sexta-feira, 6 de maio de 2016

Imprensa brasileira nunca investiga o "espiritismo" brasileiro


Ninguém investiga o "espiritismo" brasileiro. Nem a imprensa. Mesmo um programa como Profissão Repórter, da Rede Globo, que se compromete em fazer jornalismo investigativo e ser uma exceção interna dentro da tendência facciosa e manipuladora dos fatos da famosa emissora, só apreciou, de forma puramente descritiva, as atividades de "centros espíritas".

Sabe-se que o "espiritismo" deturpou os ensinamentos de Allan Kardec, colocou Jean-Baptiste Roustaing debaixo do tapete - o autor de Os Quatro Evangelhos é renegado no discurso, mas seguido na prática - e usa pretextos como "bondade" e "caridade" para camuflar a desonestidade doutrinária.

Há também uma tendência de aumentar, fora do circuito midiático, os questioamentos em torno das atividades mediúnicas, que no Brasil não vão além do faz-de-conta, com mensagens que refletem o estilo pessoal do "médium" e que quase sempre mostram clara propaganda religiosa.

Mas isso ocorre fora da mídia. Dentro dela, ainda há aquela ilusão de "autenticidade", com os "médiuns" fazendo os papéis de dublês de filósofos, profetas, conselheiros sentimentais, filantropos e outras atribuições.

É certo que o jornalismo investigativo, na mídia ultraconservadora brasileira, é uma atividade em extinção. O que a revista Veja faz não é jornalismo investigativo, mas um pastiche grosseiro e cheio de erros e fraudes. A Veja é capaz de entrevistar até bandidos se a finalidade é desmoralizar o Partido dos Trabalhadores e seus líderes.

A grande imprensa está desinformando e mesmo antigos jornalistas exemplares, como Augusto Nunes e Ricardo Noblat, hoje vivem de surtos reacionários histéricos, do nível de calouros de faculdade de Jornalismo. Aliás, a Folha de São Paulo havia contratado Kim Kataguiri, um jovem que escreve artigos com a superficialidade, o primarismo e os erros de informação de um estudante de uma escola ruim de ensino fundamental.

Não há como esperar, numa imprensa séria como esta, jornalistas do nível de Carl Bernstein e Bob Woodward, que investigaram os bastidores da campanha de Richard Nixon para a presidência dos EUA, em 1973, revelando um dos maiores escândalos políticos daquele país.

Se no âmbito político a grande imprensa está mais afeita a inverdades e juízos de valor, e, fora disso, tolices como redescrever os movimentos nos shopping centers para as compras de tal efeméride e noticiar o cãozinho que dança e faz pirueta para sua dona, então não há como pensar em imprensa séria no país, a não ser fora da grande mídia, sobretudo na Internet.

A grande mídia distorce os fatos e cria um país de mentira. Cria uma cultura popular caricata e debiloide, sob o apoio do latifúndio. Cria um feminismo maluco, de mulheres-objetos que acham que ser "solteira e feliz" é exibir o corpo "turbinado" o tempo todo. Até nerds, roqueiros, intelectuais e outras "tribos" são abordadas da pior forma caricatural possível.

Então, não há como esperar que acusações de charlatanismo sejam investigadas. Indícios de comprovação aparecem, através de comparação de conteúdo entre as obras reais dos autores já falecidos e a suposta obra espiritual, que claramente apresenta pastiches grosseiros.

Há muitas análises na Internet que, se fosse no Primeiro Mundo, teriam sido lançadas em primeira mão por jornalistas investigativos. Por exemplo, a prática de "leitura fria" nos "centros espíritas", a comunicação entre estas instituições em diferentes lugares, o propagandismo religioso que contamina até mensagens atribuídas a ateus etc.

Sabe-se que a "leitura fria", um dos exemplos de irregularidades no "espiritismo", consiste numa prática derivada do hipnotismo que se manifesta por uma entrevista em caráter "intimista" na qual o entrevistado, emocionalmente envolvido, fornece informações sutis não apenas pelo que é dito, mas da forma como se diz e se reage mediante certas ideias.

