quinta-feira, 23 de março de 2017
"Espiritismo" e terceirização do mercado de trabalho
O Brasil vive um cenário de degradação social que já estava latente desde os anos 1990, quando a grande mídia fez deteriorar a cultura popular como forma de enfraquecer o potencial mobilizador do povo pobre. Isso culminou no cenário devastador que encontramos hoje em dia.
Uma das bandeiras do catastrófico governo do presidente Michel Temer, que simboliza a ascensão dos "poucos que tudo podem" ao poder, é a proposta de reforma trabalhista, em relação quase siamesa com outra proposta, a reforma previdenciária.
Na reforma trabalhista, um dos carros-chefes é a terceirização total do mercado de trabalho, não mais exclusiva para atividades-meio, mas ampliada para qualquer atividade-fim. Para entendermos isso, basta uma explicação ligeira.
Quando uma empresa, digamos, um shopping center, contrata um serviço de dedetização de suas instalações, de forma a eliminar baratas e outros insetos, ela está usando uma atividade-meio. Um hospital contratando trabalhadores para reformar suas instalações, é a mesma coisa. Já quando uma fábrica contrata operários para montar um produto, está usando uma atividade-fim.
A catástrofe que a terceirização total vai causar no mercado de trabalho, junto com outros cancelamentos como o fim das garantias sociais, a redução sutil dos salários - em que gratificações não incluídas no salário propriamente dito passam a fazer parte dele - e o aumento da carga horária, ainda é visto com indiferença pelos brasileiros médios, felizes com a ilusão de que a recessão de 2013 será salva com os retrocessos anunciados e de que o Brasil viverá uma prosperidade sem fim.
A situação que se anuncia é gravíssima. É como se o Brasil voltasse a um cenário híbrido de escravidão e de primórdios da Revolução Industrial. Carga horária pesada, condições sub-humanas de emprego, salários sutilmente reduzidos (a pessoa recebe o salário normal, mas deixa de receber ticket-alimentação ou outras ajudas de custo, agora integrantes da remuneração normal), e alto risco de acidentes de trabalho que não têm socorro pela saúde pública, forçando o acidentado a pagar só para botar um curativo ou usar muletas.
E a reforma da previdência? Nem todas as cidades têm alta expectativa de vida e muitos municípios brasileiros têm como limite etário neste critério justamente a idade proposta para a aposentadoria, a de 65 anos. Ou seja, nestas cidades, quando a aposentadoria for liberada, o trabalhador já estará falecido.
'TRABALHE E ORE"
O "espiritismo" brasileiro já defende, há tempos, a precarização da vida da pessoa. Sob a desculpa de que existe reencarnação e vida espiritual, os "espíritas" pouco se importam com a vida de desgraças de certas pessoas. Acham que, só porque existe "o outro lado" e se renasce, a pessoa pode jogar fora uma encarnação inteira que poderá fazer tudo de novo em outra encarnação.
Não, não pode. Um intervalo de cerca de 80 anos que, em tese, o corpo físico pode abrigar um espírito, é ouro, e deveria ser aproveitado da melhor maneira. A maré de azar que traz o confuso "espiritismo" brasileiro, pelas próprias irregularidades, faz com que o sofredor que recorre a essa doutrina igrejeira sofra cada vez mais na vida, impedido de exercer suas habilidades e até missões de evolução pessoal.
Apostando numa vida "qualquer nota", o "espiritismo" brasileiro é marcado por pregações vindas dos livros do igrejeiro Emmanuel trazidos por Francisco Cândido Xavier. "Trabalhe e ore" era o apelo mais comum, como se o encarnado fosse um escravo a encarar as circunstâncias tal como elas se impõem.
O "espiritismo" está cada vez mais medieval e voltado à Teologia do Sofrimento, o que faz com que as reformas do governo Temer sejam até aceitas. "Aceite o trabalho", é o que se limitam a dizer. Pedem alegria, esperança e empenho, paciência e jogo de cintura, mas não falam em qualidade de vida, apelando para o sofredor aceitar, se possível, viver de pão e água e ficar na oração.
O salário reduziu? "Que bom", dizem os "espíritas", é só se desapegar do que é necessário e se apegar ao supérfluo, que são as frases secas e duras de Chico Xavier, que muitos pensam ser "de profunda beleza". O horário de trabalho aumentou? "Que legal", é só cortar o lazer e deixar o tempo só para a prece para agradecer as desgraças e os flagelos do dia a dia!
E a aposentadoria virou um benefício póstumo? "Que maravilhoso", sinal de que os proventos da Previdência Social passam agora a serem enviados para o "outro lado", quem sabe podendo haver um câmbio para converter os reais da aposentadoria nos valores do Bônus-Hora na cidade de Nosso Lar!
Já pediam para agradecer a Deus pelo patrão prepotente ou corrupto, pelas dificuldades acima dos limites suportáveis, pelas contas que se acumulam com taxas aumentando o valor, enquanto o salário segue a direção contrária. Qualquer coisa, é só cortar a comida e passar a se alimentar de "luz". Ou então nos livros de Chico Xavier, que os "espíritas" dizem ser um "alimento para a alma". Talvez possamos a aprender a mastigar e engolir papel...
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