quarta-feira, 29 de junho de 2016
"Escola Sem Partido" faz os brasileiros pensarem sobre valores retrógrados da Educação
Recentemente, numa comunidade de ateus nas mídias sociais, um integrante - talvez um religioso "espírita" e deísta entusiasmado que só entrou nela para fazer proselitismo e "converter" as pessoas - chegou a defender o anti-médium baiano Divaldo Franco sob o pretexto de que ele, tido como "maior filantropo do Brasil", tinha um "revolucionário" projeto educativo na sua Mansão do Caminho, em Salvador.
Tal alegação é duvidosa se confrontarmos com os fatos que a realidade mostra, com a Mansão do Caminho não chegando a beneficiar 1% da população de Salvador e muito menos a população brasileira, como um todo e seu projeto educacional segue o mesmo modelo inócuo e paliativo de ensinar apenas coisas básicas e, no recheio, transmitir dogmas religiosos.
As pessoas acabam entendendo mal e invertendo as coisas. Veem como "transformador" um método educacional que possui o manto religioso e manipula as pessoas com crenças e ritos dissimulados pelas tarefas de ensinar a ler, escrever e trabalhar. E veem como "manipulador" um método educacional que estimula o questionamento e a mobilização social, ensinando as pessoas a pensar criticamente a vida e não aceitar tudo de mão beijada.
Como é que um igrejeiro como Divaldo Franco, que, a exemplo de Francisco Cândido Xavier, o festejado Chico Xavier do catolicismo enrustido do "movimento espírita", prega conformação no sofrimento e desaconselha o senso crítico, é considerado "mais transformador" que Paulo Freire, que priorizava o raciocínio questionador e a busca das pessoas de superar a pobreza e a ignorância pelo ativismo e pela mobilização?
Diante desse quadro estarrecedor, em que a educação que manipula é vista como "não-manipuladora" e vice-versa, um fato político veio à tona para mostrar os equívocos que estão por trás do mito da educação "transformadora" que vive sob a sombra da religiosidade.
Trata-se de um engodo chamado "Educação Sem Partido", uma farsa arquitetada pelos setores da sociedade organizada que foram os mesmos que se manifestaram vestidos de verde e amarelo nas passeatas contra a presidenta Dilma Rousseff.
Exposto por Alexandre Frota - famoso ator que fez sucesso nas novelas Roque Santeiro e Sassaricando, que depois virou ator pornô e atualmente é evangélico - ao lado do líder do movimento Revoltados On Line, Marcello Reis, ao ministro da Educação do governo Michel Temer, Mendonça Filho, o projeto reflete o contexto de uma sociedade reacionária em ascensão.
Alexandre Frota faz parte de uma legião de famosos que passaram a apresentar pontos de vista bastante reacionários e superestimaram o direito de fazer oposição aos governos do Partido dos Trabalhadores com um ódio cego e intolerante.
Além de Frota, militam pela "causa" nomes como os roqueiros Lobão e Roger Moreira (da banda Ultraje a Rigor), o comediante Danilo Gentili, jornalistas como Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Guilherme Fiúza, Eric Bretas, Merval Pereira e Diego Escosteguy, a apresentadora e também jornalista Rachel Sheherazade, a ex-jogadora de volei Ana Paula, o ator Thiago Lacerda e os escritores Luiz Felipe Pondé, Rodrigo Constantino, Marco Antônio Villa e Olavo de Carvalho.
PATRULHAMENTO IDEOLÓGICO NA ESCOLA "SEM IDEOLOGIAS"
O projeto "Escola Sem Partido" consiste em criar um projeto pedagógico "neutro", asséptico, no qual os professores estão proibidos de estimular o raciocínio crítico nas escolas, além de serem recomendados a evitar a discussão de problemas cotidianos e de transformações sociais que permitem a ascensão social de negros e a legitimidade social das relações homossexuais.
Em São Paulo, já se aplica esse projeto ideológico tido como "sem ideologias" em algumas escolas. Diante da sede arrivista das forças reacionárias no Brasil, que torcem para que Dilma Rousseff seja definitivamente afastada do poder em agosto próximo, o medo é que esse projeto educacional, que mais parece digno da ditadura militar, seja implantado em todo o país e passe a deformar gerações e gerações de cidadãos.
A ditadura militar já deformou gerações inteiras de cidadãos por conta de projetos educacionais voltados somente para o mercado, que mais desensinavam que ensinavam, transmitindo mentiras religiosas e até históricas, o que resultou nesse quadro que vemos com distorções alarmantes, do mercado de trabalho à cultura e ao entretenimento, tomados da mais assustadora mediocrização social.
O grande perigo é que esse projeto "Escola Sem Partido" leve às últimas consequências todo o método educacional da ditadura militar, que foi tão nocivo que chegou a enviar líderes estudantis menos perigosos para regiões distantes do país, isolados dos colegas, sob o pretexto de trabalharem o Projeto Rondon, fachada de educação em lugares distantes para desestruturar os movimentos estudantis contra a ditadura.
A "Escola Sem Partido" é, na verdade, um projeto partidarizado. Como "projeto de lei", é proposto, só para perceber o nível da coisa, por Jair Bolsonaro e seus familiares. Tem, na verdade, o selo do PSDB, PMDB, PP e PSC, entre outros associados, o que mostra que, só por ser pluripartidarizado, não significa que seja "apartidário".
Muito pelo contrário, esse projeto educacional "sem ideologias" tem muito de ideológico. Não quer expor questões ligadas a raça e gênero sexual, mas ensina valores de uma sociedade patriarcal e, sobretudo, teocrática, transmitindo uma ideologia que também se volta para o mercado, criando pessoas subservientes dentro de uma sociedade que é também tecnicista.
Um dos aspectos mais graves do "Escola Sem Partido" é a patrulha ideológica disfarçada de meios jurídicos. Professores podem ser denunciados pelos pais de alunos quando os docentes passarem a transmitir conhecimento e reflexão questionadora e adotarem métodos pedagógicos que escaparão do que as chamadas "boas famílias" esperam dos alunos.
Isso é gravíssimo. Os professores podem ter suas aulas gravadas a pedido dos pais e, se os profissionais de ensino transmitirem ideais humanistas e promoverem debates sobre problemas cotidianos, eles poderão ser processados judicialmente e serem demitidos ou receber outras punições. Por trás desse projeto "sem ideologias", há a defesa ideológica e o mecanismo de "caça às bruxas" para combater quem fuja do padrão asséptico-conservador do projeto "Escola Sem Partido"
Vivemos os tempos em que os concursos públicos, se valendo de um padrão moralista de estudo, em que a quantidade vale mais que a qualidade (estudar demais e aprender menos devido a sobrecarga de matérias e material), voltaram a exigir Matemática e Raciocínio Lógico a funções que nada têm a ver com isso.
Também vivemos os tempos em que o poder das universidades particulares aumenta e os cursos de pós-graduação se tornam cada vez menos gratuitos, mesmo em universidades públicas, afunilando cada vez mais a formação superior, uma vez que a pós-graduação hoje, em época de degradação do sistema de ensino, é a nova "universidade", já que a graduação universitária do Brasil medíocre tornou-se um novo "ensino médio", mais para high school que para nível superior.
O grande risco do projeto "Escola Sem Partido" é que valores ligados ao preconceito social, à supervalorização do mercado e ao proselitismo religioso serão ensinados, e estes são muito mais ideológicos e partidarizados do que a "escola marxista" que só existe nas mentes dos reacionários que querem o projeto educacional proposto ao governo Temer.
