terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

A "caridade" espetacularizada do "espiritismo" que prega a aceitação do sofrimento humano


O "espiritismo" brasileiro, de caráter igrejeiro e moralista, paga por suas próprias más escolhas. Tenta abafar e sonegar as próprias consequências de seus atos, como a decadência vertiginosa que sofre, só aparentemente amenizada pela grande blindagem que os "médiuns espíritas" recebem da sociedade, superando a tão manjada blindagem aos tucanos (políticos do PSDB).

Essa blindagem, no entanto, não está resolvendo a crise que atinge o "movimento espírita" nos últimos anos, pois muitos incidentes estão revelando irregularidades graves que a carteirada religiosa dos "médiuns espíritas" não consegue dissimular.

Mesmo incidentes cometidos por "espíritas comuns", como o processo judicial movido contra o "médium" de menor expressão Woyne Figner Sacchetin e outro processo contra uma pediatra de Rondonópolis, que acusou uma paciente de oito anos, vítima de estupro pelo próprio tio, de ter sido uma cortesã em outra vida, também são um aviso para os "médiuns" mais renomados, acusados de juízos de valor perversos.

Mesmo Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco, aparentemente considerados "unanimidades" até fora do "movimento espírita" e admirados até por uma parcela de pessoas que se dizem "ateias", também fizeram juízos de valor da mais extrema (sim, isso mesmo) gravidade, contra pessoas humildes e feita ao arrepio de qualquer ensinamento do Espiritismo.

Chico Xavier acusou as vítimas do incêndio do Gran Circo Norte-Americano em Niterói, ocorrido às vésperas do natal de 1961, de terem sido romanos sanguinários da Gália do século II. O fato de Chico ter atribuído a acusação a Humberto de Campos (Irmão X), através do livro Cartas & Crônicas, de 1966, só piora as coisas para o anti-médium mineiro.

Divaldo Franco acusou os refugiados do Oriente Médio, que enfrentavam tragédias na fuga de países em confrontos bélicos, de terem sido "colonizadores sanguinários" que exterminaram civilizações antigas da América Latina. O juízo de valor foi dito em tom de mansuetude, o que torna ainda mais grave o dedo acusador do anti-médium baiano.

Abafar esses pontos sombrios, além de outros pontos ainda mais reacionários - a homofobia de Chico e Divaldo, a defesa do primeiro à ditadura militar e a do segundo, à Operação Lava Jato (que levou ao golpismo político de 2016, apoiado pelo "movimento espírita") - através de alegações à "caridade" e ao "amor ao próximo" não fazem sentido, porque nem essa "caridade" trouxe resultados satisfatórios para os brasileiros.

Não adianta atribuir o fracasso da "caridade espírita" ao suposto desprezo aos "ensinamentos" de Chico e Divaldo ou à suposta falta de recursos para as instituições "espíritas". No primeiro caso, isso não procede porque Chico e Divaldo são até supervalorizados acima dos limites imagináveis, e, no segundo, eles são tão festejados que as elites se dispõem a lhes oferecer prêmios e homenagens - póstumos, no caso de Chico - que poderiam também resultar em boas verbas privadas.

As instituições "espíritas" recebem recursos suficientes para, em tese, promover alguma revolução social. Não há como desmentir, esse é o compromisso que o "movimento espírita", pela grandeza em que se julga situar, com base no prestígio em dimensões faraônicas dos "médiuns", assumiu mas sempre arruma desculpas quando não conseguem cumprir as tarefas prometidas.

A chamada "caridade espírita", na verdade, se nivelou à mesma filantropia espetacularizada dos programas de televisão, uma "caridade de fachada" que hoje se observa em programas como o Caldeirão do Huck, de Luciano Huck, admirador confesso de Chico Xavier a ponto de ter feito uma edição do quadro Lata Velha na cidade natal do "médium", Pedro Leopoldo.