Em vez de uma investigação séria, o que se estimula é o conhecido "deixa pra lá", no qual bastam semelhanças vagas entre as "mensagens espirituais" e o que os alegados autores deixaram em vida para dizer que "tudo é legítimo". Cria-se a malandragem de alegar "veracidade" apenas pelas "palavras de amor" expressas em cada mensagem.

No exterior, verdadeiros ídolos religiosos são derrubados pela denúncia de escândalos. Há uma firmeza em relatá-los, investigá-los com isenção, não sucumbir à tentação fácil da complacência, basear-se nos fatos e não na publicidade religiosa. Sim, religião tem seu esquema de marketing.

A Cientologia, por exemplo, que é uma espécie de "espiritismo" mais complexo e engenhoso, no sentido de ser uma seita travestida de "filosofia científica", é investigada pela imprensa, tem livros e documentários lançados investigando as irregularidades e a opinião pública é informada desse lado sombrio.

Os cientologistas até rosnam de raiva, criam seus livros e documentários como "réplicas" e tentam lançar argumentos diversos em sua defesa. Têm os atores Tom Cruise e John Travolta para dar visibilidade positiva à sua doutrina. Mesmo assim, ninguém se intimida com isso.

Aqui, as pessoas se intimidam para não desafiar a "bondade" de certos ídolos religiosos. Livros investigativos até foram publicados, como O Enigma Chico Xavier Posto à Clara Luz do Dia (1944), de Attila Paes Barreto, lançado no calor do processo movido pelos herdeiros de Humberto de Campos.

Só de pensar sobre a necessidade de relançamento deste livro, os "espíritas" se apavoram. Aqui, há o medo de não abalar a reputação de ídolos religiosos como Chico Xavier e Divaldo Franco, graves deturpadores do legado kardeciano, mas pessoas associadas a paradigmas de "amor e bondade".

Enquanto o livro de Attila Paes Barreto permanece no esquecimento, não havendo sequer cópias em sebos - pelo menos nos sebos com páginas na Internet - , bobagens favoráveis a Chico Xavier são lançadas, repetindo o "feito" com Adolfo Bezerra de Menezes, o "dr. Bezerra", do qual se publicam mais fantasias de sua "vida espiritual" do que fatos concretos de sua vida parlamentar.

Chega-se ao ponto do aberrante lançamento de livros como Não Será em 2012 e Data-Limite Segundo Chico Xavier, entre outros que lançam e relançam as supostas profecias de Chico Xavier sobre a tal "data-limite" de 2019.

Para piorar, a hipótese dessas "profecias" não é unanimidade entre os seguidores do "médium" mineiro. O "médium" Ariston Teles, por exemplo, lançou uma suposta psicofonia atribuída a Chico Xavier desmentindo que tenha feito tais "previsões".

E isso é grave. Muito grave. Prefere-se lançar obras fantasiosas, de valor duvidoso, que nem são unânimes entre os adeptos de Chico Xavier. Tudo para fortalecer o mito, mesmo sob o risco de controvérsias internas entre os chiquistas.

Outro dado aberrante é considerar Divaldo Franco "o maior filantropo do Brasil" com a humilhante porcentagem de 0,001% de beneficiados anuais, comparados a dados da população do Brasil. Algo em torno de 2.540 indivíduos por ano. Cerca de 160 mil, em 63 anos de existência da Mansão do Caminho.

Só a título de comparação, o hostilizado Bolsa Família, dos governos Lula e Dilma Rousseff, tem cerca de 13,8 milhões de famílias pobres (não se fala em indivíduos, que devem ser bem mais) beneficiadas em 14 anos.

É pouco mais de um quinto o tempo da Mansão do Caminho e com uma quantidade de beneficiados bem maior. E nem por isso Lula e Dilma são considerados os maiores filantropos do Brasil, mas criminalizados por supostos erros que nunca foram devidamente comprovados, enquanto os de Divaldo Franco, como deturpador da Doutrina Espírita, possuem provas consistentes.

Num país em que a mentira, quando apoiada pela roupagem religiosa, é aceita sob o pretexto da "bondade", as pessoas não cobram transparência, e é por isso que vivemos num clima de preocupante incompreensão das coisas, o que faz com que esse cenário confuso do país tem a sua razão de ser. Enquanto há confusão, a coerência não encontra morada.

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