O Método Paulo Freire e outros métodos que, embora menos ousados, se empenhavam em favor da educação pública e ao desenvolvimento mental dos alunos não eram projetos ideológicos ou partidarizados. A histeria anti-comunista e anti-petista do reacionários de plantão é que inventou tudo isso, por não suportar projetos educacionais que estimulem pessoas a questionarem as injustiças existentes no mundo de hoje.
E vemos no "movimento espírita" a mesma atitude, embora de forma velada, Uma religião (que muitos se recusam a ver como tal) que acha "progressista" Chico Xavier dizer para os sofredores aceitarem as desgraças em silêncio e nunca revelar o sofrimento para outrem aceita qualquer coisa retrógrada como "positiva".
Talvez os "espíritas" estivessem rezando para que o projeto educacional ultraconservador, exposto por duas figuras estranhas ao meio pedagógico, incluindo um "revoltado" da Internet (logo os "espíritas" que tanto reprovam essa ideia de "revolta"), pelo menos seja "em favor da solidariedade e do amor ao próximo".
Daí o contexto vago de "solidariedade" e "bondade" como subprodutos da religião. Talvez os "espíritas" defendam com entusiasmo a "Escola Sem Partido", se ela pôr em prática o ensinamento de "valores cristãos".
Embora os "espíritas" não se misturem aos neopentecostais no conjunto da obra, eles se dão as mãos em muitas causas reacionárias, como o combate radical ao aborto. Até porque os "espíritas" já arrumam a "Lei de Causa e Efeito" para recomendar à estuprada que se case com o estuprador, já que a religião estabelece preceitos moralistas através do pretexto dos "resgates espirituais".
O grande problema é que o projeto "Escola Sem Partido" será um retrocesso para o Brasil, em níveis calamitosos. Ensinará mistificação religiosa, moralismo social, preconceitos de etnia, cor e gênero, valores mercantilistas que reforçam o egoísmo e a concorrência desleal, e criará uma grande marcha-a-ré social para o país, criando gerações bem mais deformadas que as educadas pela pedagogia ditatorial. O partido da Escola do Partido é a degradação do Brasil.
segunda-feira, 27 de junho de 2016
O catastrofismo e a sede mística de "sangue"
Há correntes ideológicas bastante traiçoeiras, que reúnem em seu conteúdo visões esotéricas, utopias ufológicas e conceitos pseudo-científicos, que se valem dessa verdadeira gororoba teórica para pregar catastrofismos e promessas messiânicas.
Os "profetas modernos" que se valem de rótulos como "filosofia", para pregar não a busca da verdade mas o obscurantismo, eventualmente usam a "psicologia do terror" para intimidar as populações e fazê-las viver sob o signo do medo, tornando-se vulneráveis a tiranias locais e a seitas dominadoras.
Ha o rumor dos gigantescos maremotos que dariam com a explosão do vulcão Cumbre Vieja (termo que, numa tradução aproximada, significa "Montanha Velha"), na Ilha de La Palma, que faz parte das Ilhas Canárias, arquipélago próximo à Península Ibérica (Portugal e Espanha), cujas rochas resultantes de lava endurecida seriam jogadas no Oceano Atlântico causando uma tsunami de cem metros.
Segundo relatos de cientistas que acreditam nesta tese, as ondas atingiriam dimensões que arrasariam cidades litorâneas inteiras, destruindo cidades da Costa Leste dos EUA, como Nova York, e as regiões Norte e Nordeste do Brasil. De acordo com esta teoria, o Estado do Amapá desapareceria do mapa.
O catastrofismo é surreal, porque seria difícil as ondas permanecerem gigantescas por todo o caminho. A tendência natural é uma onda crescer demais e diminuir em seguida. Mesmo na tsunami que atingiu a Indonésia e outros países asiáticos já estava em declínio, mais parecendo um alagamento, como num rio transbordando. E, vindo de uma grande distância, as ondas já estariam fracas no meio do Atlântico, dificilmente ameaçando as regiões, senão através das habituais ressacas.
A tese leva em conta uma suposta tsunami gigantesca que atingiu o Alasca, há 4 mil anos. Até porque é bastante duvidoso que um evento desses aconteceu com tamanha precisão, sabendo-se que teria sido o último grande evento do porte que teria acontecido na Terra.
Outros cientistas acham que isso é pura especulação e o geólogo e consultor Antônio Feijão usou uma leve ironia para contestar a tese por demais catastrófica:
"Com todo respeito aos geólogos e vulcanólogos que fizeram esses estudos, há centenas de variáveis que precisam ser inseridas e consideradas em seu modelo de previsão catastrófico. Mas o mais importante nesse momento é uma questão, à moda Garrincha, e perguntar se eles, os cientistas, combinaram com Deus o que irá acontecer com o Vulcão Cumbre Vieja, na Ilha de La Palma".
DATA-LIMITE TAMBÉM REVELOU CATASTROFISMO
A suposta catástrofe já havia sido anunciada em uma notícia do Fantástico que, sabemos, é um programa da Rede Globo, que além dos interesses comerciais inerentes, investe no sensacionalismo e na mentira para garantir a prevalência de um padrão ideológico que favorece seus empresários, os filos de Roberto Marinho. Vide, por exemplo, a campanha difamatória feita contra a presidenta Dilma Rousseff.
Certos catastrofismos podem revelar intenções ideológicas ocultas. O catastrofismo é uma forma de "psicologia do medo", estratégia tramada por políticos, empresários e setores científicos - é bom lembrar que mesmo entre cientistas e juristas há corrupção, e neste segundo caso a atuação tendenciosa do Poder Judiciário brasileiro é ilustrativa - para amedrontar a humanidade e fazê-la submissa a qualquer arbítrio que prometa suposta proteção de toda ordem.
O catastrofismo do vulcão Cumbre Vieja é comparável com supostas "profecias" que o "médium" Francisco Cândido Xavier teria dito, nos anos 1980, a Geraldo Lemos Neto, com base num sonho em 1969. A "previsão da data-limite" tinha uma tese surreal que envolvia um detalhe catastrofista bastante grave.
Segundo essa predição, o Hemisfério Norte seria uma região inabitável porque o problema dos conflitos internacionais e do terrorismo não seriam resolvidos e, com isso, Deus (?!) castigaria as nações belicistas impondo catástrofes naturais que iriam destruir as nações do Primeiro Mundo.
Chico Xavier teria revelado visões equivocadas de caráter geológico e até sociológico. Afirmava que populações eslavas iriam migrar para o Nordeste brasileiro, se esquecendo que a própria História do Brasil revelava que os primeiros eslavos que colonizaram o país migraram para a Região Sul e, quando muito, no interior de São Paulo.
Outros aspectos são a presunção de que estadunidenses iriam migrar para o Norte do Brasil, algo que contraria a natureza sociológica de que o povo dos EUA tende mais a migrar para o Rio de Janeiro e São Paulo, sociologicamente similares a cidades como Nova York e Los Angeles.
Chico Xavier também cometeu o grave erro de dizer que o Chile seria poupado da catástrofe. Se haveriam explosões vulcânicas e terremotos que destruiriam áreas como o Estado da Califórnia, nos EUA, e o Japão, é evidente que o Chile desapareceria da mesma forma, por fazer parte do mesmo Círculo de Fogo do Pacífico, região de intensas atividades vulcânicas e sísmicas.
