Há dezoito anos, uma revista "espírita" tornou-se conhecida por estabelecer relações degradantes de trabalho, se aproximando do trabalho escravo não pela sobrecarga de horário, mas pela falta de salário digno e pela remuneração que quase sempre se limitava ao almoço, cometendo irregularidades trabalhistas.
Isso é irônico, porque o "espiritismo" brasileiro surgiu defendendo a causa abolicionista, através do médico, militar e parlamentar Adolfo Bezerra de Menezes, o Dr. Bezerra. Mas, nos últimos anos, o próprio "espiritismo", com seu moralismo severo e conservador, está cada vez mais próximo da defesa da escravidão, ao confundir "serviço" com "servidão" e apelar para os desafortunados da sorte "servirem" a quem quer que fosse e sob qualquer tipo de condição, ainda que a pior de todas.
No final dos anos 1990, a revista Visão Espírita, da Editora Seda, empregava vários profissionais, como redatores, editores e até outros funcionários que recebiam apenas o dinheiro do almoço e alguns trocados como "adiantamento salarial".
Seu proprietário foi um militar aposentado, empresário e palestrante "espírita", o carioca Alamar Régis Carvalho, que havia vivido no Pará e trabalhado no jornal O Liberal, da empresa O Liberal, parceira das Organizações Globo no Pará (a TV Liberal Belém é retransmissora da Rede Globo). Mas, migrando para Salvador, fundou a Editora Seda e produziu a revista Visão Espírita, além de sonhar com um projeto de TV. Alamar faleceu aos 65 anos em 2016, vítima de câncer.
Alamar era metido a fazer críticas à "vaticanização do Espiritismo". Se contradizia manifestando admiração por Jean-Baptiste Roustaing e defendendo um "espíritismo único com Allan Kardec". Era admirador de Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, e de Divaldo Franco, de quem era também grande amigo.
ALAMAR RÉGIS CARVALHO COM DIVALDO FRANCO - AFINADOS COM O CENÁRIO POLÍTICO-ECONÔMICO DO QUAL FAZ PARTE O EMPRESÁRIO ESCRAVOCRATA FLÁVIO ROCHA, DONO DA REDE DE LOJAS RIACHUELO.
Na "Visão Espírita", eram publicados artigos e textos, inclusive dos próprios redatores, sobre temáticas cotidianas associadas ao "espiritismo" brasileiro, ou fatos gerais interpretados sob seu enfoque. Colaboradores como Richard Simonetti também enviavam artigos para o periódico, de publicação mensal.
Os profissionais praticamente só recebiam dinheiro do almoço. Às vezes recebiam algum trocadinho com o pretexto de "adiantamento" do salário mensal que seria pago não se sabe quando. Alamar chegava a alegar que a empresa "vivia dificuldades" e que os funcionários deveriam trabalhar "visando a caridade".
Só que os funcionários precisavam sobreviver. Tinham famílias para sustentar, tinham contas para pagar, precisavam sobreviver e, em certos casos, tinham despesas a mais. Uma funcionária que preparava o cafezinho era mãe solteira e precisava comprar remédios para uma filha doente. Ela se queixava porque tinha que pedir dinheiro emprestado de familiares.
Teve funcionário que reclamou, anos depois, que trabalhar na Editora Seda gerou uma maré de azar. Ele entrou na Seda a pretexto de estágio, mas sua carteira de trabalho foi registrada como se fosse "emprego efetivo". Depois disso, não conseguiu mais emprego, mesmo com o mais hercúleo esforço, distribuindo currículos, indo para entrevistas de emprego e estudando para concursos públicos nos quais o maior esforço e a mais atenta dedicação foram em vão.
Por ironia, a revista publicava uma tirinha em quadrinhos de personagens "espíritas" do cartunista Márcio Baraldi - conhecido pelo personagem roqueiro Roko Loko, da revista Rock Brigade - , uma dupla de passarinhos chamada Vapt e Vupt.
Isso porque Márcio, cuja mentalidade destoa do "movimento espírita" em geral - voltada à centro-direita - , é ligado à atividade sindical e, nos últimos anos, havia se empenhado em fazer críticas ao cenário político atual, sobretudo o governo Michel Temer, no qual são famosas as charges contra as reformas trabalhista e previdenciária.
Certamente, a inclusão de uma charge de um cartunista progressista era uma maneira de manter as aparências de "progressista" do "espiritismo" brasileiro, sempre preocupado em trazer um verniz "moderno" a ponto de cooptar para si ativistas de esquerda, que sem perceber acabavam contaminando o imaginário esquerdista com apelos para aceitar o sofrimento humano, através da conformação com as injustiças sociais e a desgraça individual.
Alamar morreu antes do golpe político de 2016. Mas o "espiritismo" brasileiro sinalizou para o apoio a esse golpe, com direito a Divaldo Franco apoiando a Operação Lava Jato, um movimento de juízes hostis ao Partido dos Trabalhadores e à causa progressista.
