sexta-feira, 26 de maio de 2017
A blindagem do "movimento espírita"
Estranha situação do "espiritismo" deturpado que o deixa numa vantagem bastante suspeita. Criam-se fakes literários ou de artes plásticas, veicula-se um moralismo velho, um igrejismo medieval e um espetáculo oco de belas palavras, e nada atinge o "espiritismo", que já tem como "pecado original" sua inclinação à catolicização de J. B. Roustaing.
Isso é muito preocupante. Qualquer um que tenha um casarão que supostamente atenda pessoas miseráveis e doentes e excursione pelo país transmitindo uma retórica enfeitada de belas frases pode se apropriar de um morto qualquer, criar uma mensagem fake e, dependendo do caso, enganar até mesmo os familiares, desde que capriche nos apelos igrejistas e nas palavras dóceis e igrejeiras.
Se o espertalhão tem tais requisitos e cria quadros falsos, ninguém mexe nele. Se ele cria fakes literários, com livros que não condizem com os estilos originais dos autores falecidos, tudo isso se deixa passar e cria-se até uma "obra paralela" para cada artista morto, uma produção supostamente espiritual que pode destoar do estilo original do autor alegado, desde que apresente mensagens "positivas" e "lições de vida".
O "espiritismo" brasileiro chegou a uma situação deplorável na qual o vazio doutrinário - a "fase dúbia" não cumpriu a "recuperação das bases kardecianas", que no fundo foi conversa para boi dormir - é compensado por aparente filantropia e pelo espetáculo de palavras dóceis que não medem escrúpulos para pregar um igrejismo entusiasmado.
Sim, o "espiritismo" que nunca se identificou de verdade com as obras racionais de Allan Kardec sempre se dissimulou ante qualquer irregularidade. Em muitos casos, a doutrina igrejeira se reduz a um mero receituário moral mais simplório e a um artifício de belas palavras e supostos atos de caridade.
Isso é assustador. Uma doutrina que renega seu precursor embora finja ser-lhe absolutamente fiel, é dotada da mais absoluta blindagem. Até pouco tempo atrás, o "espiritismo" era o PSDB da religião, até o referido partido político ser alvo de denúncias que não se pode mais esconder.
Ninguém desconfia, por exemplo, por que "espíritas" fazem tantas palestras para ricos, em troca de medalhas e títulos terrenos, enquanto a "caridade" que eles tanto praticam é frouxa, traz resultados medíocres, e isso quando traz algum benefício além de umas doações de proveito provisório.
Ninguém desconfia que, enquanto se esgotam os mantimentos das despensas das famílias carentes, duas semanas após a "transformadora caridade", os "espíritas" comemoram a referida doação, fazendo muita festa enquanto os "assistidos" voltam à carência de antes.
É muita comemoração para pouca caridade, com a clara intenção de promover mais os ídolos religiosos, em boa parte supostos médiuns, do que trazer benefícios aos necessitados. São supostas filantropias que têm mais apelo publicitário do que alguma função de transformação social, praticamente nenhuma.
E ninguém estranha, também, que os "médiuns" vivem em pleno culto à personalidade, se tornando estrelas, celebridades, atrações principais de um espetáculo de belas palavras e atos ostensivos de suposta mediunidade.
E ninguém desconfia dos arrivismos que fazem Francisco Cândido Xavier, Divaldo Franco, João de Deus e tantos e tantos outros alcançarem o Olimpo da adoração religiosa, a ponto deles serem considerados semi-deuses e muitos acreditarem que eles sempre tiveram em mãos o passaporte para o Céu.
Ninguém consegue admitir que essa atribuição divina a Chico Xavier, Divaldo Franco, João de Deus etc é apenas uma fantasia terrena movida pelas paixões religiosas e que, fora das impressões materiais da vida terrestre, esses "médiuns", quando retornam ao mundo espiritual, sofrem a chocante desilusão de serem não mais do que espíritos ordinários e mistificadores, exploradores da fé alheia.
E ninguém questiona coisa alguma. O mercado literário, a Justiça, a mídia, o meio acadêmico, todos apreciam esse "espiritismo" deturpado como se fosse a mais perfeita das doutrinas. O "espiritismo" sofre uma grave complacência em virtude do apego doentio que as pessoas têm às paixões da religião e outros apelos dissimularores e manipuladores.
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