sexta-feira, 5 de janeiro de 2018
A estranheza de quem pede aos outros para aguentar o sofrimento
As pessoas acham lindo quando palestrantes religiosos, em especial os "espíritas" fazem apologia ao sofrimento alheio. Há tantas e tantas pregações nesse sentido, com estranhíssima insistência, apelando para os sofredores abrirem mão até de suas necessidades e combaterem os "inimigos em si mesmos" que a gente até pergunta se não há veneno em palavras assim tão disfarçadas pelo sabor de mel.
Temos que abrir mão de paixões religiosas, de nos guiarmos pelos apelos emocionais que nos fazem depositar confiança cega àqueles que não merecem metade do nosso crédito. Pode parecer cruel se dissermos isso, mas alguém pensou se, caso Adolf Hitler, o sanguinário ditador nazista, tivesse adotado o discurso e o aparato amoroso dos "espíritas", mesmo mantendo todo a a sua atrocidade contra os judeus, as pessoas o divinizariam e reivindicariam até o Nobel da Paz?
Revelou-se que Madre Teresa de Calcutá maltratava os pobres e doentes que ela alojou nos estabelecimentos das Missionárias da Caridade, em Calcutá. Deixava-os expostos uns aos outros, oferecendo risco de contágio de doenças graves, os deixava mal alimentados, sem higiene, em camas desconfortáveis - antes nem isso havia - e eram remediados apenas com paracetamol ou aspirina e recebiam injeções em seringas sujas e reutilizadas, que só eram "lavadas" com água de bica.
Isso é, na prática, um holocausto. E se baseia numa teoria que dá um caráter açucarado ao holocausto, que é a Teologia do Sofrimento, uma corrente que prevaleceu no Catolicismo da Idade Média e que se baseava na falácia de que quanto mais sofrimento a pessoa tiver, mais curto será o caminho para o "céu", ao qual se atribuem supostas caraterísticas análogas à vida terrestre. É aquela ideia do "quanto pior, melhor".
As pessoas se comovem felizes sem perceber alguns problemas em religiosos que pedem tanto para os sofredores aguentarem as piores coisas da vida. Ninguém percebe que, ao se fazer a apologia do sofrimento de outrem, mesmo nas ditas "estórias de perseverança e superação", que não só se está seguindo a perversa e medieval Teologia do Sofrimento como se está, diante do caso da condenação de Jesus de Nazaré, tomando não a posição deste, mas a dos tiranos do Império Romano.
O SOFRIMENTO DE JESUS E OS DEVOTOS DE PÔNCIO PILATOS
Costuma-se atribuir a apologia ao sofrimento humano ao "admirável caso" de Jesus crucificado. Chega-se à tolice de pedir para as pessoas, alegremente, "carregarem a sua cruz". Quanta bobagem! Só que, pensando bem, quem age assim não está sendo solidário com Jesus, mas concordando com a condenação dos tiranos do Império Romano.
Muitos estão sendo devotos de Pôncio Pilatos, sem saber. Quem faz apologia ao sofrimento humano está defendendo, não a humildade de Jesus, mas a tirania dos poderosos, de Pôncio Pilatos a Michel Temer. Ficamos perguntando se os partidários da Teologia do Sofrimento não sentem um oculto prazer em ver a imagem, que normalmente deveria ser traumática, de cadáveres amontoados após o genocídio nazista.
Isso porque, quando se alegra com o sofrimento de Jesus de Nazaré, a pretexto de suposta superação, no martírio do caminho para a condenação na cruz, se está tendo prazer com o sofrimento alheio, até mesmo com aquele êxtase religioso que provoca a masturbação com os olhos da comoção fácil e premeditada. Com isso, as pessoas acabam ficando do lado não dos sofredores, afinal as pessoas acabam sentindo gozo com o sofrimento alheio, mas ao lado dos algozes.
Quem apela demais para o sofrimento do outro, e insiste para este abrir mão de tudo - abra mão, se preciso, até do café da manhã, pois um copo d´água e um pão dormido "já bastam para manter alguém vivo" - , das necessidades, dos desejos, das vocações pessoais, virando escravo das circunstâncias adversas e forjar superação do nada, é porque não sofreu de verdade na vida.
Claro que o discurso tem dessas coisas e muita gente costuma desmentir, até com certa arrogância, aquilo que faz. Palavras costumam ocultar atos. "Não defendo o sofrimento humano, apenas digo que o sofrimento ensina!", "Eu não vivo na moleza, vivo na divulgação da boa palavra", argumentam, como se comercializar umas palavrinhas piegas de auto-ajuda fosse comparável à árdua peregrinação de Jesus para denunciar injustiças e a hipocrisia humana no tempo de uma sociedade brutal.
Ah, os defensores do sofrimento alheio viajam em aviões de primeira classe, se hospedam em hotéis cinco estrelas, almoçam do bom e do melhor, fazem turismo nas cidades mais badaladas, e fazem palestras em lugares caríssimos difundindo mensagens piegas com oratória rebuscada e teatralizada. Nada que se possa comparar com um Jesus preocupado com a sociedade retrógrada e grotesca do seu tempo e enfrentava fome e sol incandescente para denunciar a hipocrisia e a ganância humanas!
Ou seja, quem pede aos outros a resignação com o pior sofrimento é porque não sofreu de verdade na vida. Quem é que gosta de sofrer derrotas pesadas, viver momentos sob ameaças diversas, perder o sono diante de impasses terríveis e riscos fatais diversos? Quem é que gosta de perder tudo ou ser impedido de fazer o que necessita, mesmo para seu progresso espiritual, e aceitar as limitações graves de bandeja? Ninguém que tenha que enfrentar tão pesadas adversidades.
Quantas irritações, tristezas, medos, depressões etc as pessoas enfrentam quando encaram o pior sofrimento! Quantos sonos se perdem, quantas indisposições e pavores surgem, quantos traumas de difícil superação aparecem, quantos ódios se desenvolvem e quantos maus sentimentos surgem, e, como se não bastasse, quantos desejos de suicídio, vinganças, homicídios e agressões os sofredores também não têm diante de desgraças que surgem como um bombardeio de infortúnios na vida!
Quem gosta de ver as pessoas nessa situação é quem não viveu os piores sofrimentos da vida. Daí os pregadores do sofrimento alheio, que, com seus aviões refrigerados e o conforto de suas palestras para os ricos e as boas hospedagens e boas refeições, ficam pedindo para os outros aceitarem o pior sofrimento, a ponto de tratar o ronco de estômagos famintos como se fosse música, e criar uma felicidade do nada.
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