sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Chico Xavier plagiou até o Amigo da Onça!


Isso nem de longe é uma ironia ou uma piada jocosa. É algo grave, sério, talvez nem seja para rir. Francisco Cândido Xavier, nos seus relatos sobre o sofrimento humano, imitava ninguém menos que o personagem Amigo da Onça, muito popular na mesma época em que o anti-médium mineiro se tornava um fenômeno controverso que encarava acusações de plágio e processos judiciais.

Muitos nem se lembram do Amigo da Onça, mas ele foi um dos personagens de histórias em quadrinhos mais populares do século XX, Criado pelo cartunista pernambucano Péricles Maranhão (1924-1961), sob encomenda dos Diários Associados, o personagem tinha uma página, geralmente a última, da revista O Cruzeiro, com suas famosas tiradas.

O nome Amigo da Onça se baseou numa antiga anedota popular, que era narrada mais ou menos assim:

Dois caçadores conversam em seu acampamento:
— O que você faria se estivesse agora na selva e uma onça aparecesse na sua frente?
— Ora, dava um tiro nela.
— Mas se você não tivesse nenhuma arma de fogo?
— Bom, então eu matava ela com meu facão.
— E se você estivesse sem o facão?
— Apanhava um pedaço de pau.
— E se não tivesse nenhum pedaço de pau?
— Subiria na árvore mais próxima!
— E se não tivesse nenhuma árvore?
— Sairia correndo.
— E se você estivesse paralisado pelo medo?
Então, o outro, já irritado, retruca:
— Mas, afinal, você é meu amigo ou amigo da onça?

O personagem virou um símbolo da hipocrisia humana, da insensibilidade das pessoas, da existência daqueles que sentem prazer pelo sofrimento alheio e não percebem a enrascada que os outros entram, a ponto de entregá-las a situações humilhantes, se a ocasião permitir.


E como Chico Xavier entra nessa, ele que é visto como "acima de qualquer suspeita", em que pesem as situações sombrias de sua trajetória, que envolveram acusação de plágio, processos judiciais, participação de fraudes, defesa do golpe de 1964, da ditadura militar, do AI-5 e até da eleição de Fernando Collor, e até numa possível "queima de arquivo" do próprio sobrinho.


Chico, o criador de frases bonitinhas, o artífice da falsa modéstia transformada num arremedo de "autêntica humildade", na verdade um jogo de palavras em que se trabalham dicotomias como "sabedoria / ignorância", "voz / silêncio", "riqueza / pobreza" e "força / fraqueza", era também dado a comprazer-se do sofrimento alheio.

Ele, o dócil censor das críticas e dos questionamentos, sempre reprovava o exame, a contestação, a queixa, tendo sido um dos maiores anti-ativistas sociais do Brasil, porque Chico Xavier é o símbolo máximo do "ativismo às avessas", aquele em que a ação é substituída pela oração, a voz pelo silêncio e o raciocínio pelo amor.


Algumas frases de Chico Xavier são bem Amigo da Onça, e seu desfile de "palavras de amor" eventualmente era colocado em nome de outros, como Meimei, Humberto de Campos e Auta de Souza, "sequestrados" pela "mediunidade" obsessiva de Chico.

Em outros casos, há também as palavras de Emmanuel, único espírito que teria mesmo se manifestado sobre Chico, ou de André Luiz, na verdade personagem fictício do amigo Waldo Vieira, do qual descreveremos depois, e cujos livros contou com a colaboração de Chico.

Mas vamos a frases de Chico Xavier como ele mesmo, e uma delas é um daqueles apelos que ele faz: se você sofre e tudo ocorre de errado em sua vida, fique em silêncio, sorria, ame e ore. Vejamos uma delas?

"Se o momento é de crise, não te perturbes, segue... Serve e ora, esperando que suceda o melhor. Queixas, gritos e mágoas são golpes em ti mesmo. Silencia e abençoa, a verdade tem voz".

Outra frase é um retrato do conformismo que se tornou a bandeira ideológica de Chico Xavier, que no fundo não aguentava questionamentos e achava que era melhor vivêssemos calados e orando, do que lutar para superar ou mesmo eliminar a razão de nossos sofrimentos

"A sabedoria superior tolera, a inferior julga; a superior perdoa, a inferior condena. Tem coisas que o coração só fala para quem sabe escutar!"

