segunda-feira, 13 de abril de 2015
Comentário de Emmanuel sobre Herculano Pires foi irônico
Conta-se, em vários episódios sobre os bastidores do "espiritismo" brasileiro, que Emmanuel reagiu com ironia à figura de José Herculano Pires, quando Chico Xavier transmitiu seu comentário de que o sobrinho de Cornélio Pires era "o metro que melhor mediu Kardec".
Antes que levemos adiante nossa análise, é bom frisar sobre um breve histórico das traduções dos livros de Allan Kardec, verdadeiras "Torres de Babel" bibliográficas, descontando as poucas que realmente estão de acordo, com profundo rigor linguístico e semântico, às ideias originalmente publicadas pelo pedagogo francês.
É a partir das traduções dos livros de Allan Kardec que se observa o nível ideológico das correntes "espíritas". Em sua maioria, as traduções tentam nivelar o cientificismo kardeciano aos jargões típicos do "espiritismo" catolicizado. A mais famosa delas é a do antigo dirigente da FEB, Guillón Ribeiro, representada pelos livros de Kardec publicados pela federação.
Antigamente, Afonso Angeli Torteroli fez as traduções dos livros de Kardec que buscavam fidelidade aos textos originais. É o mesmo Torteroli - desdenhosamente chamado pelo roustanguista Canuto Abreu de "Sr. T" - que rivalizou com Adolfo Bezerra de Menezes por se opor ao religiosismo que o médico cearense queria introduzir e fortalecer no movimento espírita.
Atualmente, o jornalista José Herculano Pires, falecido em 1979, é a única referência, das traduções hoje disponíveis dos livros kardecianos, que mantém fidelidade aos textos originais do professor lionês. Ele traduziu quase todo o trabalho de Kardec e, quando não o traduziu, coordenou os trabalhos de parceiros como Wallace Leal Rodrigues, tradutor de O Que É o Espiritismo?.
Durante o auge da crise do roustanguismo, sob a influência dos dirigentes Francisco Thiesen e Luciano dos Anjos, e do apogeu do prestígio de lideranças autenticamente espíritas como Herculano Pires e Deolindo Amorim (pai do jornalista Paulo Henrique Amoim), Chico Xavier e Divaldo Franco, oportunistas, tentaram se autoproclamarem "fiéis a Allan Kardec".
Os dois anti-médiuns sabiam que a crise iria engoli-los e, espertos, tentaram embarcar noutro navio, e cada um forjou, em várias ocasiões, mensagens atribuídas a Adolfo Bezerra de Menezes dizendo-se "arrependido" de ter seguido Jean-Baptiste Roustaing e afirmando ter "passado a apoiar" Kardec, a ponto de pedir para seus seguidores "kardequizarem".
No entanto, o verbo "kardequizar" soa como uma corruptela muito mal disfarçada de "catequizar", ficando ainda subentendido o ranço igrejista da manobra que fez o "movimento espírita" assumir a fase atual, um roustanguismo "moderado" em que o nome do autor de Os Quatro Evangelhos é deixado para trás, em prol de um "kardecismo" politicamente correto comandado por Chico Xavier.
É dessa época a declaração de Emmanuel sobre Herculano Pires, pretensamente elogiosa, mas um tanto grosseira, de que ele teria sido o "metro que melhor mediu Kardec". O caráter grosseiro da declaração reduz Herculano a um mero medidor, diminuindo seu valor, já que limita o sobrinho de Cornélio Pires a um mero reprodutor das ideias de Allan Kardec.
Herculano Pires não apenas traduziu com honestidade semântica e gramatical as ideias originais de Allan Kardec. Ele tentou estudá-las e trazê-las para o contexto brasileiro, estando mais para estilista que desenha novas roupas do que um alfaiate que só fica fazendo medidas.
Herculano procurou dar um valor brasileiro às ideias originais de Kardec, dando uma interpretação própria e brasileira - afinal, ele era influenciado pelo tio, um intérprete e pesquisador da cultura caipira de raiz - , mas sempre fiel à essência original kardeciana, apenas adaptando a honestidade doutrinária à realidade de um outro país.
Só que o "espiritismo" brasileiro se valeu de deturpações que se manifestaram a partir de traduções catolicizadas como as de Guillón Ribeiro, o tradutor da FEB, que publica os livros de Chico Xavier, sobretudo os da grife Emmanuel.
Daí que notamos o grau de ironia que Emmanuel deu a Herculano Pires, que não pode ser um comentário realmente solidário. Afinal, Emmanuel era adepto de um religiosismo medieval ferrenho, e sua declaração deixa uma mensagem subliminar: "Esse Herculano nos impede de completar nosso trabalho, apelando para os textos originais daquele professor francês".
O comentário do "metro que melhor mediu Kardec" é, portanto, uma queixa de alguém que estava interessado em reduzir o Espiritismo a um igrejismo medieval. Essa frase foi dita apenas para tentar agradar os kardecianos legítimos, dentro de um momento de crise e criação de conveniências.
Mas com toda a certeza foi um comentário irônico, que não pode ser interpretado como uma solidariedade de Emmanuel ao trabalho de Herculano Pires até porque esta obra era contrária aos interesses do "mentor" de Chico Xavier. Emmanuel não iria lamber o prato em que cuspiu.
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