domingo, 4 de dezembro de 2016
A sociedade "de cima" está em colapso
As pessoas de maior status quo, sob algum critério, estão sentindo o mundo ruir de repente. Muitos não percebem e, por enquanto, contam com apoio de muita gente, e se iludem quando, em seus círculos sociais ou mesmo diante de gente de menor status mas que lhe é solidária, ainda são vistos como se estivessem com razão.
A ilusão dos acúmulos diversos, seja de dinheiro, prestígio, fama, idade, raça, diploma, ou mesmo a reputação religiosa que garante a uns poucos o "contato direto com Deus", está perecendo de maneira acelerada e mostrando aspectos cada vez mais preocupantes de erros, omissões e outros deslizes, para não dizer os crimes que ocorrem sob a lona desses privilégios.
Mesmo na classe média, nota-se que pais de família acabam criando um mundo ainda mais ficcional do que o dos filhos, montado através de velhas convenções sociais, relações hierárquicas e uma ilusão de perfeição trazida pelas emissoras de televisão conservadoras.
É o pai que cobra demais do filho e se empolga mais com o sacrifício do que com a conquista de um benefício. É a mãe que exige cuidados hercúleos com a saúde física, até de maneira muito exagerada, como se ela sentisse hipocondria. Em muitos casos, juntos, pai e mãe sobrecarregam os filhos de cobranças diversas e, contraditoriamente, não aceitam que filhos reclamem da vida, embora os pais se demonstrem, não raro, bem mais resmungões.
Hoje o alto da pirâmide balança e isso não é natural. Desde que o governo de Michel Temer, dotado de muitas dessas qualidades "superiores" - o diploma, o prestígio tecnocrático, o dinheiro e a idade - , demonstra atitudes aberrantemente irresponsáveis que envergonham até os adolescentes (não é difícil entender a imediata manifestação das ocupações nas escolas), estar no alto da pirâmide pode resultar na vertigem social que derruba ilusões como num efeito dominó.
A ilusão de "perfeição num mundo imperfeito" do alto status, da acumulação de anos de vida, de dinheiro e prestígio, de uma "felicidade" que seus detentores não entendem por que pessoas no lado de baixo da pirâmide social não conseguem sentir. É muito fácil cobrar firmeza, alegria e comunicabilidade a pessoas que sofrem de depressão.
Um dado surpreendente nessa crise que atinge o alto da pirâmide social está no perfil dos vândalos que invadiram a Câmara dos Deputados, destruíram vidros, trocaram socos com quem estivesse na frente e pedissem a volta da ditadura militar, expondo um reacionarismo cego que cometeu a gafe de definir o Japão, típico país capitalista asiático, como um "país comunista" só por causa da cor vermelha do círculo (que remete ao mito do "sol vermelho" da cultura japonesa).
São pessoas que, presumidamente, tinham em torno de 55, 65 anos. Gente grisalha, fora de forma, pessoas com filhos crescidos e tida como "responsável" e "experiente". No entanto, pessoas que derrubaram vidros, promoveram desordem e pediram a presença de um General, reivindicando uma ditadura que vai contra as conquistas democráticas, revelam o quanto um mero acúmulo de anos de vida nem sempre representa sabedoria e prudência para as pessoas.
No governo Temer, as pessoas mais birrentas estão entre políticos com mais de 65 anos de idade. Michel Temer é um exemplo, que deseja uma redução drástica de gastos públicos enquanto gasta de maneira descontrolada para agradar aliados, amigos e familiares. Um de seus ministros, o das Relações Exteriores, José Serra, cometeu gafes grotescas que o jovem presidente da UNE do período 1963-1964 ficaria seriamente envergonhado, se não fosse a mesma pessoa.
Outra grande ilusão é haver empresários e profissionais liberais ricos que chegam aos 50, 60 anos de idade pensando ter 20 a mais e insistindo num pedantismo cultural que só serve mais para a vaidade, sem tirar proveito dos referenciais mais antigos que assimilam de maneira confusa, causando mais constrangimento com a erudição e um refinamento que soam muito forçados e atrapalhados.
Preconceitos sociais reaparecem entre pessoas adultas e mais velhas. A cega defesa da grande mídia, cada vez mais mentirosa, caluniadora e hipócrita, também demonstra uma compreensão ainda mais atrofiada da realidade. O fato de pais de família acreditarem em valores em declínio, e aparentemente gozam da razão quando suas opiniões são corroboradas por vizinhos, porteiros, faxineiros, parentes e amigos, não significa que esses pais de família estejam realmente com a razão.
Hoje em dia, os maiores focos de imaturidades pessoais estão entre pessoas grisalhas e de cabelos brancos. A barbárie cresce entre pessoas de maior poder aquisitivo. Trabalhos desastrosos ocorrem vindos de pessoas dotadas de diplomas universitários. Os piores julgamentos de valor e os mais cruéis conselhos morais partem de pessoas de maior prestígio religioso, tidas como "unanimidades".
Não que ter muito dinheiro, diplomas ou mais idade seja ruim. Mas o desgaste e o esgotamento de estruturas de status quo elevado atingem níveis preocupantes que não são percebidos pelos seus detentores, que nunca foram estimulados a ter uma postura autocrítica. Eles continuam cobrando demais e fechando os caminhos para quem está embaixo da pirâmide, achando mais fácil fazer cobranças do que abrir oportunidades.
A forma com que se apresenta a ilusão da idade elevada, dos diplomas e do dinheiro acumulados, da fama e do prestígio religioso, de alguma outra supremacia condizente com a sociedade conservadora, é que preocupam seriamente, pois é nesse aparato de superioridade social que se encontram os piores exemplos de inferioridade ou até mesmo erros relativamente leves mas que são suficientes para desfazer a ilusão de "sabedoria", "experiência" e "sucesso".
Por enquanto a sociedade ultraconservadora recuperou o poder, mas isso será por pouco tempo. Afinal, essa retomada, segundo muitos especialistas, não se deu de maneira tranquila e nem positiva, tendo sido feita à força das circunstâncias. Diante do apetite maior que a fome, os setores conservadores que reconquistaram o poder tendem a se desentenderem e mostrar seus erros dos mais diversos níveis, acelerando mais o perecimento do topo da pirâmide.
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