Aguentar tudo, aceitar tudo, se conformar, não falar, não reclamar, não contestar. Se tudo dá errado, fiquemos na prece em silêncio. Se somos maltratados, falemos docilmente aos nossos algozes para moderar, maltratar menos, ainda que eles reajam com mais fúria. Mas aí fiquemos em silêncio, orando, orando, orando, e se terminamos mal, temos ainda que sorrir.

Seria preciso percorrer os vários livros de Chico Xavier para colher mais exemplos. Muitos livros prolixos, outros mistificadores, e outros bastante moralistas. Todo um receituário para defender o masoquismo espiritual dos brasileiros, famosos por aceitar as coisas de bandeja, sobretudo as que vêm "de cima", seja de Chico Xavier, do general Médici, de Jaime Lerner ou do Luciano Huck.

PÉRICLES MARANHÃO, CARTUNISTA QUE, AOS OLHOS DO "ESPIRITISMO" BRASILEIRO, COMETEU O "CRIME HEDIONDO" DE TER-SE SUICIDADO.

É a mesma coisa que se vê no Amigo da Onça, em que o sofrimento humano é visto com alegria pelo famoso personagem, gentil diante do sofrimento das pessoas. Só faltou o Amigo da Onça, ao ver uma pessoa no precipício, vendo seu único galho de sustentação se rachar, dizer tão bondosamente para a pessoa não gritar e orar com silêncio e resignação na hora da queda fatal.

Péricles Maranhão passou quase duas décadas criando tiras com o Amigo da Onça. Mas o sucesso acabou repercutindo de tal maneira que Péricles começou a receber gozações por causa do seu personagem, através de piadas maliciosas que as pessoas lhe dirigiam nas ruas.

Deprimido, Péricles, em sua casa no Rio de Janeiro, decidiu se matar inalando gás de cozinha, deixando um bilhete avisando para a família não riscar fósforos. Foi em 31 de dezembro de 1961, duas semanas da tragédia do Gran Circo Norte-Americano, em Niterói, que comoveu o mundo inteiro e cujo impacto emocional ainda era vivido na época.

Péricles foi substituído por Carlos Estevão, cartunista de muito sucesso na época, autor de personagens como Dr. Macarra, também publicado em O Cruzeiro. Estevão conseguiu herdar o espírito criativo do colega em O Amigo da Onça, que sobreviveu vários anos até a morte do outro cartunista, em 1972.

NOSSA CHARGE.

Na ótica do "espiritismo" da FEB e de Chico Xavier, Péricles teria cometido um "crime hediondo", o de cometer suicídio, que o moralismo "espírita" define como crime pior do que o homicídio, uma postura bastante surreal, porque muito mais grave é tirar a vida de outro, criando prejuízos alheios, do que investir no prejuízo próprio de tirar a própria vida.

Aí nos lembramos da herança de Jean-Baptiste Roustaing sempre vivo no "espiritismo" brasileiro mas agora redivivo e adaptado ao contexto brasileiro por Chico Xavier, do qual o homicídio tem um suposto atenuante baseado no mito dos "resgates espirituais", que fazem o homicida ser visto como um "justiceiro da Lei de Causa e Efeito". Espécie de jagunço terreno dos interesses dos "coronéis do além".

A um Chico Xavier que dizia que a "sabedoria superior" não julga nem condena, símbolo máximo de "sabedoria", "caridade" e "consolação", se esqueceu de tudo isso quando, em 1966, no livro Cartas e Crônicas, usando o nome de Irmão X (não podia mais usar o nome Humberto de Campos para evitar "novos dissabores", ou seja, novas ações judiciais).

Xavier julgou e acusou as vítimas sofredoras de terem sido romanos sanguinários, que viveram na Gália (atual França) e tiveram prazer em ver pessoas sendo tiradas de casas para, amontoadas em estádios, serem queimadas em cerimônias sanguinárias.

O "caridoso" Xavier foi derrotado pelo humanismo do "louco" Profeta Gentileza, que preferiu ajudar as pessoas sem fazer acusações, assistindo os familiares das vítimas do incêndio do circo de Niterói, ocorrido no final de 1961, apenas pelo interesse de ajudar.

Como um verdadeiro Amigo da Onça. Sem o lado cômico e divertido da criação imortal de Péricles Maranhão.

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