IDEOLOGIA OCULTA
O que está por trás desses relatos tão assustadores, comparáveis a tantos outros que anunciaram várias vezes um "fim do mundo" que não se concretizou? Em muitos aspectos, tais "profecias" se revelam inconsistentes, por ignorar que certos processos catastróficos não teriam condições de acontecer, de fato.
Por trás do processo de deixar a humanidade amedrontada, criar fluxos migratórios desesperados para o interior dos continentes, dentro de um processo desesperado comparável ao da migração dos povos da Síria e outros países do Oriente Médio para a Europa, no qual há muitos naufrágios e outras tragédias, existe um conteúdo ideológico muito perverso.
Trata-se de uma espécie de "holocausto místico", um sutil "desejo de sangue" diante da insegurança que setores conservadores da sociedade têm diante da sua perda de privilégios de poder. O catastrofismo seria uma forma de mascarar um desejo genocida de alguns privilegiados com a "responsabilidade religiosa de Deus" e a "suposição higienista da Natureza", que "limpariam" o planeta exterminando áreas consideradas "ameaçadoras" para o status quo dominante.
Mesmo a "profecia" de Chico Xavier revela um dado muito cruel: a "possibilidade" de exterminação de regiões dotadas de adiantado progresso social, mesmo regiões imperfeitas e em séria crise como França, Itália e Grécia. A eliminação do Hemisfério Norte seria algo comparável ao do incêndio na biblioteca de Alexandria, no Egito, e na destruição da Grécia no declínio da Antiguidade.
No Brasil, a recente recuperação do Norte e Nordeste que, aos poucos, se emancipam de décadas de coronelismo político, econômico e sócio-cultural, e que esboçam um tímido mas notável progresso em relação a regiões que agora sofrem decadência avassaladora, como o Sul e Sudeste, sobretudo o Estado do Rio de Janeiro, unidade federativa que mais decaiu em todo o Brasil.
O Norte e Nordeste se tornaram símbolos dos graduais avanços sociais dos governos de Lula e Dilma Rousseff na presidência da República. É até ilustrativo que um blogue de "filosofia imortal" - que de "filosofia" só tem o nome, vide o conteúdo esotérico e pseudo-científico que expressa - tenha requentado a notícia da "tsunami do vulcão Cumbre Vieja" já que sua linha editorial sinalizava para uma sutil oposição a Lula e Dilma.
No caso de Chico Xavier, seu ufanismo brasileiro de caipira ultraconservador, claramente expresso no programa Pinga-Fogo, da TV Tupi de São Paulo, em 1971, condiz com as supostas profecias que ele teria falado para Geraldo Lemos Neto. Embora certas correntes chiquistas desmintam essa "profecia", ela está de acordo com o que os livros lançados pelo "médium" haviam descrito em várias passagens.
Chico Xavier era um católico ortodoxo, no que se refere às ideias e crenças da Igreja Católica por ele professas. Isso é fato. E Chico era adepto fervoroso da Teologia do Sofrimento, corrente de origem medieval que definia as desgraças como um processo de "purificação" da alma humana. Madre Teresa de Calcutá teria sido outra de suas adeptas e muitos acusavam ela de usar essa teoria para permitir os maus-tratos a seus assistidos nas Casas dos Moribundos.
Ainda que não haja nem venha a haver qualquer declaração oficial do "movimento espírita" de que Chico Xavier era adepto da Teologia do Sofrimento, e há quem diga que essa tese é "absurda", as próprias frases deixadas pelo "médium", relacionadas ao "sofrimento sem queixumes", revelam explicitamente isso. Não há possibilidade de afirmar "não foi Chico Xavier quem disse" porque a Teologia do Sofrimento saltou de suas próprias palavras.
E aí, juntando as peças do quebra-cabeça, a "profecia da data-limite" revela um caráter conservador, de evitar que a Terra assimile a experiência longa de nações desenvolvidas e, repetindo as tentativas de eliminar as lições da Antiguidade clássica (só duramente recuperadas no século XVIII), eliminasse o "velho mundo" sob supostas acusações de estimular o egoísmo materialista, abrindo o caminho para um cambaleante Brasil tomar as rédeas da humanidade remanescente.
Chico Xavier havia descrito, nessa "profecia", que as lacunas do Hemisfério Norte seriam preenchidas pela vinda de extra-terrestres, algo que condiz com o que ele declarou em várias ocasiões, sobretudo no Pinga-Fogo.
Mas o que está por trás de tudo isso é o fim das lições do "velho mundo", que, quando muito, só permaneceriam em réplicas disponíveis nos países do Hemisfério Sul. Além de uma grande porção de celebridades e intelectuais renomados serem exterminadas nessa hipotética catástrofe, nomes discriminados pelo "espiritismo" brasileiro como Wolfgang Bargmann, Percival Lowell e Franz Anton Mesmer também "desapareceriam" de vez.
Dessa forma, prevaleceria, na visão de Chico Xavier, o desejo de uma nova Idade Média, na qual o "espiritismo" brasileiro, que demonstrou ser a herança do Catolicismo medieval por intermédio de sua expressão portuguesa - que prevaleceu no Brasil até meados do século XX, quando a Igreja Católica optou por reformas que o "movimento espírita" não acompanhou - , seria a "religião do mundo", lembrando as pespectivas trazidas por Jean-Baptiste Roustaing em Os Quatro Evangelhos.
O mundo teria que aceitar teses absurdas como atribuir a Chico Xavier suposto pioneirismo em descobertas científicas como as funções da glândula pineal e a risível previsão de descoberta de vida em Marte, atribuindo a livros do "médium" lançados em 1935 e 1939 tudo que o astrônomo do Arizona (EUA), Percival Lowell, havia estudado bem antes do caipira de Pedro Leopoldo nascer.
Quanto ao catastrofismo, isso revela apenas um jogo psicológico, que agrada muito pessoas que seguem uma visão conservadora. E há cientistas e juristas que também se corrompem, adotando visões equivocadas e métodos tendenciosos. Sobretudo num Brasil em que tanto o "cientista" Alexander Moreira-Almeida quanto o "jurista" Sérgio Moro camuflam seus erros metodológicos e suas incompreensões risíveis com uma pose de "sérios".
sábado, 25 de junho de 2016
Por que o apego aos retrocessos?
AÉCIO NEVES SAUDANDO MICHEL TEMER - Governo retrógrado e corrupto dos derrotados de 2014.
O que tem em comum o governo Michel Temer, os atentados numa boate gay em Orlando, a ascensão da extrema-direita na Europa e o fundamentalismo do Estado Islâmico? Em diferentes contextos, há um saudosismo perigoso de uma parcela da sociedade pedindo para voltar tempos de valores sociais mais retrógrados.
2016 se revela um ano problemático. Pessoas consideradas de alguma contribuição moderna para a sociedade, como o escritor Umberto Eco e o cantor David Bowie, faleceram. Em contrapartida, políticos idosos como José Sarney e Paulo Maluf se recusam a sair de cena e a sociedade patriarcalista e machista vive com medo de ver os feminicidas Pimenta Neves e Doca Street, com fortes indícios de doenças graves em estágio avançado, morrerem de repente.
Morreram também talentos promissores, como o ator Aaron Yeltchin e a cantora Christina Grimmie. É um ano em que cidades antes consideradas redutos de modernidade, como Paris e Rio de Janeiro, sucumbem a decadências vertiginosas, desafiando aqueles que ainda creem nessas cidades como "modelos" a serem seguidos pelas demais regiões. É também um período em que as mídias sociais (do antigo Orkut ao atual WhatsApp) mostra internautas cada vez mais retrógrados e ignorantes.
