terça-feira, 8 de março de 2016

Não existe crise econômica no Brasil, mas uma crise de valores, sobretudo culturais

TIO PATINHAS NADA EM DINHEIRO, MAS TAMBÉM OS EMPRESÁRIOS DA "CULTURA POPULAR" VÃO NA MESMA ONDA.

Oficialmente, o Brasil sofre uma crise. Isso é correto. Só que a crise que o país sofre não é de caráter econômico nem necessariamente político, mas uma crise de valores, marcada pela resistência de paradigmas que perecem mas que muitos se recusam a admitir sua decadência.

A decadência corresponde ao desgaste de valores ao mesmo tempo retrógrados e "pragmáticos" (quando, em vez de melhorias, se defende apenas o atendimento ao "básico do básico" de qualquer coisa na vida) que floresceram durante cenários políticos conservadores, como a Era Geisel e os dois governos de Fernando Henrique Cardoso.

Esses valores, mesmo com seu perecimento avançado, continuam blindados pela chamada "boa sociedade", composta por pessoas que se acham formadoras da opinião pública ou detentoras de hábitos, opiniões e procedimentos "padrão" na sociedade em geral.

Se há um medo neurótico de ver velhos feminicidas morrerem de repente - dois famosos homens ricos que mataram suas namoradas e hoje estão idosos apresentam fortes indícios de câncer maligno - , então a sociedade brasileira hoje vive no medo de ver seu "velho país" morrer, com a "paz forçada" que tiveram desde o "milagre" da Era Médici ruir de maneira definitiva.

Com as relativas mudanças sociais trazidas pela Era Lula, houve até mesmo uma intelectualidade "cultural" que tentou atrapalhar as coisas. Jornalistas culturais, sociólogos, antropólogos e cineastas, entre outras atividades, que foram treinados durante a Era FHC a pensar a "cultura popular" sob o viés do "livre-mercado", tentaram um forçado vínculo com as esquerdas, sobretudo tentando influenciar o pensamento progressista e sabotar os debates da cultura brasileira.

Intelectuais como Pedro Alexandre Sanches, Paulo César Araújo e, na Bahia, Milton Moura, tiveram sua formação ideológica através de círculos acadêmicos e profissionais dominados pelo PSDB ou pelo antigo PFL, mas, com o fator surpresa da vitória eleitoral de Luís Inácio Lula da Silva, tentaram um falso vínculo com o esquerdismo visando obter verbas federais da Lei Rouanet. Tudo por dinheiro.

PRECONCEITOS "DESPROVIDOS DE PRECONCEITO"

Através da atuação dessa "elite pensante", conceitos preconceituosos eram empurrados para a opinião pública como se fossem "desprovidos de preconceito", como a ideia de defender a imagem caricatural das classes pobres explorada por uma cultura de mau gosto, marcada pelo engodo de valores retrógrados, visões provincianas e subserviência ao mercado pop estrangeiro, que é a chamada "cultura brega".

Consta-se que um dos processos recentes de concentração de renda está nessa "cultura de massa" movida por empresários que manipulam o gosto popular de forma a trabalhar uma imagem pejorativa do povo pobre, marcada pelo grotesco e pelo apego ao ridículo. A espetacularização das "periferias", defendida pela blindagem intelectual "progressista", é o tom desse mercado perverso.

A degradação cultural que está por trás disso, sobretudo através de gêneros como o "funk", o "sertanejo", o "pagode romântico" e o "forró eletrônico", bastante tocados pelas rádios "populares" (mas controladas por oligarquias político-econômicas regionais e respaldadas por grandes redes de rádio e TV), tornou-se um mercado voraz que enriquece empresários às custas do consumismo do povo pobre com seus supostos representantes culturais.

Mas não é só na música. Há "musas", como Solange Gomes e Valesca Popozuda, há "jornalistas", como José Luiz Datena, tabloides como o Meia Hora (Rio de Janeiro), São Paulo Agora (São Paulo) e Massa (Salvador) e humorísticos como o Pânico da Band que de uma forma ou de outra expressam valores e simbologias popularescas.

