terça-feira, 20 de dezembro de 2016
Por que a impunidade absoluta no "movimento espírita"?
A Justiça, no Brasil, é realmente desigual. Sendo rico, do PSDB e do "movimento espírita", ou com qualquer uma dessas qualidades, é possível fazer das suas que ninguém mexe. É possível falsificar quadros em nome da "mediunidade" e usar o "pão dos pobres" como desculpa para legitimar verdadeiras aberrações artísticas.
Desde que a Justiça deu sinal verde, com o empate jurídico, aos pastiches literários e fraudes missivistas de Francisco Cândido Xavier, a "bondade" e a "caridade" passaram a ser desculpas para todo tipo de desonestidade. Sendo "trabalho do bem", qualquer falsidade ideológica é aceitável. Famílias podem ser enganadas e ainda agradecer o enganador por isso.
Sim, é possível escrever uma mensagem da própria mente, e se basear apenas no porte físico de alguém. Imagine um homem robusto e já grisalho como o falecido Domingos Montagner, de boa índole, jovial e prestativo.
Imagine um homem dono de um "centro espírita", dotado de muito prestígio, escreve uma mensagem da própria mente, com um texto piegas e um apelo religioso, e botar no nome de Domingos Montagner. São postos apenas alguns detalhes pessoais, desses que se podem colher de páginas de famosos ou de novelas da TV. Tudo feito, a publicação da mensagem torna-se um grande sucesso.
A mensagem pode nunca ter sido escrita pelo morto em questão, e pode apresentar até sérias contradições, mas o descaso e a carteirada religiosa, com base no pretexto das "mensagens de amor" ou na desculpa mais rasteira de que a mensagem "nada traz de ofensivo", permitem que a mensagem apócrifa seja legitimada assim mesmo. Ou, quando repercute mal, fica nisso mesmo.
O caso de Chico Xavier usando o nome de Humberto de Campos foi a aberração mais grave que se pode acontecer, e a aceitação dessa farsa permitiu que outras fraudes fossem cometidas pelo esperto "médium". A sociedade deu tempo para o mito dele crescer e se agigantar de forma que o "bondoso médium" hoje é praticamente o "dono da verdade" no Brasil.
Chico Xavier criou uma péssima escola de "mediunidade" que nunca passou da combinação de um faz-de-conta com propagandismo religioso. De romances ruins a quadros falsificados, criou-se uma produção de "bens culturais espíritas" de qualidade sofrível, conteúdo moralista e que, quando leva a assinatura de autores mortos, anônimos ou não, distancia fatalmente dos estilos originais dos mesmos.
A falsidade ideológica é aberta, porém seletiva. Tem-se o cuidado de verificar se os herdeiros pegam ou não no pé de quem se aproveitar do prestígio de seu ente querido morto. Daí que foi ilustrativo que Chico Xavier tenha escolhido não Machado de Assis, mas Humberto de Campos, de um nível de popularidade expressivo, mas inferior, para supostas psicografias.
Embora a "fauna espiritual" acolhida pelo "movimento espírita" pareça a "casa da Mãe Joana", incluindo nomes como Raul Seixas, Getúlio Vargas, Cazuza, Eça de Queiroz, Renato Russo, Auta de Souza, Olavo Bilac, Noel Rosa, Deodoro da Fonseca, Alberto Santos Dumont, Juscelino Kubitschek, Humberto de Campos etc, há limites quanto ao uso de falecidos famosos em mensagens apócrifas diversas.
Houve tentativa de uso de Ayrton Senna, com um "médium" lançando até composição (?!) atribuída ao falecido corredor e pegou muito mal. Um "médium" de menor conceito embarcou na carona de mortos de grande apelo televisivo, como a atriz Leila Lopes, o músico Rafael Mascarenhas e o também músico Alexandre Abraão, o Chorão, líder do Charlie Brown Jr., e se "queimou" diante de mensagens parecidas entre si e com o mesmo estilo formal e careta que nenhum deles escreveria.
Usar Elis Regina, Tom Jobim e Vinícius de Moraes pode trazer problemas maiores. Ou um craque como Mané Garrincha, que já teve problemas judiciais com uma biografia, Estrela Solitária, de Ruy Castro, e teria ainda mais problemas se viesse com alguma suposta psicografia. A mensagem do falecido filho do coreógrafo Carlinhos de Jesus também foi contestada por este.
A psicopictografia também revela dados aberrantes. Um suposto "médium" de pinturas espirituais expressa o mesmo estilo pessoal em obras atribuídas a diferentes pintores, que no entanto divergem dos estilos originais destes. O caso do baiano José Medrado é tão estarrecedor, que ele não mede escrúpulos de usar uma mesma caligrafia sua para assinar as pinturas tidas como de "pintores espirituais".
Toda essa licensiosidade, que faz com que entidades "espíritas" arrecadem dinheiro com a fraude, usando a boa-fé das pessoas para convencê-las pelo argumento da "bondade" e da "caridade". A obra é falsa? Deixa para lá, ela traz "mensagens de amor"! Ela é um acinte à lógica? É, mas "só traz coisas boas"! A obra destoa da personalidade do morto? É, mas foi feita "para a caridade"! Não convence como expressão de um morto? Tanto faz, ela "convence pelas lições de fraternidade e paz"!
A carteirada religiosa que isso significa é gravíssima. A impunidade, em níveis chocantes, que isso significa, com a aceitação, até mesmo dos herdeiros de um morto, de mensagens fraudulentas, bastando apenas o suposto médium mostrar "ações de caridade" e demonstrar aparente simpatia e benevolência. Infelizmente, vale tudo no Brasil dos retrocessos. Para baixo todo "amigo de luz" ajuda.
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