Além disso, há a saída da Grã-Bretanha da União Europeia, complicando a integridade econômica, e, no Brasil, um confuso governo interino, que se pretende efetivo - Michel Temer fala em governar até o fim de 2018 - , com base numa agenda cheia de retrocessos e com uma equipe e base de apoio (neste caso com Aécio Neves, Eduardo Cunha e companhia) envolvida em escândalos de corrupção.
Há um grande apego aos retrocessos. Uma nostalgia doentia, que acaba criando em seus defensores um rompimento com a realidade, já que o radicalismo das convicções sociais faz com que muitos reajam contra princípios realistas, contra a lógica e contra a ética.
Retornam movimentos extremistas que vão desde o fundamentalismo religioso que reivindica uma volta às crenças de, pelo menos, dois mil anos atrás, até grupos que querem uma higienização racial para promover uma sociedade, pelo menos, de maioria branca. Há os plutocratas, os machistas, os racistas, os elitistas que também querem um mundo praticamente exclusivo deles.
No Brasil, um fato aberrante é a boa reputação que um encrenqueiro como Jair Bolsonaro tem para uma parcela considerável de brasileiros e a criação de movimentos como "International Klans", que espalhou panfletos em alguns lugares em Niterói. E há o medo do hesitante governo Michel Temer, a exemplo dos primeiros anos "frouxos" da ditadura militar, se converter em uma conduta ainda mais cruel e repressiva para a população.
Nos EUA, grupos racistas e homofóbicos eventualmente se manifestam, fora os atiradores de diversas origens que praticam chacinas em várias partes do país. O Klu Klux Klan, de triste lembrança, continua existindo. Na Europa, grupos de extrema-direita atraem adeptos em vários países, e um fascista de 52 anos assassinou uma parlamentar britânica que defendia a permanência do Reino Unido na União Europeia e depois foi preso.
As pessoas em geral perderam a noção da realidade, as mídias sociais incluem de reacionários doentios que praticam cyberbullying a fãs "afogados" nas suas fantasias que, contrariados com a realidade, querem matar seus ídolos.
A ilusão da "tecnologia de ponta" revela um caminho inverso da humanidade desinformada que, conhecendo vagamente fatos passados, sem fazer o discernimento necessário, acabam se interessando por eles e defendendo uma sociedade ainda mais retrógrada.
Um tempo em que mulheres eram coisas e machistas, deuses (daí que feminicidas, por exemplo, "nunca podem morrer"). Que patrões detinham o monopólio de decisão sobre os empregados. Que os aumentos de preços eram suportados como sendo decisões divinas. Que os tecnocratas sempre decidiam pelo povo, por pior que seja uma decisão. Que divindades e lendas guiavam multidões a seus templos de adoração. Que ruas só eram ocupadas por "brancos limpinhos e perfumados".
Mesmo a rebeldia é guiada para defender tais valores obscurantistas. Um "espírito do contra" que vê num retrocesso uma forma de catarse, um saudosismo obscurantista, um "medo da clareza" e um pavor do progresso, que faz com que os incomodados do Sol do futuro corram, ao mesmo tempo ferozes e assustados, ameaçadores e fugitivos, às suas "cavernas de Platão".
A coisa acontece de forma tão aberrante que, no Brasil, a chamada grande imprensa (Globo, Folha, Veja, Estadão) chega a impor sua visão míope das coisas, se revoltando quando jornalistas estrangeiros retiram a máscara do golpismo político do governo Temer e sua equipe de "notáveis" corruptos.
Um comentarista de Época, Guilherme Fiúza, chegou a cometer uma violenta gafe, publicando um texto no qual acusa o jornal estadunidense New York Times de ser patrocinado pelo PT. Fiúza "pagou mico" diante de correspondentes internacionais conceituados.
Recentemente, o empresário da Folha de São Paulo, Otávio Frias Filho, levou uma bronca de uma jornalista britânica que definiu a grande mídia brasileira como golpista e voltada aos interesses de seus donos. Graças a esse quadro (e de pistolagens que matam blogueiros e quem denunciar o coronelismo regional local), a ONG Repórteres Sem Fronteiras registrou que o Brasil caiu, de 2015 para 2016, de 99º para 104º lugar em liberdade de imprensa.
E quem imagina que o "espiritismo" está fora disso está enganado. A religião que se diz "futurista" e "esclarecedora" demonstrou, na verdade, ser, até mais do que a atual linhagem da Igreja Católica, herdeira do Catolicismo medieval português, e a postura "dúbia" que bajula Allan Kardec mas pratica igrejismo não consegue dissimular essa realidade.
Perdido em suas próprias contradições, o "espiritismo" nem de longe pode ser considerado futurista nem moderno, mas antiquado e velho, um catolicismo medieval redivivo. Ver que igrejeiros moralistas como Chico Xavier e Divaldo Franco são considerados "futuristas" é, no fundo, constrangedor.
Mas num Brasil em que muitos veem como a "última palavra em humor" uma comédia mexicana de 45 anos atrás (nada contra essa comédia, mas ela reflete o "espírito dos anos 70"), tentam transformar Paulo Maluf num político cult e veem modernidade no projeto ditatorial de Jaime Lerner e seus ônibus visualmente padronizados, fica complicado questionar o "futurismo" atribuído a dois religiosos que mais parecem ter vindo dos porões mofados da República Velha.
O que assusta, seja no Brasil e no mundo, é a confiança com que retrógrados de todo tipo têm em fazer a marcha a ré da humanidade com menos atropelos possíveis, ou, no pior dos casos, com menos arranhões. Acham que a humanidade entrará no futuro retomando um passado que combina barbárie e preceitos moralistas, privilégios de poucos e flagelos de muitos, um egoísmo de uma minoria que pede aos outros caridade e misericórdia para os egoístas e seus atos abusivos e danosos.
Enquanto se desenha um mundo injusto e surreal no qual convicções sociais querem se sobrepor à realidade, os egoístas sentem a ilusão de sua invulnerabilidade: quem fica rico às custas do empobrecimento do outro e acha que não perderá dinheiro, o sujeito que tira a vida de outrem e imagina que nunca vai morrer, a pessoa que pratica corrupção e acha que não será punida, o sujeito que impõe uma medida nociva acreditando que ela nunca será revogada, o sujeito que humilha outrem acha que nunca será desmoralizado etc.
Todo esse egoísmo parece prevalecer e desafiar impasses, irregularidades, escândalos e toda revolta popular. O triunfo dos retrógrados em prol de seu egoísmo passadista parece desafiar as circunstâncias, até o momento em que a realidade cobre sua conta àqueles que investem e se apegam a esses retrocessos desesperados.
O que tem em comum o governo Michel Temer, os atentados numa boate gay em Orlando, a ascensão da extrema-direita na Europa e o fundamentalismo do Estado Islâmico? Em diferentes contextos, há um saudosismo perigoso de uma parcela da sociedade pedindo para voltar tempos de valores sociais mais retrógrados.
2016 se revela um ano problemático. Pessoas consideradas de alguma contribuição moderna para a sociedade, como o escritor Umberto Eco e o cantor David Bowie, faleceram. Em contrapartida, políticos idosos como José Sarney e Paulo Maluf se recusam a sair de cena e a sociedade patriarcalista e machista vive com medo de ver os feminicidas Pimenta Neves e Doca Street, com fortes indícios de doenças graves em estágio avançado, morrerem de repente.