Tudo isso, por incrível que pareça, influiu na crise de valores que vivemos. Não é uma crise econômica, porque está "chovendo muito dinheiro" nesses redutos. E já aponta o enriquecimento extremo de empresários e dos próprios ídolos (supostos celebridades e artistas) às custas de uma suposta "cultura das periferias" do entretenimento "popular demais".

RICOS FICARAM MAIS RICOS

Este é o fator novidade. Se a aparente crise econômica não é mais do que uma farsa criada para assustar as pessoas, forçar a corrida aos mercados para estocar alimentos e promover uma "psicologia do terror" amedrontando as pessoas e incitando o ódio mais rabugento ao Partido dos Trabalhadores e às figuras pessoais de Lula e Dilma Rousseff, os ricos ficam mais ricos, mas agora sob a adesão dos "novos ricos" do entretenimento "extremamente popular".

A concentração de renda envolve os ricos de sempre: a chamada alta sociedade em geral, as elites regionais (sobretudo o latifúndio e a indústria madeireira), o empresariado associado às empresas estrangeiras instaladas no Brasil, responsáveis pela evasão de dinheiro de sempre, e os corruptos em geral, parte deles bastante conhecida pelos escândalos divulgados pela Operação Lava Jato.

Além deles, há as aristocracias criminosas - narcotráfico, jogo-do-bicho e milícias - , que usam e abusam do enriquecimento ilícito, e, agora, a indústria do entretenimento popularesco em geral, que alimenta música popularesca, mulheres "boazudas", imprensa policialesca e reality shows.

Já se começa a perguntar até que ponto essa indústria do jabaculê pode ser considerada "autenticamente popular". Só porque os empresários desse entretenimento se travestem de "gente simples" e se autoproclamam "modestos produtores culturais"? Ou porque o apelo popular tem respaldo imediato da população?

O problema, porém, é que esse mercado também está marcado pela concentração de renda, vide o factoide da viagem de Wesley Safadão ao exterior. Já considerado um ídolo muito mais rico do que a chamada "burguesia da MPB" - como Chico Buarque, Francis Hime e outros de herança bossanovista - , o cantor de "forró eletrônico" se hospedou num dos hotéis mais caros do mundo, em Dubai, e seu empresário financiou uma turnê em algumas cidades da Costa Leste dos EUA.

Inventou-se que Wesley Safadão "fez muito sucesso" nesta turnê, em que duas fotos foram divulgadas, com uma modesta e discutível "fila longa" e uma plateia de pessoas que lembram muito bem cidadãos brasileiros traziam as dúvidas de sempre, já que no exterior o público costuma ver com desconfiança os ídolos popularescos, que consideram imitadores baratos do pior do pop daqueles países.

MERCADO VORAZ E JABACULÊ DIVERSIFICADO

O mercado popularesco tornou-se voraz, no processo duplamente perverso de degradação sócio-cultural, explorando uma imagem caricatural do povo pobre, simbolizada sobretudo pelo "funk" e seu discurso ideológico pré-fabricado para a divulgação nos meios acadêmicos.

Os ricos empresários do entretenimento "extremamente popular", que lembram jagunços de fazendas ou lutadores de UFC e se vestem de maneira informal, ou então empresárias que lembram apresentadoras de programas de tele-vendas de valor duvidoso (desses que vendem remédios para "emagrecer em dois dias"), já possuem um sofisticado e diversificado de jabaculê, com um esquema de subornos de fazer inveja a muito corrupto escondido nos bastidores da Petrobras.

Eles pagam cientistas sociais, jornalistas e cineastas para criarem um falso discurso etnográfico para os fenômenos popularescos. Compram espaços de divulgação que eram próprios da cultura de qualidade, como museus de arte moderna, para a apresentação de ídolos popularescos.

