sexta-feira, 13 de janeiro de 2017
Criticar o "espiritismo" não é intolerância contra religião, mas contra a mentira
Muitas pessoas se apavoram quando surgem na Internet uma série de críticas à deturpação do "movimento espírita" brasileiro. Imaginam elas que as críticas são "muito radicais" e refletem uma postura de "intolerância religiosa" a um movimento que, embora "entenda mal" as ideias de Allan Kardec, prevalece pelas "ações de bondade e amor ao próximo".
Esses argumentos partem de críticos menos vigilantes. Pessoas que acham que, basta ler melhor os livros de Allan Kardec que os problemas da deturpação estão resolvidos. Aí fica fácil. Basta um deturpador como o suposto médium baiano Divaldo Franco prometer "estudar melhor Kardec" que a Doutrina Espírita original está salva.
Não, não é assim que acontece. A denúncia de veiculação de conceitos alheios ao pensamento kardeciano, como se observa nos livros de Francisco Cândido Xavier, é apenas um aspecto mais fácil de identificar a deturpação espírita, um ponto de partida para questionamentos ainda mais aprofundados.
Não se trata de radicalismo o aprofundamento de questionamentos, porque o Brasil acumulou problemas demais e os retrocessos foram tão grandes que praticamente deixamos as elites sucumbirem a um saudosismo doentio e recuperarem um cenário político mais típico da ditadura militar, que é o governo do presidente Michel Temer.
Vivemos uma esquizofrenia social na qual o "espiritismo" é um dos exemplos mais típicos. Se muitos acreditam que o governo Temer está "no caminho do futuro", mesmo quando seu projeto político remete a retrocessos sociais anteriores à Revolução de 1930, o "espiritismo" é tido como "moderno" e "futurista" quando seus postulados, afastados do legado kardeciano, remetem a paradigmas do Catolicismo medieval português, introduzidos no Brasil pelos jesuítas.
Criticar o "espiritismo" não é intolerância religiosa, nem fruto de ódio ou vingança. A intolerância é quanto à série de práticas mentirosas e fraudulentas e à desonestidade doutrinária observadas, com muita pesquisa e espírito de isenção, nas atividades do "movimento espírita".
Comparações de obras "mediúnicas" atribuídas a espíritos de mortos mas que apresentam irregularidades, não raro gravíssimas, quanto à natureza pessoal dos mesmos, é algo que não pode ser escondido sob o tapete. Apenas ler as traduções de José Herculano Pires das obras de Kardec é insuficiente, se deixamos passar a "mentiunidade" que foi praticada até por "tarimbados" como Chico Xavier e Divaldo Franco.
Temos a fase dúbia, vigente desde a década de 1970, quando o "movimento espírita", deixando de lado o alto clero da FEB (abertamente roustanguista) e enfatizando os interesses das federações regionais, fingiu querer recuperar as bases originais de Kardec e difundiu um igrejismo ainda mais radical, piegas e moralista, praticamente empastelando com o legado do professo lionês.
Toda essa desonestidade doutrinária dos "espíritas" igrejeiros que fingem sentir "fidelidade absoluta" e "respeito rigoroso" com as ideias de Kardec, passou a ser dissimulada com apelos à emoção (em latim: Argumentum Ad Passiones), falácia que, no "movimento espírita", consistiu em um belo desfile de palavras bonitas em livros e palestras e num moralismo adocicado trazido pelos ditos "romances espíritas", que soam como arremedos de velhas novelas de televisão.
A deturpação da Doutrina Espírita foi muito mais adiante depois do fim da era Wantuil de Freitas. E isso é compreensível quando um roustanguista autêntico, Luciano dos Anjos, mais tarde passou a denunciar o próprio roustanguismo, vendo a ascensão de Chico Xavier e Divaldo Franco às custas de bajulações viscosas a Allan Kardec.
A mentira se torna mais grave quando assume o verniz da "verdade". E o "espiritismo" brasileiro pós-Wantuil se tornou um organizado repertório de belas palavras e imagens, além de propagar uma concepção de "bondade" e "caridade" feito mais para impressionar as massas do que ajudar os necessitados, uma "filantropia" que expõe o benfeitor acima do beneficiado.
Essa hierarquização ideológica, que mede a "caridade" pelo prestígio do benfeitor e não pela necessidade do beneficiado, só faz agravar o já preocupante "culto à personalidade" que faz os "médiuns" brasileiros virarem aberrações sensacionalistas, movidas pelos arremedos de "filantropia" e "ativismo social" e pelo pedantismo de bancarem os dublês de "filósofos" e "cientistas".
A fase dúbia criou muito mais problemas, porque fez muita gente pensar que o Espiritismo original, de Kardec, passou a ser finalmente reconhecido. Grande ilusão. O "roustanguismo sem Roustaing" e o "kardecismo com Chico Xavier" desnortearam ainda mais o legado do pedagogo francês, e despejou ainda mais os preconceitos religiosos que mancharam com catolicização barata e mofada a Doutrina Espírita, já nos primórdios da FEB.
Aprofundar as críticas e os questionamentos não é intolerância religiosa. É, sim, seguir o espírito de Erasto, quando falava que se deveria criticar duramente a deturpação na Doutrina Espírita, encarando os "inimigos internos" de frente e não aceitar estes sob o pretexto da "bondade" e da "ajuda a muita (sic) gente". O próprio Erasto disse para se manter rigor nas críticas, como forma de manter a integridade doutrinária de Kardec, quase nunca inteiramente respeitada no Brasil.
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