Morreram também talentos promissores, como o ator Aaron Yeltchin e a cantora Christina Grimmie. É um ano em que cidades antes consideradas redutos de modernidade, como Paris e Rio de Janeiro, sucumbem a decadências vertiginosas, desafiando aqueles que ainda creem nessas cidades como "modelos" a serem seguidos pelas demais regiões. É também um período em que as mídias sociais (do antigo Orkut ao atual WhatsApp) mostra internautas cada vez mais retrógrados e ignorantes.
Além disso, há a saída da Grã-Bretanha da União Europeia, complicando a integridade econômica, e, no Brasil, um confuso governo interino, que se pretende efetivo - Michel Temer fala em governar até o fim de 2018 - , com base numa agenda cheia de retrocessos e com uma equipe e base de apoio (neste caso com Aécio Neves, Eduardo Cunha e companhia) envolvida em escândalos de corrupção.
Há um grande apego aos retrocessos. Uma nostalgia doentia, que acaba criando em seus defensores um rompimento com a realidade, já que o radicalismo das convicções sociais faz com que muitos reajam contra princípios realistas, contra a lógica e contra a ética.
Retornam movimentos extremistas que vão desde o fundamentalismo religioso que reivindica uma volta às crenças de, pelo menos, dois mil anos atrás, até grupos que querem uma higienização racial para promover uma sociedade, pelo menos, de maioria branca. Há os plutocratas, os machistas, os racistas, os elitistas que também querem um mundo praticamente exclusivo deles.
No Brasil, um fato aberrante é a boa reputação que um encrenqueiro como Jair Bolsonaro tem para uma parcela considerável de brasileiros e a criação de movimentos como "International Klans", que espalhou panfletos em alguns lugares em Niterói. E há o medo do hesitante governo Michel Temer, a exemplo dos primeiros anos "frouxos" da ditadura militar, se converter em uma conduta ainda mais cruel e repressiva para a população.
Nos EUA, grupos racistas e homofóbicos eventualmente se manifestam, fora os atiradores de diversas origens que praticam chacinas em várias partes do país. O Klu Klux Klan, de triste lembrança, continua existindo. Na Europa, grupos de extrema-direita atraem adeptos em vários países, e um fascista de 52 anos assassinou uma parlamentar britânica que defendia a permanência do Reino Unido na União Europeia e depois foi preso.
As pessoas em geral perderam a noção da realidade, as mídias sociais incluem de reacionários doentios que praticam cyberbullying a fãs "afogados" nas suas fantasias que, contrariados com a realidade, querem matar seus ídolos.
A ilusão da "tecnologia de ponta" revela um caminho inverso da humanidade desinformada que, conhecendo vagamente fatos passados, sem fazer o discernimento necessário, acabam se interessando por eles e defendendo uma sociedade ainda mais retrógrada.
Um tempo em que mulheres eram coisas e machistas, deuses (daí que feminicidas, por exemplo, "nunca podem morrer"). Que patrões detinham o monopólio de decisão sobre os empregados. Que os aumentos de preços eram suportados como sendo decisões divinas. Que os tecnocratas sempre decidiam pelo povo, por pior que seja uma decisão. Que divindades e lendas guiavam multidões a seus templos de adoração. Que ruas só eram ocupadas por "brancos limpinhos e perfumados".
Mesmo a rebeldia é guiada para defender tais valores obscurantistas. Um "espírito do contra" que vê num retrocesso uma forma de catarse, um saudosismo obscurantista, um "medo da clareza" e um pavor do progresso, que faz com que os incomodados do Sol do futuro corram, ao mesmo tempo ferozes e assustados, ameaçadores e fugitivos, às suas "cavernas de Platão".
A coisa acontece de forma tão aberrante que, no Brasil, a chamada grande imprensa (Globo, Folha, Veja, Estadão) chega a impor sua visão míope das coisas, se revoltando quando jornalistas estrangeiros retiram a máscara do golpismo político do governo Temer e sua equipe de "notáveis" corruptos.
Um comentarista de Época, Guilherme Fiúza, chegou a cometer uma violenta gafe, publicando um texto no qual acusa o jornal estadunidense New York Times de ser patrocinado pelo PT. Fiúza "pagou mico" diante de correspondentes internacionais conceituados.
Recentemente, o empresário da Folha de São Paulo, Otávio Frias Filho, levou uma bronca de uma jornalista britânica que definiu a grande mídia brasileira como golpista e voltada aos interesses de seus donos. Graças a esse quadro (e de pistolagens que matam blogueiros e quem denunciar o coronelismo regional local), a ONG Repórteres Sem Fronteiras registrou que o Brasil caiu, de 2015 para 2016, de 99º para 104º lugar em liberdade de imprensa.
E quem imagina que o "espiritismo" está fora disso está enganado. A religião que se diz "futurista" e "esclarecedora" demonstrou, na verdade, ser, até mais do que a atual linhagem da Igreja Católica, herdeira do Catolicismo medieval português, e a postura "dúbia" que bajula Allan Kardec mas pratica igrejismo não consegue dissimular essa realidade.
Perdido em suas próprias contradições, o "espiritismo" nem de longe pode ser considerado futurista nem moderno, mas antiquado e velho, um catolicismo medieval redivivo. Ver que igrejeiros moralistas como Chico Xavier e Divaldo Franco são considerados "futuristas" é, no fundo, constrangedor.
Mas num Brasil em que muitos veem como a "última palavra em humor" uma comédia mexicana de 45 anos atrás (nada contra essa comédia, mas ela reflete o "espírito dos anos 70"), tentam transformar Paulo Maluf num político cult e veem modernidade no projeto ditatorial de Jaime Lerner e seus ônibus visualmente padronizados, fica complicado questionar o "futurismo" atribuído a dois religiosos que mais parecem ter vindo dos porões mofados da República Velha.
O que assusta, seja no Brasil e no mundo, é a confiança com que retrógrados de todo tipo têm em fazer a marcha a ré da humanidade com menos atropelos possíveis, ou, no pior dos casos, com menos arranhões. Acham que a humanidade entrará no futuro retomando um passado que combina barbárie e preceitos moralistas, privilégios de poucos e flagelos de muitos, um egoísmo de uma minoria que pede aos outros caridade e misericórdia para os egoístas e seus atos abusivos e danosos.
Enquanto se desenha um mundo injusto e surreal no qual convicções sociais querem se sobrepor à realidade, os egoístas sentem a ilusão de sua invulnerabilidade: quem fica rico às custas do empobrecimento do outro e acha que não perderá dinheiro, o sujeito que tira a vida de outrem e imagina que nunca vai morrer, a pessoa que pratica corrupção e acha que não será punida, o sujeito que impõe uma medida nociva acreditando que ela nunca será revogada, o sujeito que humilha outrem acha que nunca será desmoralizado etc.
Todo esse egoísmo parece prevalecer e desafiar impasses, irregularidades, escândalos e toda revolta popular. O triunfo dos retrógrados em prol de seu egoísmo passadista parece desafiar as circunstâncias, até o momento em que a realidade cobre sua conta àqueles que investem e se apegam a esses retrocessos desesperados.
quinta-feira, 23 de junho de 2016
A escravidão de uma editora "espírita"
Já se falou de um conhecido palestrante "espírita", aquele que diz para todos "deixarem de ser bestas", que explorava profissionalmente seus empregados, sem remunerá-los dignamente, em uma editora que produzia uma revista.