Os "espíritas", mesmo de forma subliminar, apoiaram tudo: Movimento Brasil Livre, Operação Lava Jato, impeachment de Dilma Rousseff, reforma trabalhista, reforma previdenciária, Escola Sem Partido. A Mansão do Caminho, de Divaldo Franco, já aplica um projeto pedagógico análogo ao que propõe a Escola Sem Partido, um dos projetos defendidos pelo Movimento Brasil Livre, sobretudo na pessoa do vereador paulista Fernando Holiday, um dos membros desta organização.
CRISTIANE BRASIL, SE DIZENDO "INJUSTIÇADA" POR SER ALVO DE PROCESSOS TRABALHISTAS E RECEBENDO SOLIDARIEDADE DOS AMIGOS À BEIRA DE UMA PISCINA.
Ultimamente, a sociedade mais reacionária perdeu a vergonha em assumir seus mais diversos preconceitos e injustiças sociais. Pelo sentido contrário, aliás, ela reclamava das limitações de ordem legal e econômica e reivindicava direitos abusivos para eles. Havia racistas reclamando das conquistas sociais dos negros e índios, e empresários reclamando de processos trabalhistas.
Há o caso da deputada federal carioca Cristiane Brasil, do PTB, que há semanas é designada por Michel Temer para ser ministra do Trabalho e Emprego. Temperamental, a deputada, filha do presidente do PTB, Roberto Jefferson (conhecido desde os tempos do Povo na TV do SBT), votou contra Dilma Rousseff em 17 de abril de 2016 e não assumiu o cargo de ministra por causa de processos trabalhistas movidos contra ela.
Cristiane, recentemente, publicou um vídeo de maiô ao lado de homens sem camisa, diante de uma piscina. No vídeo, ela reclamava de ser vítima, ao lado de alguns dos amigos que estavam ao lado dela na gravação (acessível no YouTube), de ações trabalhistas, chegando mesmo a ridicularizar a Justiça e a posar de coitadinha. O vídeo sofreu péssima repercussão nas redes sociais.
O filho de Cristiane, Christian Monassa, ex-ator de Malhação, também é acusado de cometer irregularidades trabalhistas, não pagando funcionários. segundo informou o jornalista Léo Dias, de O Dia e do programa Fofocalizando, do SBT.
Num contexto em que a reforma trabalhista desfaz direitos dos trabalhadores e cria pegadinhas "atraentes" como o "trabalho intermitente" e a "pejotização", empresários como Flávio Rocha, da rede de lojas de roupas Riachuelo, passaram a defender abertamente um padrão de emprego marcado pela redução salarial, aumento das horas de trabalho e fim de encargos e garantias trabalhistas. A reforma trabalhista "permite" até gestantes em profissões de alto risco, só para sentir o drama.
Atualmente, várias empresas estão sendo acusadas de praticar trabalho escravo ou em condições análogas à escravidão, como aumento de horas trabalhadas e baixa remuneração. No caso da Editora Seda, o problema não chegava aos horários, que seguiam a grade permitida por lei - oito horas se segunda a sexta - mas a remuneração já era suficientemente degradante. Mas imagina-se que, se fosse hoje em dia, a coisa seria pior, havendo "trabalho intermintente" e "pejotização".
Para quem não sabe, "trabalho intermitente" traz uma ilusão pela falácia de que o profissional passaria a ter uma rotina próxima a de um trabalhador do Vale do Silício: em tese, a pessoa só receberia por atividade em uma hora, sem precisar cumprir as oito horas diárias se segunda a sexta, às vezes com quatro horas no sábado.
Na prática, porém, o "trabalho intermitente", por oferecer uma péssima remuneração - estimada em R$ 4,75 por hora de atividade - que, numa soma resultando em 22 dias com oito horas de trabalho, dá um valor inferior ao de um salário mínimo (que é de R$ 954, sendo o valor do "intermitente", no tempo equivalente ao trabalho convencional, rende apenas R$ 836), obriga os trabalhadores a aumentar a carga horária, só para poder atingir os R$ 954 e, quem sabe, um pouco mais.
Isso resulta em sobrecarga de horário, o que sugere escravidão. Mas a outra ilusão, a "pejotização", que dá a cada indivíduo um registro de CNPJ (reservado às empresas), traz a falácia do trabalhador-empresa que parece uma causa nobre. Mas isso é uma armação, porque cria trabalhadores com patrão não-identificado, "empresas" de uma só pessoa e nenhum responsável, o que dificulta as ações trabalhistas, pela falta de vínculo real a um empregador.
Diante de tudo isso, quem diria, a "Visão Espírita", assim como tantas e tantas empresas por aí, já praticavam irregularidades trabalhistas bem antes delas serem "legalizadas" por Michel Temer, o que envergonha a imagem que o suposto Espiritismo tem no Brasil, que, tão alardeado como "progressista", cada vez mais se comprova conservador e afinado com os retrocessos sociais no nosso sofrido Brasil. Alamar deve estar lá hospedado no "umbral", à espera de Divaldo Franco e similares.
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