WHATSAPP NO SMARTPHONE E FUTEBOL - Dois refúgios dos brasileiros conformistas.
As arbitrariedades das autoridades são irreversíveis? Deus impôs a automação do trabalho agrícola, a derrubada do bairro popular do Pinheirinho, a pintura padronizada nos ônibus urbanos, o concurso Miss Bumbum, a Rádio Cidade como "rádio de rock" e Luciano Huck como o maior ativista do país?
Para muitas pessoas, parece que sim. Muitas dessas medidas, que envolvem mil retrocessos - da exploração fútil da beleza feminina, da domesticação do jovem rebelde pelo rádio, da confusão dos passageiros ao tentar identificar um ônibus pela mesma pintura, até mesmo ao endeusamento de um astro de TV ideologicamente conservador - são aceitas não porque elas são benéficas, mas por uma questão de status quo, subserviência e conformismo.
Se tudo isso fosse combatido com o mesmo empenho com que uma parcela dos brasileiros fazem para pedir o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, estaríamos salvos. Mesmo que seja para ter uma moradia popular e poder ir e vir de ônibus podendo reconhecer a empresa por sua identidade visual.
Só que muitos retrocessos acontecem no Brasil, em especial no Sul e no Sudeste e, em particular, no Estado do Rio de Janeiro, e as pessoas aceitam, num conformismo tão histérico que começa a reagir com discriminação contra aqueles que "reclamam demais", eufemismo para pessoas que levam sua indignação para além dos lamentos privativos de pequenos grupos sociais.
Há um surto provincianista e neoconservador no Rio de Janeiro, e isso causa apreensão, porque o Estado ainda é visto como modelo a ser seguido pelo Brasil. Se o Estado do Rio de Janeiro, com seus retrocessos, vende uma imagem de "sociedade ideal", os retrocessos passam a valer também em outras áreas, e isso pode ser pior para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste que começam a avaliar os estragos causados pelos retrocessos regionais agravados pela ditadura militar.
Observa-se que os cariocas e fluminenses são os que mais se recusam a admitir os retrocessos que acontecem aos seus olhos, de forma escancarada. Riem das desgraças ocorridas no Estado como se fosse uma tragicomédia corriqueira, e preferem fugir para o isolamento confortável das mídias sociais, ou para ambientes de consumismo e entretenimento mais confortáveis.
Reagindo à desilusão de que o Rio de Janeiro não é mais reduto de modernidade e desenvolvimento sócio-cultural no Brasil, eles preferem manter a fantasia da prosperidade "ainda viva" nos seus corações e vão se distrair com amenidades enquanto seus dedos "patinam" pelas mídias sociais no WhatsApp.
Eles preferem fugir para as mídias sociais, dar uma reclamadinha dos problemas pelas costas, e depois anestesiar suas mentes com vídeos engraçados, memes hilários e e-Books sobre banalidades ou sobre auto-ajuda. Ah, e tem o noticiário sobre o futebol carioca, pois o fanatismo local pelos quatro times (Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo) é notório e faz os torcedores gritarem feito homens pré-históricos no fim de uma caça, mesmo em fim de noite de dias úteis.
Os estádios, aliás, são um desses redutos de fuga, uma das três "zonas de conforto" materiais que se complementam à "zona" digital dos smartphones. O Maracanã, vizinho ao turbulento Morro da Mangueira, é o local exato para que os fogos e artifícios de um jogo com um time carioca vitorioso possam ofuscar os tiroteios que acontecem nas proximidades.
As igrejas se tornam refúgios desse pessoal que se revolta com a ideia de se indignar trazida por pessoas "insuportáveis" que "reclamam demais" das coisas. A prece em silêncio, o conformismo com o sofrimento, a aceitação de tudo que está aí e a ilusão de que a "força de Deus" irá resolver por si só qualquer problema.
Mas há também os ambientes "ecumênicos" e "laicos" dos bares e boates, únicos redutos de solidariedade humana reconhecíveis numa sociedade marcada pelo embrutecimento causado pela tecnologia e pelo mercado. Neles a própria mídia e mercado pregam a utopia do romantismo amoroso, na verdade uma curtição sexual que, não raro, gera casos de violência e homicídios conjugais quando a falta de afinidades surge após desaparecer a "paixão de noitada".
Esses refúgios são vistos como se fossem "abrigos anti-aéreos" diante do bombardeio de informações e questionamentos. As pessoas querem água com açúcar e isso se torna sintomático até mesmo no mercado literário, em que há o dado surreal de haver pelo menos três títulos de livros para colorir na lista dos mais vendidos, num mercado que é reservado para livros de textos e não de desenhos.
Este é mais um dos absurdos que acontecem no Brasil, como a discriminação, em tempos democráticos, a pessoas que questionam muito os problemas da sociedade contemporânea, como se não bastasse o boicote que o mercado de trabalho e o meio acadêmico fazem para pessoas assim.
Só que um dia as "zonas de conforto" serão bombardeadas por essa "guerra" de informações. E aí vai ser impossível se concentrar com vídeos engraçados com animais que são muito vistos nas mídias sociais ou no processo de leitura de "livros para colorir", em que os leitores não têm a menor ideia de que lápis de cor vão usar para pintar suas "florestas encantadas" e "jardins secretos".
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