Isso é uma escravidão moderna, sobretudo quando se tentava argumentar que as pessoas tinham que trabalhar "por caridade". Pouco importa se os funcionários da editora tinham contas a pagar, precisavam ter sustento próprio, viviam de favor em casas de parentes pela falta de dinheiro para arcar com as despesas, todos tinham que aceitar aquela humilhante situação e fingir que a "luz" já era a "rica remuneração" a seus trabalhos.
Houve funcionária que, mãe solteira, tinha que comprar remédio para a filha, e mal conseguia obter o dinheiro do almoço. Ficava sem comer muito, retendo o dinheiro para ver se juntava para pagar as despesas. Houve outros funcionários que também saíam antes dos patrões para "almoçar" um pequeno pacote de biscoito wafer para manter o resto do dinheiro em sua renda pessoal.
E o pior é que alguns funcionários ficavam com a carteira assinada, embora trabalhassem apenas como "estagiários". e de um teórico salário de R$ 1.000, entre 1999 e 2001, só o dinheiro do almoço, incluído na remuneração (que na prática já incluía os encargos, fazendo com que o salário real fosse bem menor), era regularmente concedido.
Isso é escravidão moderna. E várias empresas, incluindo lojas de roupas de grife e redes internacionais de lanchonetes, também praticam o trabalho escravo. Embora não seja aquele trabalho dos engenhos de cana-de-açúcar que vigoraram até as últimas décadas do século XIX, a degradação remete, sim, à exploração indigna de mão-de-obra.
É chocante, para muitos, ver que um "misericordioso" palestrante "espírita", amigo de Divaldo Franco, José Medrado, Richard Simonetti e admirador de Chico Xavier, todos mistificadores, mas ainda assim associados a um carisma inabalável por conta das conveniências que a religião garante à sociedade, ter explorado dessa forma o mercado de trabalho, a ponto de ter que comparecer ao tribunal várias vezes para tratar de processos trabalhistas.
Isso mostra o quanto a religião "espírita", tão cheia de contradições, mostra seus aspectos sombrios. O mais grave é que a complacência das pessoas faz com que se use a desculpa "quem nunca erra?" para inocentar quem é comprovadamente responsabilizado por erros graves, servindo como um mero pretexto para aceitar a idolatria e o prestígio de pessoas que não merecem tais benefícios.
Essa atitude é comparável com a de Madre Teresa de Calcutá, que sob o pretexto da "caridade", transformava as Casas dos Moribundos em depósitos de gente enferma, com internos expostos uns aos outros ao contágio de doenças gravíssimas, não bastasse eles não serem devidamente assistidos.
Os "filhos crescidos" de Madre Teresa eram mantidos mal alimentados, remediados apenas com paracetamol e aspirina, e recebiam injeção em seringas reutilizadas, algo comparável ao que usuários de drogas fazem entre si e que é responsável pela disseminação de doenças mortais como AIDS.
No entanto, oficialmente, Madre Teresa é considerada "santa até quando era viva", tem garantido seu processo de canonização pelo Vaticano e muitos acreditam que ela tenha sido uma "grande mãe" dos pobres e enfermos.
Os "espíritas" cultuam Madre Teresa como se ela fosse um ícone do "movimento espírita". Também ignoram seu lado sombrio, denunciado por Christopher Hitchens e confirmado por pesquisas acadêmicas. Os "espíritas" adoram comparar Madre Teresa a Chico Xavier, nas qualidades positivas, mas observa-se uma realidade desigual quando se tratam de aspectos negativos.
Com toda a blindagem que cerca Madre Teresa de Calcutá, pelo menos existe também um movimento de contestação expressivo e o meio acadêmico não se rende aos "encantos" da imagem religiosa da freira albanesa. Mesmo com um mito concebido de forma bastante organizada, Madre Teresa pôde ter sua imagem desconstruída por livros, documentários e monografias reconhecidos pela opinião pública.
Já Chico Xavier, mesmo com seu mito construído de maneira confusa - só no final dos anos 1970 o mito de Chico Xavier foi reconstruído nos mesmos moldes que Malcolm Muggeridge fez com Madre Teresa e sob o apoio explícito da Rede Globo - , a blindagem em torno dele é muito mais forte e mesmo os meios acadêmicos e jurídicos não se dispõem a desafiar esse mito.
Daí que, por exemplo, o nome de Humberto de Campos, que comprovou-se ter sido levianamente utilizado por Chico Xavier, já que as obras "psicográficas" realmente não condizem ao estilo original do autor maranhense, circula impunemente nas obras publicadas pelo "médium" mineiro, não só pela falta de punição legal, mas pelo estímulo e apoio dado por setores influentes da sociedade.
E isso permite abusos diversos. Divaldo Franco começou suas obras "psicográficas" plagiando Chico Xavier, que já era um plagiador. "Espíritas" atualmente professam um igrejismo extremado, mas dizem condenar a "vaticanização do Espiritismo". Alguns negam que o "espiritismo" brasileiro seja uma religião, acham que é "filosofia", mas adotam procedimentos e abordagens escancaradamente religiosas.
O "espiritismo" só tem a sorte de ser mais sutil que as seitas neopentecostais, e passar uma imagem mais simpática e supostamente despretensiosa. Além disso, o "espiritismo" se comporta como um Catolicismo à paisana, o que faz com que a adesão de católicos não-praticantes se torne ainda mais entusiasmada. O "espiritismo" deixa as pessoas "à vontade".
Por isso ninguém desconfia dos aspectos sombrios. E ninguém percebe o quanto pessoas que querem trabalhar são maltratadas justamente por uma editora "espírita" que só remunera o almoço mas atrasa salários de maneira indefinida. E o palestrante "espírita" ainda diz que as pessoas deveriam trabalhar por "caridade", se "preocupando menos" com a questão salarial.
Enquanto isso, os preços de tudo, como produtos, contas e serviços aumentam de maneira descontrolada, desafiando as remunerações que não crescem dignamente e até diminuem, e as carteiras de dinheiros ficando cada vez mais vazias. Vai alguém dizer para quem cobra um preço que irá pagar essas coisas com "luz". Será que essa desculpa vai convencer, "espíritas"?
terça-feira, 21 de junho de 2016
Niterói, a cidade do interior que nenhuma cidade do interior quer ser
No último dia 28 de maio, um desfile internacional reunindo celebridades estrangeiras realizou-se no Museu de Arte Contemporânea, em Niterói. Pode parecer um fato normal, não fosse um detalhe: por poucas horas, Niterói teve um destaque no Brasil e no mundo.
Foi apenas uma pálida lembrança de uma cidade que chegou a ser capital do Estado do Rio de Janeiro. O próprio Estado vive um estado (olha o trocadilho) de decadência avassaladora, e, se a cidade vizinha, o Rio de Janeiro, sofre uma decadência que não dá mais para esconder - recentemente, a cidade protagonizou um caso de estupro coletivo - , Niterói leva essa decadência até as últimas consequências.
É como se a antiga capital fluminense aceitasse tardiamente a condição subserviente imposta pela fusão dos antigos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara (este constituído apenas do município do Rio, depois que deixou de ser o Distrito Federal), decisão feita pela ditadura militar.
Mesmo diante dessa ação arbitrária, que "esvaziou" Niterói com praticamente toda a migração de negócios e instituições diversas para a cidade vizinha mais famosa, havia iniciativas de destaque como a até hoje insuperável experiência da rádio de rock Fluminense FM e a construção do imponente Museu de Arte Contemporânea, criação do renomado arquiteto Oscar Niemeyer.
