e Antônio Wantuil de Freitas escreveram a quatro mãos e, tendenciosamente, atribuíram a autoria ao espírito do escritor e acadêmico Humberto de Campos.

Segundo essa visão, ser negro é considerado "punição" e uma forma de "expiar" os malefícios que o indivíduo fez ao próximo em outra vida. Além dessa tese ser absurda, ela define a raça negra de uma forma negativa, ignorando que ela tem seu valor como cor de pele e variação étnica e racial.

Ser negro, na verdade, é tão somente uma questão de formação da pele. É apenas uma variação, que não pode representar restrições nem justificar humilhações. As vítimas de racismo são pessoas dignas querendo participar das atividades normais da sociedade. E é deplorável que uma escola aceite que crianças humilhem uma aluna só porque ela é negra.

Quanto ao "espiritismo" que quer que o Brasil seja "coração do mundo" e autoproclama uma religião "ecumênica" e "aceitadora da diversidade de crenças, credos e povos", é constrangedor que defina a raça negra como um "mal".

Além disso, com exemplos de racismo livremente praticado, apesar de ser considerado crime inafiançável - os pais dos filhos agressores poderiam ser presos por permitir que seus filhos adotem posturas desse nível - , o Brasil dificilmente será o tão sonhado "coração do mundo". Mais uma vez, Chico Xavier saiu derrotado nessa.

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