quarta-feira, 10 de agosto de 2016
O mercado do preconceito
Vivemos o mercado do preconceito, que envolve não só emprego, mas concursos públicos, seleções acadêmicas, políticas habitacionais, enfim, uma série de procedimentos ligados à vida humana e sua qualidade de vida. E que valores conservadores não conseguem resolver, tomados de tantos sentimentos discriminatórios.
O mercado de trabalho, que é movido pelo jogo das aparências, dá preferência a quem é jovem, bonito, fala inglês fluentemente e que seja tão extrovertido a ponto de ser capaz de ter uma piada pronta. Em muitos casos, o talento só precisa ser mediano. A ideia de dar uma "imagem positiva" à empresa é mais importante do que os efeitos sociais de um trabalho diferenciado.
Houve modismos do "veterano júnior", aquele mito estranho do profissional ao mesmo tempo com menos idade e mais experiência. Recentemente veio o modismo do "profissional piadista", o cara "brincalhão" que conta piadas para os colegas.
Mesmo quando o politicamente correto permite que empresas contratem portadores de alguma limitação física ou gente com mais idade, mais para atender a obrigações legislativas ou para visar vantagens fiscais, ainda existe o preconceito que assombra, sobretudo, as entrevistas de emprego, em que o profissional de recursos humanos age como um verdadeiro carrasco.
O preconceito empresarial muitas vezes leva gato por lebre. Rejeita diplomas enviados por e-mail ou por algum portal de emprego, porque o candidato disse que não fala inglês fluente, possui um currículo supostamente fraco, tem mais idade e uma aparência tida como "desengonçada" e parece tímido e cabisbaixo.
Mas muitas vezes é esse candidato que pode aprender com muito mais facilidade um ofício, passar a falar fluentemente o inglês se lhe derem oportunidade, e salvar a empresa da falência com um trabalho exemplar que só traga um desempenho dinâmico e aumente o faturamento e os rendimentos.
Já o "bom profissional" bonitão, extrovertido, divertido e fluente, muitas vezes, pode se provar um profissional insosso, sem acrescentar coisa alguma à empresa, sendo um profissional "não fede nem cheira" quando a empresa está bem, mas diante das crises é alguém incapaz de contorná-las, ficando apenas na mesmice de seu desempenho limitado.
Isso na melhor das hipóteses. Na pior delas, o "funcionário-piadista" pratica bullying profissional (assédio moral grave), faz assédio sexual com as colegas mais atraentes, trabalha de maneira desleixada protegido pelo seu status de bonitão esbelto e extrovertido, e o vitorioso das entrevistas de emprego se torna um derrotado depois que, com algum deslize ou escândalo, põe a empresa à beira da falência, ou, quando muito, à depreciação de sua imagem na sociedade.
Há também os concursos públicos, dotados de preconceitos criteriológicos alimentados por preceitos moralistas de "saber mais que pode", colocando um saber quantitativo e sobrecarregado como critério de aprovação de um candidato.
Em boa parte dos casos, os concursos chegam a exigir, sem necessidade, conhecimentos de Direito e Matemática (mesmo sob o eufemismo de Raciocínio Lógico-Quantitativo), para meros cargos administrativos ou de assessoria, sobretudo de nível médio, mas tratando os candidatos como se fossem bacharéis em Direito ou Matemática.
São preconceitos moralistas. A ideia de que "quem estuda demais, sabe mais" é uma falácia, porque a overdose de estudos sempre resulta em desgaste mental que mais contribui para o fracasso do que para o sucesso nas provas. "Estudar como um animal" e "meter a cara" são garantia de "rodar" nas provas, obtendo, quando muito, uma sofrida 250ª colocação para uma lista de cerca de 50 aprovados.
Na política habitacional, o que se vê é um acúmulo de preconceitos diversos: a pressão do desemprego, as desavenças familiares, as convenções sociais, que põem muita gente para morar nas ruas. Os aluguéis caríssimos, feitos mais para custear as frescuras de senhorios e corretores de imóveis, criam uma população que, se não monta barracos em favelas, arruma um espaço qualquer na rua para, pelo menos, dormir, ainda que diante da sujeira e do risco de contaminação.
E ai vemos intelectuais alegres exaltando o "mau gosto popular", ridicularizando a "supremacia do bom gosto" e defendendo ídolos musicais bregas e mulheres-objetos que só no Brasil são associadas ao feminismo, como se fosse algo positivo apreciar tendências que ridicularizam a imagem das classes populares. Esses intelectuais chegaram ao cinismo de dizer que morar em favela, praticar prostituição, ser camelô e se divertir na embriaguez são "formas ideais" de vida do povo das "periferias".
No meio acadêmico, os preconceitos são muito graves. Já não se aceitam teses de pós-graduação pela qualidade do tema, mesmo que ele seja polêmico e de muita contestação. Aliás, contestação é vista como um "mal" pelos meios acadêmicos, o que certamente eliminaria da História pensadores renomados como Umberto Eco e Pierre Bourdieu, se eles tivessem sido brasileiros. Eles mal teriam um diploma de graduação para depois mofarem em blogues com um máximo de 25 visitantes.
A maioria dos acadêmicos exige teses empoladas, monografias enfeitadas do mais perfeito aparato retórico. Palavras bem arrumadas, numa roupagem pretensamente científica, objetiva e imparcial, que não raro envolvem temas absurdos e risíveis, abordados de maneira asséptica, acrítica e meramente descritiva, criando teses que podem render aplausos da banca acadêmica, mas "morrem" nas estantes dos acervos monográficos.
Nos cursos de graduação e pós-graduação de universidades particulares, o que se observa são as taxas caríssimas de inscrição e mensalidades, que em muitos casos custeiam mais as coleções de paletós de seus reitores e as festas de gala de seus acadêmicos mais destacados, obrigando o cidadão comum a pagar mais caro por uma especialidade técnica, e, quando beneficiado por financiamentos, ter que reembolsar com empregos sem remuneração.
Existe a urgência da sociedade flexibilizar mais os critérios, em vez de ter que fechar e enrijecer os critérios moralistas e tecnocráticos. O Brasil se transforma e não se pode se prender a esses velhos paradigmas. A plutocracia quer se manter na marra, mas é ela que pagará o preço mais caro dos retrocessos que defendem e dos privilégios que tentam salvar. Se o Brasil "de cima" não mudar, ele poderá sofrer uma séria queda do alto, que será mais dolorosa.
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