Mas até essas duas façanhas decaíram. No espaço de sintonia da antiga Fluminense, opera uma rádio de notícias. Além disso, existe a complacência de adeptos da antiga Fluminense, ligados a iniciativas como o memorial Maldita 3.0 e rádios como a (hoje inativa) Kiss Rio FM e a digital Cult FM, com a canastrice eletrônica da Rádio Cidade, FM que se comprovou sem vocação, nem competência e muito menos tradição na cultura rock, além de ser feita por gente que não entende do ramo.
No caso do MAC, o aspecto decadente se refere não ao museu em si, mas ao seu derivado, o Módulo de Ação Comunitária, o Maquinho, museu voltado ao público infanto-juvenil, que teria sido dominado por traficantes do Morro do Palácio, no Ingá.
Niterói sucumbiu a uma decadência que, em certos aspectos, é até pior do que o do município vizinho. É certo que a decadência observada na cidade do Rio de Janeiro atinge níveis catastróficos que fazem a cidade sucumbir a um inimaginável atraso que a coloca abaixo até do que capitais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste viveram durante a ditadura militar. Mas Niterói está pior no contexto de sua acomodação que faz muitos dos críticos dizerem que a cidade "parou no tempo".
ACESSO CARO E DEMORADO
Reduzida a ser uma cidade-dormitório, Niterói está suja e miserável, com um grande número de mendigos e marginais nas ruas, bairros violentos (Fonseca, Viradouro, Caramujo e São Francisco são alguns dos exemplos), comércio decadente com lojas se fechando e um sistema deficitário de abastecimento em que produtos se esgotam no mercado rapidamente e demoram para serem reabastecidos.
Niterói não faz jus à antiga posição de um dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano do país. O título teria sido obtido por dados maquiados, já que, a partir da década de 1990, a cidade decaiu muito.
Só o bairro do Viradouro, por exemplo, era um bairro de classe média quase aos níveis de Icaraí, mas hoje é uma "terra sem lei" onde traficantes circulam pela rua em plena luz do dia e controlam até mesmo o Conjunto Residencial Sílvio de Noronha, o Conjunto da Marinha do bairro. De vez em quando, o bairro sofre ocorrência de tiroteios em manhãs ou tardes de grande movimento.
A cidade de Niterói se comporta como uma cidade interiorana e perigosa, como nenhuma cidade do interior do país gostaria de ser. Sua urbanização caótica faz com que haja concentrações de favelas além da conta nas regiões de Pendotiba e Caramujo, criando uma estrutura desigual e desumana.
O comércio sofre com poucas opções de lojas e serviços. Até no âmbito da saúde faltam clínicas e consultórios realmente especializados em determinadas áreas. Lojas fecham constantemente, criando "corredores da falência" em vários cantos da cidade. O dado insólito é que, mesmo com esse quadro dramático, há o dado surreal do prefeito Rodrigo Neves ser premiado pelo SEBRAE por um projeto de empreendedorismo que nunca foi posto em prática.
Mas mesmo o comércio que existe e tem continuidade peca pelo desabastecimento, já que estoques de vários produtos desaparecem rapidamente mas levam uma média de duas ou três semanas para serem reabastecidos. Niterói se mostra um dos piores setores de logística existentes no país, e olha que a cidade fica no centro dos grandes distribuidores e fabricantes de produtos. Isso sem falar da lentidão dos operadores de caixas de supermercados, que mais parecem namorar o computador.
Eventos culturais também são raros numa Niterói que chegou a ser cosmopolita. A cidade que tinha uma cena de rock e MPB fortes, que deu ao Brasil de Leopoldo Fróes a Leila Diniz, vive a supremacia de ritmos popularescos (como "sertanejo" e "funk") e carece de verbas públicas para viabilizar uma rotina constante de atrações culturais de qualidade.
Na mobilidade urbana, destaca-se a péssima distribuição de linhas de ônibus, pois não há uma linha direta ligando, por exemplo, Charitas ao bairro de Alcântara, em São Gonçalo, e na cidade que constrói a ligação Charitas-Cafubá não há uma ligação direta entre os bairros vizinhos de Rio do Ouro e Várzea das Moças, cujo acesso precisa ser feito pela Rodovia RJ-106, complicando o trânsito no local.
Há também os problemas de deslocamento para o Rio de Janeiro, já que para ir à cidade vizinha o deslocamento é caro e, no caso da Ponte Rio-Niterói, bastante demorado, o que faz com que o niteroiense seja um "estrangeiro" para os cariocas, em que pese o vício da mídia fora do Rio de Janeiro confundir Niterói como se fosse um distrito da (outrora) Cidade Maravilhosa.
Além disso, há também a macaqueação da tenebrosa iniciativa da pintura padronizada nos ônibus do Rio de Janeiro, repetida em Niterói e em São Gonçalo, escondendo empresas de ônibus da população, coisa que não é resolvida pela exibição de pequenos logotipos que se perdem num olhar à distância ou se confundem quando colocados em janelas junto a outros logotipos (símbolo de cadeirante, de vistoria ecológica, preço da tarifa etc).
O pior é que as autoridades de Niterói falavam, com seu natural cinismo demagógico - não muito diferente do da famosa cidade vizinha e de pessoas do nível de um Eduardo Cunha - , que a pintura padronizada "tirava o vínculo visual" das empresas de ônibus, mas impunha um vínculo com a Prefeitura, num claro apelo de propaganda política, que praticamente "partidariza" o sistema de ônibus, com evidente prejuízo para os passageiros que usam ônibus para ir e vir de suas casas.
Nas linhas intermunicipais e interestaduais, Niterói peca pelo horário limitado e muito raro de várias linhas de ônibus para outras cidades, como Itaguaí e Três Rios, e pelo equívoco de um dos ramais da linha Rio X Salvador, que passa pelo município, não estabelecer parada na Rodoviária de Niterói, que há muito tempo perdeu o glamour que o Centro Norte, como um todo, que era similar ao da Praça Mauá carioca e hoje reduziu-se a um decadente reduto de ébrios, mendigos e marginais.
OUTROS PROBLEMAS
Não há uma lei de combate à poluição sonora e Niterói leva ao extremo o fanatismo pelo futebol, uma doença grave que atinge o Grande Rio e que chega a condicionar as relações sociais pela obrigatoriedade de gostar por futebol e, de preferência, torcer por um dos quatro times cariocas (Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco), seguindo a regra da região metropolitana em que há gente que pergunta antes o time de alguém antes de saber o seu nome.
Durante as partidas esportivas, podendo ser até véspera de dia útil, no fim de noite, com pessoas indo dormir para acordarem para mais um dia de trabalho e várias morando longe e tendo que acordar ainda de madrugada, torcedores gritam feito feras ensandecidas a cada gol de seu time de preferência.
Pior é que esses torcedores, muitas vezes, parecem ficar em silêncio sepulcral, em boa parte do andamento do jogo, até que um gol faz com que uma gritaria em níveis altíssimos de decibéis, que fazem um quarteirão de bairro parecer uma arquibancada de estádio, desaba acordando os que já começavam a dormir, perdendo o sono com tanta barulheira.
Niterói parece muitas vezes rural e sem higiene, que até os caminhões de lixo espalham fedor por onde passam, diante de bovinos cidadãos que, seguindo a "Síndrome de Riley Day" (alusão à doença na qual sua vítima é incapaz de sentir qualquer tipo de dor) dos cariocas em geral, já nem sentem o mau cheiro que já existe em ruas fétidas de esgoto, de lixo espalhado e fezes de cães nas calçadas.
