sábado, 27 de fevereiro de 2016
Em artigo da Revista Espírita, Allan Kardec fala sobre saber e crença
O "espiritismo" confunde Fé com Conhecimento. Tenta "cientificar" seu igrejismo, misturando as coisas, difundindo ideias que se contradizem entre si, e apelando para Allan Kardec só nos trechos que agradam os palestrantes e escrevinhadores brasileiros.
A tendência dúbia persiste, até mesmo na marra, e os "espíritas" reagem fazendo a mesma coisa, mantendo seu contraditório procedimento, de aceitar teorias científicas e religiosas que se chocam dolorosamente, mas que os "espíritas" teimam em manterem juntas sob o pretexto do "equilíbrio", como se ser contraditório fosse sinônimo de ser equilibrado. E não é.
Há um artigo de Allan Kardec na Revista Espírita, de fevereiro de 1867, intitulado "Livre Pensamento e Livre Consciência", que merece muita atenção e cuidado. Os deturpadores da Doutrina Espírita apreciam parcialmente o texto, quando se fala em "crença" e "tolerância", como se esses mercadores da "boa palavra" usassem Kardec para apelar para a aceitação e tolerância aos mesmos que distorcem e empastelam os próprios ensinamentos kardecianos.
Os "espíritas" usam toda a diversidade cultural e intelectual em proveito próprio. Citam ateus, cientistas, filósofos, artistas diferenciados, ou usam seus nomes para apoiar todo o igrejismo viscoso que se observa nas práticas "espíritas" brasileiras, sem medir escrúpulos em transformar, se quiserem, Albert Einstein em sacerdote e Raul Seixas em padre.
É muita contradição, o tempo todo. Um mesmo palestrante ou escritor "espírita" faz um texto igrejista em um momento: exalta o Evangelho, fala em milagres, recomenda a fé e diz que tudo isso é necessário para o bem estar emocional do indivíduo. Noutro momento, fala em Ciência, em buscar o Conhecimento, exalta o trabalho intelectual, recomenda o exame da lógica em prol da coerência.
Como se conseguisse nos enganar, o ideólogo "espírita" tenta criar uma ponte falsa para essas contradições: a "bondade". Com ilustrações de coraçõezinhos, crianças sorridentes e pessoas abrindo os braços para o céu ensolarado, é fácil se tranquilizar e aceitar como "equilíbrio" a grave contradição da fé deslumbrada e do raciocínio objetivo, como se a mistificação e a lógica que a primeira nega pudessem caminhar juntas.
Vamos reproduzir alguns textos do artigo de Allan Kardec na Revista Espírita, reproduzido aqui. Um conhecido palestrante "espírita" também os reproduziu, em passagens que lhe são agradáveis. Mas ele se esquece de outros conselhos de Allan Kardec, como recomendar ao ignorante não procurar saber o que não sabe, se não tem condições de compreender a nova ideia.
Não se trata de censura, mas de uma questão de responsabilidade, principalmente quado o ignorante que tenta forçar o seu saber, sem buscar os caminhos naturais do exame, da argumentação ou mesmo da identificação natural com a nova ideia, acaba desenvolvendo ideias erradas, inventando falsas concepções e tomando como certeza absoluta o que não passa de uma débil e improvável suposição.
