sábado, 4 de fevereiro de 2017

Brasil precisa de um freio para deter as elites reacionárias


O reacionarismo social está intenso e o grau de humanidade zero se observa em pessoas que se dizem instruídas, de boa posição social e cujas vidas são conduzidas pela religiosidade. O terrível cenário dos últimos meses, em que as elites começaram a despejar preconceitos sociais escancarados, revela que o Brasil de Michel Temer é, na verdade, um gigantesco pesadelo social.

Temos moralistas sem moral, defendendo redução de salários, fim dos serviços públicos e gratuitos e que dão pitacos até nas relações amorosas dos outros. Pessoas que já não medem escrúpulos em defender a escravidão, o sucateamento das instituições públicas, em defender que as riquezas brasileiras sejam entregues aos estrangeiros etc. Vivemos um surto reacionário no qual as elites acham que podem fazer o que querem.

Empresários que já não escondem seus surtos elitistas. Juristas que não escondem seu moralismo medieval. E há até mesmo religiosos, como os "espíritas", que pedem para os sofredores aguentarem seu sofrimento "sem queixumes" e, de forma bem suspeita, "misericórdia" para os algozes que cometem seus abusos, porque estes "um dia terão o que merecem" (provavelmente na próxima encarnação - é o "fiado espírita").

Que a sociedade elitista tinha lá seus surtos de violência, como os assassinatos do campo e os crimes de feminicídio, movidos respectivamente pelo "direito à propriedade" e "legítima defesa da honra", é óbvio, mas hoje o reacionarismo social está indo longe demais.





Pessoas que pedem morte a petistas - reproduzimos, via Diário do Centro do Mundo, uma seleção de comentários no Facebook pedindo a morte da ex-primeira-dama Marisa Letícia, mulher do ex-presidente Lula, que sofreu acidente vascular cerebral - , se arrepiam quando se fala que um rico homem que matou a própria esposa ou namorada por ciúme doentio, possa, pelas próprias pressões emocionais que sente, sofrer um infarto fulminante, sobretudo antes de 50 anos.

A título de exemplo, quando se lembrou do antigo crime feminicida do empresário Doca Street (que matou a socialite Ângela Diniz em Búzios, por ciúme doentio), que no final do ano passado completou 40 anos, a imprensa relembrou o fato sem esclarecer os leitores se Doca morreu ou continua vivo.

Há rumores de que Doca ainda está vivo, mas realiza tratamento contra um câncer, contraído pelo seu passado de fumante inveterado. Por ironia, Doca atingiu em 2016 a mesma idade do músico canadense Leonard Cohen, 82 anos, que, depois que lançou seu derradeiro álbum, se declarou "pronto para morrer". E morreu. Independente do paradeiro de Doca, é doloroso demais para a sociedade patriarcalista saber que ele pode morrer um dia. Certos brasileiros "não podem morrer".

Há um grande medo, quando a tragédia chega nas portas das elites. O homem que é capaz de cercar sua própria esposa ou namorada num quarto doméstico para alvejá-la a tiros ou matá-la a facadas, é o mesmo que tem medo de morrer de repente, seja no leito de um hospital, seja infartando em casa, ou caindo na rua por algum mal súbito.

As mulheres podem ser mortas antes dos 40 anos ou até dos 30 ou 25, mas seus assassinos não podem morrer antes dos 85. Morrer aos 50, então, soa "ofensivo". Estes podem "reconstruir" suas vidas - na verdade, uma recuperação inútil de atributos materiais, uma reconstrução de suas vaidades e privilégios mundanos - , mas suas vítimas tiveram encarnações para sempre extintas, cabendo reencarnar do zero, porque o mundo nunca permanece o mesmo.

Isso mostra o tom da sociedade moralista em que vivemos. Uma sociedade surreal que já aceita que se mantenham as injustiças sociais por possuírem uma visão medieval de justiça social, revela o profundo atraso em que se vive o Brasil. Há espíritos atrasados que, dependendo do tipo, pensam que ainda vivem nos EUA macartistas ou no auge do Império Romano.

As elites no Brasil se mostram mofadas, emboloradas. Fazem a chamada "revolta do bolor", no qual há a indignação do bolor contra o fungicida. O Brasil sempre teve como cacoete negociar o novo com os padrões velhos, toda novidade era sempre filtrada por aspectos velhos, pois, em vez do novo combater o velho, o novo se adapta e se molda de acordo com o velho.

É isso que faz com que, por exemplo, o "espiritismo" brasileiro tenha se moldado não no cientificismo de legado iluminista de Allan Kardec, mas pelo Catolicismo jesuíta do Brasil colonial, herdeiro do Catolicismo português, de orientação medieval. Embora os "espíritas" tentem alegar que "repudiam" a teocracia medieval católica, demonstram terem herdado seus postulados. Um livro como Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho tem conteúdo puramente medieval.

O que ocorreu foram adaptações, como permitir que a expressão do pensamento científico e intelectual se limitasse às suas especialidades, ou agisse para confirmar ou sustentar as teses igrejeiras e misfiticadoras dos "espíritas". Quando a ciência se ajoelha aos pés do igrejismo "espírita", tudo bem. Quando se submete a apoiar a figura festejada, porém retrógrada, de Chico Xavier, os "espíritas" batem palmas para os cientistas e intelectuais.

Mas quando o "espiritismo" recebe, da Ciência e das demais atividades intelectuais, uma série de questionamentos sobre suas práticas e dogmas, investigando irregularidades e tudo, os "espíritas" mostram seu lado cruelmente medieval, criminalizando a ciência através de juízos de valor perversos por meio de expressões como "overdose de raciocínio" e "tóxico do intelectualismo".

A sociedade precisa se renovar e as estruturas de status quo estão sendo extremamente caducas, podres, obsoletas. Algum freio tem que ser imposto às elites que, protegidas pela "superioridade" material do dinheiro, da fama, do poder político, da posição empresarial, do diploma tecnocrático e do prestígio religioso, estão cometendo seus abusos e suas visões retrógradas da sociedade, tratando valores perecidos como se fossem "coisa nova".

Do empresário Flávio Rocha, da rede de lojas Riachuelo, que defendeu a precarização do mercado de trabalho, à pediatra "espírita" que se recusou a atender uma criança vítima de estupro alegando "resgates espirituais", passando por internautas reacionários que existem aos montes nas redes sociais, é preciso uma sacudida para evitar que tais abusos sejam cometidos.

Os retrocessos do Brasil são excessivos e estão deixando o resto do mundo de cabelos em pé. Mas pelo menos acabou-se a ilusão do "Coração do Mundo", porque, a dois anos da "data-limite", não há meios do Brasil retomar as condições determinadas para tal supremacia político-religiosa. Ainda bem. Afinal, queremos um Brasil mais justo, e não mais um império teocrático a mandar no planeta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.