O sonho dormido de Francisco Cândido Xavier, sabemos, foi transformado em "profecia" pelo status que ele ganhou com a ajuda da FEB, que o fez famoso feito um verdadeiro astro pop do "movimento espírita".
É evidente que as conveniências favoreceram tudo isso, mas o sonho de Chico Xavier não tem lá muita importância. Era apenas um sonho comum, relacionado à viagem de astronautas norte-americanos à Lua e a manifestação de certos temores pessoais de Chico.
Este sonho é igual ao que qualquer um sonha. Se atribuíssemos a todo mundo a missão "profética" de cada sonho, o mundo seria uma bagunça, com todo o conflito de neuroses e traumas pessoais de certos indivíduos, ou de perspectivas e fantasias de outros.
O que se deve levar em conta, quanto a esse conho que Chico Xavier teve poucos dias depois à viagem de astronautas à Lua, em 20 de julho de 1969, é o pano-de-fundo ideológico que o Brasil vivia e que exerceu influência decisiva na personalidade, que sabemos conservadora, do anti-médium de Pedro Leopoldo.
O Brasil vivia os primeiros meses do Ato Institucional Número Cinco (AI-5), decretado pelo governo militar depois que o general presidente Artur da Costa e Silva se reuniu com seu ministério. O AI-5 foi a reação drástica feita diante da eclosão de protestos diversos que dominaram o país desde 1966 e que haviam atingido o ponto máximo em 1968.
E o que diz o sonho de Chico Xavier? Diz que o Brasil tem grandes chances de se tornar a "nação mais poderosa do mundo" e que a chegada de uma tripulação humana ao solo lunar inspiraria uma guerra espacial ou, ao menos, confrontos bélicos que destruirão o Primeiro Mundo, juntamente com o terrorismo do Oriente Médio e as catástrofes na Ásia, Europa e Oceania.
Só que o sonho de Chico Xavier tem um caráter fantasioso, nos moldes que seriam conhecidos a partir daquele ano de 1969, em setembro, quando começou a entrar no ar o Jornal Nacional da Rede Globo.
Assim como Xavier, o Jornal Nacional que marcou a ditadura militar era marcado por uma narrativa que creditava o exterior como uma área de conflitos, enquanto o Brasil era o "maior dos paraísos". Até parecia que o empresário Roberto Marinho vivia as perspectivas de Data-Limite Segundo Chico Xavier.
A essas alturas Roberto Marinho deve ter feito as pazes com Chico Xavier, já que, tempos depois, tornou-se conhecida a parceria da Globo Filmes e da FEB para a produção de filmes "espíritas" que bem estão de acordo com a narrativa novelesca que já dominava os chamados romances "mediúnicos".
Afinal, se foram os católicos tradicionalistas que sentiram horror ao hibridismo chiquista e vieram os católicos heterodoxos, que ficam felizes ao ver que, com toda a excentricidade, o "espiritismo" popularizado por Chico Xavier mantém-se fiel à essência do Catolicismo medieval português, mas em bases mais flexíveis conforme as demandas da atualidade.
No Brasil do sonho de Chico Xavier era, porém, um país cruel, em que os descontentes, quando puderam, saíram do país para buscar asilo no exterior. Nossas melhores mentes, para se preservarem, teriam que viver fora do Brasil, mas nem todos tinham a mesma sorte. Uns eram presos, torturados e mortos, e, quando assassinados, tinham seus corpos escondidos em terrenos quaisquer.
A imprensa, mesmo a mais conservadora, tinha que mostrar seu conteúdo para representantes da Censura Federal designados para fiscalizá-los. Programas de entretenimento tinham que enviar roteiros. Peças teatrais idem. Concertos musicais também. E por aí vai.
Para suavizar a dureza do regime, era feita uma propaganda ufanista que se guiava pelo plano de desenvolvimento econômico que só beneficiava a classe média. O ufanismo era também um preparativo para o espetáculo da Copa do Mundo do México de 1970. O povo que tinha que aguentar a carestia e fazer malabarismos para manter as contas e a alimentação em dia, com um salário sufocante.
Chico Xavier, dois anos depois, manifestou-se favorável à ditadura militar, como confirma o registro do programa Pinga-Fogo, da TV Tupi de São Paulo, em 1971. Ele chegou a evocar argumentos que mesmo muitos conservadores deixaram de usar, atacando João Goulart, o operariado, o campesinato e o movimento estudantil, numa crueza que poucos conseguem ver em Chico Xavier.
Portanto, a "profecia" da "data-limite" é algo risível, citando vindas de discos voadores, destruição do "velho mundo" e um apelo para a "solidariedade" católica, uma "fraternidade de final de missa" que não resolve as animosidades das pessoas. Sendo o sonho "vivido" durante a ditadura militar pelo conservador Chico Xavier, há que se duvidar muito de seu suposto progressismo.
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