sábado, 19 de agosto de 2017
Intolerância religiosa? Não seria concorrência religiosa?
Há muito mito em torno da intolerância religiosa. Na verdade, a intolerância é apenas um pretexto para a concorrência religiosa, e as religiões, salvo raras exceções - o "espiritismo" brasileiro NÃO É uma delas - , querem apenas disputar espaços e ampliar domínios.
O discurso vitimista apareceu, recentemente, nas manifestações de supremacistas de Charlottesville, no Estado da Virgínia, EUA, quando fizeram sua marcha. Eles reclamavam que eram "vítimas de humilhações" e adotavam um discurso vitimista. Em certo sentido, eles também reclamavam da "intolerância" contra eles.
Tempos atrás, as seitas neopentecostais também faziam um discurso de que sofriam "intolerância" e "preconceito". Hoje, são os mesmos que, com representantes no Congresso Nacional, a chamada "bancada da Bíblia", estabelecem projetos que se voltam claramente à exclusão social e à intolerância às chamadas minorias sociais.
É preciso ter cautela com esse discurso de intolerância, porque, por outro lado, há a permissividade das religiões de se imporem à realidade e criarem um "mundo paralelo" que, agindo em supremacia sobre a realidade objetiva, pode se tornar perigoso.
Tolerar religião não pode ser sinônimo de tolerar mentiras ou supremacias. A religião não está acima da humanidade nem da realidade, a fé não está acima da lógica e do bom senso. Paciência, o ser humano é um ser racional e a falácia do "tóxico do intelectualismo" só serve para que o obscurantismo de certas crenças não deva ser questionado.
O "espiritismo" brasileiro, cada vez mais se transformando numa versão repaginada do velho Catolicismo jesuíta e medieval do Brasil-colônia, usa o pretexto da "intolerância" para não ser duramente criticado. A traição que a doutrina brasileira faz dos ensinamentos de Allan Kardec é notória e explícita, mas os "espíritas" querem se manter em contradições e ainda se acham "rigorosamente fiéis" ao pedagogo francês que traem com muito gosto.
A realidade é que religiões são criações humanas. Elas podem perecer, desaparecer e coisa e tal. Isso é muito doloroso para muitos e o que se nota é que vários movimentos de extrema-direita e de grupos jihadistas se apoiam na religião para estabelecer sua supremacia.
O problema é que a "intolerância do eu" é que é sempre lamentável, vista como injustiça e preconceito. Mas a "intolerância do outro" é que é "necessária". O "eu" tem seus espaços, mas quer o do "outro", e se o "outro" rejeita o avanço do "eu", o "eu" é "discriminado". Mas se é o "outro" que perde os espaços pelo avanço do "eu", então o avanço é "merecido", é uma "conquista de espaço".
Na cultura popular, manifestações de valor duvidoso trabalhadas pela mídia empresarial, definidas como "brega" ou "extremamente popular", durante anos usaram a desculpa do "preconceito" para ampliar seus espaços e se inserir nos redutos de gente considerada mais culta e instruída. O midiático "funk" é um típico exemplo desse discurso ativista.
Enquanto isso, manifestações culturais autênticas, mesmo as de origem pobre, são tão discriminadas que correm o risco de virar peças de museu. O samba está morrendo aos poucos e sofrendo a supremacia de formas caricaturais - o chamado "pagode romântico" - que apenas imitam o som de uma meia-dúzia de sambistas genuínos que as rádios permitem tocar.
As mulheres-objetos, fruto de uma ideologia machista, também quiseram se apropriar do feminismo de forma que o próprio feminismo virasse refém de glúteos apelativos. Pior: criticar isso era visto como "machista", enquanto as mulheres-objetos vendiam a imagem de "donas do corpo" ostentando para machistas sexualmente desvairados nas redes sociais.
Criticar a degradação da cultura popular também foi visto como "intolerância" e "preconceito". Mas era o "preconceito do eu", a "intolerância do eu". Quantas vezes uma Emma Watson, com seu feminismo humanista, foi esculhambada pelas feministas brasileiras que defendiam o "feminismo" de glúteos siliconados, da embriaguez toda noite e do cigarro que destrói o organismo aos poucos.
Voltando ao "espiritismo", quantas vezes os "espíritas" se esquecem do "eu", quando falam para os outros aceitarem as adversidades da vida? Aos "outros", pedem paciência, resignação, amor ao sofrimento, abandono de necessidades, confundindo qualidade de vida com luxo.
Eles falam ao "outro" como se este fosse o "eu". Mas o palestrante "espírita", ele mesmo o "eu" do seu discurso, não tem paciência para a chegada ao céu, insistindo numa carreira de palavras bonitas, que escondem e disfarçam, de maneira cosmética, as arrepiantes contradições que comete ao trair os ensinamentos de Allan Kardec com ideias igrejeiras.
E o que dizer do suposto médium Divaldo Franco? Criticá-lo faz muitas pessoas tremerem de medo e muitas lágrimas se derramam diante de tantos comentários contra seu ídolo religioso. Mas Divaldo, com sua verborragia e pose de mansuetude, fez um juízo de valor severo contra refugiados do Oriente Médio, acusados, na cara dura, de terem sido "colonizadores sanguinários que queriam recuperar seus tesouros na Europa".
Diante desta e de tantas coisas, refletimos que o discurso de intolerância religiosa requer muita cautela. Há intolerâncias e "intolerâncias". A a intolerância às crenças afro-brasileiras, uma injustiça contra a manifestação cultural de um povo com sua cultura própria. Essa intolerância, sim, deve ser questionada e combatida pela sociedade, respeitando uma cultura de um povo diferente.
Já no caso do "espiritismo" brasileiro, ele nem de longe sofre intolerância. É blindado pela mídia e sua contradições e irregularidades - sobretudo nas atividades ditas "mediúnicas" - são até aceitas e estimuladas pela sociedade. O "espiritismo" é até protegido demais e a menor crítica, mesmo construtiva, faz seus palestrantes chorarem. Intolerância, mesmo, vem dos próprios "espíritas", que não aceitam críticas.
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