Eles usam dinheiro até para manipular a vida amorosa das chamadas "boazudas", chegando mesmo a, segundo muitos dizem, "comprar divórcio" de certas "musas", que pareciam ser bem casadas e felizes com seus maridos, até forjarem um "conflito" ou "desgaste", da noite para o dia, para depois fazerem o papel tendencioso de "solteiras convictas".

Isso é feito com o objetivo de desestimular, nas moças pobres (que vem nas "boazudas" um modelo de sucesso e afirmação pessoal), o projeto de casar e formar famílias, num processo gradual de "limpeza social" através de uma combinação de celibato com sexualidade desenfreada que traz um contraditório contexto de elevados índices de natalidade e mortalidade de bebês e jovens.

O mercado popularesco, que cresce de maneira totalitária, abocanhou reservas de mercado como os estudantes universitários - através da negociada parceria com os diretórios acadêmicos para realizar as chamadas "chopadas" (festas com rodízio de cerveja e atrações popularescas) - , com a armação de ritmos "universitários" da bregalização musical.

DESTRUINDO A CULTURA BRASILEIRA

Esse mercado se alimentou com as alianças com os latifundiários e com os políticos e famílias oligárquicas que passaram a controlar rádios, afiliadas de redes de TV e jornais e revistas. A indústria do jabaculê se tornou perversa e está destruindo a cultura brasileira, depois de apelar para a blindagem de uma parcela de intelectuais, há cerca de quinze anos atrás.

O discurso do "combate ao preconceito", desculpa feita para empurrar ídolos e valores popularescos para a aceitação por um público culturalmente mais qualificado, tinha apenas o objetivo de forçar a conquista de novas reservas de mercado, através de um discurso falsamente "etnográfico" e "modernista", feito para forçar o apoio da opinião pública em geral.

Isso é um processo perverso de destruição da cultura brasileira, que contraria as teses de Francisco Cândido Xavier, o "popular" Chico Xavier apoiado por essa mesma mídia degradante, de que o Brasil iria caminhar para um "brilhante florescimento cultural". A não ser que o "espiritismo" veja como "cultura superior" nomes como Mr. Catra, Valesca Popozuda, Jorge & Mateus e Wesley Safadão.

O que se observa é a destruição da cultura brasileira, do patrimônio acumulado com sacrifícios e tragédias pelas classes populares ao longo do tempo, enriquecidas por outros agentes sociais. Tudo isso agora é visto como "artigo de museu" num país em que se permitem que museus sejam incendiados, ou seja, o risco do Brasil perder sua própria cultura é muito grande.

O que se vê como "cultura popular" são formas caricaturais e arremedos grosseiros de ritmos regionais, trabalhados de forma estereotipada e nos quais são inseridos elementos dominantes do comercialismo pop estrangeiros, num processo perversamente industrial.

E isso promove uma série de valores degradantes, que tanto desviam o povo pobre dos debates públicos - cada vez mais privatizados - , impedindo o povo de discutir seus próprios problemas e amarrando-o num conformismo duplamente exercido pela libertinagem sexual, por um lado, e pelo fanatismo religioso, por outro.

Portanto, é isso que condiciona a crise e traz fortunas exorbitantes para aqueles que dizem "representar as periferias". E faz com que o excesso de dinheiro nos seus bolsos esteja ausente nos salários dos trabalhadores, que precisam sufocar as finanças para que haja o mínimo possível de sustento e sobrevivência.

Juntando o terror psicológico dos noticiários e a libertinagem irresponsável dos ídolos popularescos através dos sucessos musicais de hoje, da imprensa policialesca, dos reality shows e das "musas" que "mostram demais", o povo é induzido a se anestesiar e é aí que a crise de valores se torna intensa, quando os problemas existem para serem esquecidos e nunca lembrados ou debatidos.

É isso que provoca a crise, e por trás dela o fato de que os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres, mais empobrecidos. Neste clima de insegurança, as elites ficam felizes, sobretudo os novos magnatas que investem ou expressam o entretenimento "popular demais", oferecendo "pão e circo" para evitar que o próprio povo intervenha no debate público a quem tem merecido direito.

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