O "espiritismo" que não entende de mediunidade - quase tudo que se produz sob esse pretexto são mensagens inventadas pelos "médiuns" e só servem como propaganda religiosa - reflete o quanto a doutrina brasileira que jura "fidelidade absoluta" a Allan Kardec o trai o tempo todo. Vamos aos trechos e a análises adicionais:
"O Espiritismo é, como alguns o pensam, uma nova fé cega substituindo a uma outra fé cega; de outro modo dito, uma nova escravidão do pensamento sob uma nova forma? Para crê-lo é preciso ignorar-lhe os primeiros elementos. Com efeito, coloca como princípio que antes de crer é preciso compreender; ora, para compreender é preciso fazer uso de seu julgamento; eis porque ele procura se dar conta de tudo antes de nada admitir, em saber o porquê e o como de cada coisa; também os Espíritas são mais suscetíveis do que os outros com relação aos fenômenos que saem do círculo das observações habituais. Ele não repousa sobre nenhuma teoria preconcebida e hipotética, mas sobre a experiência e a observação dos fatos; em lugar de dizer: "Crede primeiro, e compreendais em seguida, se o puderdes," ele diz: Compreendei primeiro e crereis em seguida se o quiserdes." Ele não se impõe a ninguém; diz a todos: "Vede, observai, comparai e vinde a nós livremente se isto vos convém." Assim falando, ele se candidata e corta as chances da concorrência. Se muitos vão a ele, é que os satisfaz muito, mas ninguém o aceita de olhos fechados. Àqueles que não o aceitam, ele diz: "Sois livres, e não vos quero; tudo o que vos peço, é de deixar-me a minha liberdade, como vos deixo a vossa. Se procurais me afastar, pelo medo de que vos suplante, é que não estais muito seguros de vós."
O Espiritismo não procurando afastar nenhum dos concorrentes na liça aberta às ideias que devem prevalecer no mundo regenerado, e nas condições do verdadeiro livre pensamento; não admitindo nenhuma teoria que não esteja fundada sobre a observação, ele está, ao mesmo tempo nas do mais rigoroso positivismo; tem, enfim, sobre seus adversários de duas opiniões contrárias extremas, a vantagem da tolerância".
O que os "espíritas" se esquecem é que Kardec escreveu claramente que, para crer, é preciso compreender, ou seja, ter conhecimento rigoroso sobre uma coisa. Para obter compreensão, é preciso fazer uso do julgamento, ou seja, da avaliação, do exame, do questionamento.
Kardec descreve que o Espiritismo verdadeiro, o que ele codificou, "procura se dar conta de tudo antes de nada admitir", ou seja, antes que pudesse admitir ou, ao menos, supor alguma coisa, ele deve conhecer e verificar alguma ideia, saindo do círculo das observações habituais e sem repousar em teorias preconcebidas e hipotéticas, mas sobre a experiência e a observação dos fatos.
O pedagogo deixa claro, quando comenta: "(...) em lugar de dizer: 'Crede primeiro, e compreendais em seguida, se o puderdes', ele (o Espiritismo) diz: 'Compreendei primeiro e crereis em seguida se o quiserdes'". Está explícita a preferência do questionamento à fé, da observação que pode desmanchar impressões e dogmas que a crença religiosa simplesmente manteria de pé.
Se prestarmos atenção no texto, o "movimento espírita" simplesmente seria pego sem as roupas na mão. O texto desmascara os "espíritas" na sua teimosia em se manter em crendices religiosas, muito mal disfarçadas pelo simulacro de ciência que fazem, pelo malabarismo das palavras em que ideias opostas entre si "convivem harmoniosamente" sob os laços frágeis da "bondade".
O trecho final de Allan Kardec neste artigo é, na verdade, uma punhalada violenta nos "espíritas" brasileiros, quando fala que o Espiritismo tem na tolerância a vantagem sobre opiniões extremamente opostas - o cientificismo exagerado, que mais complica do que busca o Conhecimento, e a fé extrema, que prejudica o esclarecimento.
Com isso, Allan Kardec desmontou o castelo de areia armado pelos "espíritas" brasileiros, apoiados tanto num falso racionalismo de palavras rebuscadas, ideias confusas e textos prolixos quanto num religiosismo fanático de crenças fantasiosas e verdades absolutas construídas através de suposições.
Com isso, o proselitismo religioso travestido de "mediunidade", as fantasias sobre o mundo espiritual e os paralelismos católicos disfarçados em "práticas espíritas" são desmascarados pelo tranquilo processo de raciocínio lógico, questionamento e verificação de contradições e equívocos. Portanto, questionar o "espiritismo" brasileiro não é questão de intolerância, mas de pura observação.
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