segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Há mais altruísmo nas pesquisas científicas do que nas "curas milagrosas"


Com o recente caso da canonização de Madre Teresa de Calcutá, atribuída a uma suposta cura "milagrosa" de um brasileiro, que abafou as denúncias sobre suas irregularidades trazidas por Christopher Hitchens, revela o embate entre fé religiosa e conhecimento científico, num país como o Brasil, ainda incipiente para entender problemas que o Velho Mundo sofreu há séculos.

O Brasil ainda está apegado a muitos conceitos místicos, a estereótipos de "amor e bondade", e sofre a insegurança de abrir mão da idolatria de totens consagrados para buscar a lógica e a coerência dos fatos. "Danem-se os fatos, o que importa é o sonho e a esperança", defendem tais pessoas.

Muitas pessoas no Brasil ainda se revoltam - sim, se revoltam - quando algum questionamento vai contra totens religiosos consagrados e desafiam estigmas de "amor e bondade" que muitas pessoas acreditam.

Daí que, no "espiritismo", as pessoas se revoltam, irritadas, quando alguém chama de "missa" o projeto "Você e a Paz" de Divaldo Franco ou se contesta a veracidade das "psicografias" de Parnaso de Além-Túmulo e dos livros "mediúnicos" que usam o nome de Humberto de Campos.

Houve comentários absurdos na Internet, relacionados ao "espiritismo" no Brasil, em que as pessoas reclamavam do "excesso de lógica" da obra de Allan Kardec ou o apelo, um tanto jocoso, de um internauta que disse "deixa Chico Xavier ser charlatão, pelo menos ele ajuda muita gente".

O perigo de surgir um "Estado Islâmico" nos apegos do deslumbramento religioso são muito grandes. Não é só o caso de uma Síria, um Irã ou um Iraque, redutos atuais desse fanatismo, ou de iniciativas como o fascista e medieval Klu Klux Klan nos EUA, mas o avanço da "dócil" histeria religiosa que no Brasil não aceita qualquer contrariedade.

Diante de casos "milagrosos", como as "curas" ligadas ao Catolicismo e ao "espiritismo", em que doenças graves desaparecem "porque sim", é preocupante que a fé tenha que estabelecer sua supremacia sobre a realidade e que impõe os estereótipos de "amor e bondade" para que sua "beleza" na forma domine as pessoas, que nunca abrirão mão desse deslumbramento místico.

"MILAGRES" SÃO MAIS "SELETIVOS" QUE OS ESTUDOS CIENTÍFICOS

Será que ninguém observou que os "milagres" tendem a ser mais "seletivos" nos benefícios do que os estudos científicos, estes o mais insólito, porém mais realista, reduto potencial de solidariedade e ajuda ao próximo, descontando os trabalhos científicos que sejam feitos de maneira maliciosa ou perniciosa, que não são maioria e se servem mais ao obscurantismo do que ao conhecimento.

Os trabalhos científicos que se apoiam na busca do conhecimento são os que mais estabelecem solidariedade, mais do que meros procedimentos individuais de rezar a um santo para pedir a cura de uma doença grave. Afinal, o processo religioso, que é fundamentado na "legitimação" de fenômenos "sem qualquer explicação", não busca o altruísmo pleno, e segue procedimentos não muito generosos.

Em primeiro lugar, os "milagres" são consequentes de um tipo de submissão. Submete-se a um santo de sua preferência e ele "lhe concede o favor". Em vez de buscar soluções lógicas para algo, ela surge "pronta" e obtida "de repente", o que parece algo urgente e merecido diante de situações de muita necessidade, mas não é.

Afinal, não é a necessidade em si que se leva em conta. Tudo é condicionado à submissão a um santo. Ou, no caso do "espiritismo", ao trabalho dos "espíritos benfeitores". Daí que ocorre o caráter "seletivo" do benefício. Se a pessoa é submissa a um santo ou "amigo de luz", ganha o prêmio. Caso contrário, que ela se dane.

Por isso existem casos em que pessoas buscam a mesma devoção e não têm o mesmo benefício. E, o que é pior, os religiosos ainda se arrogam a dizer que o benefício não foi obtido porque "houve pouca fé" e "a devoção foi fraca".

Há um desvio de foco em relação à natureza do necessitado, que fica em segundo plano, e até o benefício "milagroso" ocorre não em razão da necessidade do infortunado, mas do modo em que ele ou seus familiares e amigos mais próximos se devotam a santos e "amigos de luz" de sua preferência.

O "milagre", portanto, subestima as necessidades humanas. Elas se reduzem a um veículo para a popularidade de um santo ou "amigo de luz". O beneficiado é só um beneficiado, o que importa é que o "milagre" aumentou a popularidade do santo ou "amigo de luz" e a "quota milagrosa" garante ao figurão religioso o prêmio da canonização ou a "legitimação" informal da "superioridade espiritual".

Na Ciência, ocorre algo bem mais bonito. Pesquisadores realizam um estudo sobre determinada doença ou sobre um problema cotidiano, no caso as Ciências Humanas. Buscam-se livros e teses para serem lidas e confrontadas. Discutem-se problemas e questões e buscam-se respostas com um máximo de coerência e lógica. Testam-se procedimentos e soluções dotadas de certo risco, para que se obtenham respostas concretas para tais problemas.

Os investimentos inexpressivos que os cientistas recebem para estudar doenças graves é inversamente proporcional ao apoio festivo que se tem quando essas mesmas enfermidades são "curadas" de forma "inexplicável" por causa de uma devoção a um santo ou "amigo de luz". Isso revela uma grande injustiça e deprecia o trabalho científico, que ainda busca racionalizar os recursos para realizar seus trabalhos com um mínimo de agilidade possível.

Quanto deve custar uma medalha de um santo ou um folheto com o retrato de um ídolo "espírita"? Em muitos casos, nada. Por outro lado, cientistas precisam de dinheiro para criar e sustentar cobaias, para viajar para pesquisar livros e locais de estudos, gastam papel para elaborar teses, e ainda vão aqui e ali para realizar entrevistas e outros trabalhos.

Pesquisadores trocam ideias, refazem trabalhos, arriscam procedimentos para estudar curas e outras soluções, e, não bastassem receber poucos recursos financeiros, ainda não contam com o apoio da sociedade, num contexto em que esta ainda é manipulada pela grande mídia, responsável por perpetuar as fantasias e preconceitos da fé religiosa.

A ideia de "milagre" é preconceituosa, porque, na medida em que se apoia num fenômeno ocorrido sem explicação, ela se apoia justamente nesse princípio, o de forjar uma certeza em algo que não tem um conceito, o "milagre" é uma ideia pré-concebida de um benefício obtido.

E é isso que se deve saber. A Ciência mostra exemplos de solidariedade e altruísmo bem maiores do que a fé religiosa, porque o trabalho científico une um grupo de pessoas que atua em prol do conhecimento e da busca de respostas e soluções para problemas de grande gravidade.

Já a fé no "milagre" é "seletiva", porque se apoia não na necessidade urgente de uma pessoa, mas na devoção e submissão a um ícone religioso para o êxito de um benefício. E nem todos são beneficiados da mesma forma, pois não há um mesmo "milagre" para todos, o que compromete o valor altruísta tão comumente atribuído a ele.

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