A "caridade espírita" fracassou porque o Brasil não atingiu o tão prometido nível de desenvolvimento. Às vésperas da tal "data-limite" de Chico Xavier, simplesmente não vimos sequer uma luz distante no fim do túnel, e o Brasil sofre uma piora muito grande no aspecto social, econômico e político. Nem a "prevista" ascensão da Petrobras se deu: hoje a empresa se encolhe aos poucos com as vendas de seu espólio e de suas reservas minerais diversas.

Além disso, ao considerar que o "espiritismo" brasileiro defende a Teologia do Sofrimento, nota-se os limites dessa "caridade". A defesa de Chico Xavier, em sua linha de pensamento, mesmo em mensagens que levam o nome de terceiros (como Auta de Souza, Humberto de Campos, Casimiro de Abreu e muitos outros), mas que refletem a opinião pessoal do "médium", refletem essa inclinação à Teologia do Sofrimento, mais influente no "movimento espírita" do que a obra de Allan Kardec.

Chico Xavier era bem claro: "aceite o sofrimento calado, sem mostrar o sofrimento para outrem, sem fazer queixumes". A desculpa era que "tudo passaria", embora não se sabe quanto. Seus seguidores chegavam mesmo a investir em teorias ainda mais aberrantes: "combater o inimigo que está em você mesmo", "amar o sofrimento como se fosse uma mulher querida" ou "abrir mão até do necessário visando as bênçãos futuras".

Isso vai contra muitos princípios da evolução espiritual e sugere moralismo materialista. Afinal, a ideia de aceitar o sofrimento é materialista: impede a pessoa de intervir nos arbítrios da matéria, pois o sofrimento extremo sempre está relacionado com algum infortúnio imposto pela vida material. O espírito se torna impotente em intervir em tais ocasiões e perde a encarnação inteira sem poder se evoluir espiritualmente.

O sofrimento extremo acaba sufocando a alma e criando pessoas rancorosas, deprimidas e até mesmo traiçoeiras, gananciosas e perniciosas. A ideia de "combater o inimigo em si mesmo" cria uma contradição no moralismo "espírita" porque, apesar do "espiritismo" brasileiro condenar o suicídio, acaba incitando ao suicídio por causa da ideia de supor que o sofredor é "seu próprio inimigo", o que pode ser interpretado como um estímulo ao ato suicida que essa religião diz reprovar.

Além do mais, há muitas dúvidas sobre as tais "bênçãos futuras", vide o moralismo igrejista do "espiritismo". A reencarnação é uma hipótese plausível e provável e pode ser considerada à luz da lógica, mas cada encarnação é única e é praticamente impossível que os projetos de vida perdidos em uma encarnação possam ser integralmente realizados na encarnação seguinte, sob as mesmas condições. Só mesmo muita sorte para realizar tais proezas, e ainda assim com diferenças.

O "espiritismo" brasileiro revela muitos aspectos sombrios que estão sendo levados à tona na opinião pública. Não são invenções de pessoas difamadoras nem caluniadoras. São relatos trazidos pela análise lógica e pelo bom senso. Se o "movimento espírita" quer acusar alguém pela profusão de tantas denúncias, melhor seria acusar Allan Kardec e espíritos mensageiros como Erasto, ou acusar até mesmo Jesus de Nazaré.

Se observarmos bem, Kardec, Erasto e Jesus é que forneceram argumentos que hoje são usados para criticar as irregularidades do "movimento espírita". É até um absurdo que palestrantes "espíritas" venham exaltar qualquer um dos três, porque esses palestrantes são justamente os alvos das duras críticas que os três fizeram em seus respectivos tempos e condições (Erasto, discípulo de Paulo de Tarso, no entanto divulgou suas críticas como espírito, no tempo de Kardec).

Com isso, o "espiritismo" brasileiro, que se fundamentou na deturpação dos postulados espíritas originais, rebaixando o legado kardeciano a um igrejismo católico-medieval, mostra seus inúmeros erros e contradições dos mais extremos, que revelam o preço pago pelas más escolhas, cujos efeitos drásticos estão surgindo e até crescendo. Não há como usar a "caridade" para abafar esse quadro. É como tapar o sol com a peneira.

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