Há também o caso do grande número de fumantes em Niterói, um reflexo que acontece também em outras regiões do Grande Rio. O pior é que as pessoas que fumam têm o descaramento de andarem cerca de três, quatro ou cinco quarteirões sem fumar, só com o cigarro aceso na mão, cuja fumaça incomoda justamente os não-fumantes.
Isso é uma grande falta de respeito com quem não fuma. Se a pessoa é capaz de andar quatro ou cinco quarteirões sem fumar, por que então ela não para de fumar de vez, ao invés de ficar segurando um cigarro aceso para poluir a atmosfera? Ignoram os fumantes que um simples cigarro contém substâncias análogas ao de venenos de rato e fumaças que escapam dos canos dos automóveis.
A acomodação do Grande Rio é geral. O município do Rio de Janeiro já aflige o país com sua trágica e avassaladora decadência, simbolizada recentemente pelo estupro coletivo e, um pouco antes, pela queda de uma ciclovia mal-construída.
Mas Niterói causa espanto pelo fato de sua decadência não só ser semelhante ao da cidade vizinha como apresenta outros aspectos, que fazem com que Niterói decaia para um provincianismo pior do que seria admissível num Estado como o Acre. Mesmo tardiamente, é assustador que Niterói tenha passado a aceitar a condição humilhantemente servil que a ditadura militar lhe reservou quando realizou a confusa fusão dos Estados do Rio de Janeiro e Guanabara.
domingo, 19 de junho de 2016
Rio de Janeiro realmente está em estado de calamidade pública
VÍTIMA DE ESTUPRO COLETIVO CHEGANDO PARA DEPOR EM DELEGACIA NO RIO. A CALAMIDADE PÚBLICA NÃO É SÓ ECONÔMICA.
A semana terminou com o governador interino do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, decretar estado de calamidade pública. A notícia chocou o país, mas de forma menos intensa, já que o Estado do Rio de Janeiro já tinha sido cenário de tantas ocorrências funestas, nos últimos anos.
Portanto, antes que a chamada "boa sociedade" carioca dissesse que esse decreto é um "mimimi" para arrancar verbas federais à toa, ou que é "culpa do PT" - de repente os petistas viraram bodes expiatórios de "tudo que está aí" no país - ou que não passa de uma grande frescura política.
É certo que Francisco Dornelles nem de longe é um político carismático. Ele parece um "dinossauro" político, da árvore genealógica familiar tanto de Getúlio Vargas quanto de Tancredo Neves (avô do desastrado e corrupto senador Aécio Neves) e, politicamente, de variantes conservadoras do governo carioca.
No entanto, o decreto só reflete a decadência avassaladora que o Estado do Rio de Janeiro e, por conseguinte, a sua antes imponente capital, está sofrendo. Uma decadência generalizada, algo como uma antiga vedete sofrendo AVC. A ex-Cidade Maravilhosa, palco de tantas ocorrências infelizes, realmente sofre uma calamidade pública, e ela não é somente econômica.
As pessoas têm a mania de admitir a crise quando falta dinheiro. Se tem dinheiro, não há crise. Se há sucesso comercial, não há crise. Essa é uma visão bastante enganosa que as últimas ocorrências estão pondo em xeque-mate naqueles que acreditam que, fora a "falta de verbas", o Rio de Janeiro "continua lindo".
Só a queda de uma ciclovia muito mal construída, matando dois ciclistas, e o caso do estupro coletivo que vitimou uma adolescente, mostram o quanto o Rio de Janeiro sofre uma decadência sem limites. E Niterói, antiga capital do Estado, segue o mesmo declínio, feliz em servir-se de capacho para a cidade vizinha, virando uma cidade provinciana do tipo que muitas cidades do interior já começam a romper.
É o espírito do tempo. O Rio de Janeiro decai como um todo. A cidade da Bossa Nova de 60 anos atrás hoje é a cidade do grotesco "funk", que agora se enrola todo para explicar um machismo que nunca assumiu antes.
Da mesma forma, é a cidade cuja boa parcela da população deu de presente ao país personalidades políticas de valor deplorável como o antes apenas inexpressivo Eduardo Cunha, eleito deputado federal em 2014 e convertido num tirânico e irresponsável presidente da Câmara dos Deputados, e o fascista Jair Bolsonaro, que chegou até a fazer apologia ao estupro, quando brigou com uma deputada do PT.
Os cariocas pagaram caro porque foi através de Eduardo Cunha que se interrompeu o mandato de Dilma Rousseff, que mesmo com suas imperfeições tentava manter o país nos eixos, com o controle dos preços, revalorização gradual dos salários e implantação de medidas de âmbito social. Cunha está associado às "pautas-bombas", propostas associadas a retrocessos sociais ligados a preconceitos religiosos e elitistas e à ganância financeira dos "moralistas" envolvidos.
Agora Cunha só está ameaçado de perder o mandato parlamentar - ele apenas está suspenso, embora tenha perdido a chance de, como presidente da Câmara, exercer eventualmente a presidência da República, nas ausências do titular Michel Temer - depois de muita trabalheira e pelo fato de que, pelo temperamento difícil, Cunha também oferece perigo para o grupo político que fez afastar Dilma, até pelo medo do deputado e marido de uma ex-jornalista da Globo "ir longe demais".
Arrivismo tem limites. E, na terra da Rede Globo, mídia traiçoeira de péssimos serviços de manipulação da opinião pública, até o público de rock, ligado a paradigmas de rebeldia juvenil, recebeu o péssimo "presente de grego" da Rádio Cidade, decadente emissora que usa o lema "Rock de Verdade" mas trabalha com equipe sem envolvimento algum com o gênero e com uma grade de programação que remete aos mesmos programas de besteirol e sucessos musicais da Jovem Pan FM.
Mas a tolerância do público roqueiro autêntico - ligado a projetos como Maldita 3.0, Kiss FM e Cult FM - com a supremacia mercadológica da Rádio Cidade (o pretexto é deixar que uma emissora incompetente mas "melhor estruturada" firme o rock no mercado, algo como deixar que um lobo faminto reorganize um rebanho de ovelhas) também revela um contexto de conveniências.
Afinal, já que até a imprensa internacional (ridicularizada por incompetentes jornalistas da grande mídia, que se pretendem "donos da verdade" com suas visões fora da realidade) acusa os políticos do PMDB carioca de agravarem a crise fluminense, faz sentido essa preocupação em "manter" uma decadente e incompetente "rádio rock": os donos da Cidade estabelecem alianças comerciais e turísticas com o próprio PMDB, os dirigentes esportivos e os empresários de grandes eventos.
Mas também os interesses econômicos e políticos também ganham um tempero automotivo, com o sistema de ônibus do Rio de Janeiro sofrendo uma decadência em níveis catastróficos - ou calamitosos, para citar o decreto de Dornelles - e não é só por motivação econômica.
O sistema decai pelos erros grotescos que atropelam de morte o interesse público com medidas impopulares - como a dupla função motorista-cobrador que demitiu muitos trabalhadores que sustentavam famílias, a pintura padronizada que esconde empresas de ônibus sob a mesma pintura, confundindo a população e favorecendo a corrupção político-empresarial que fez empresas surgirem e serem extintas, linhas trocarem de empresa e tudo o mais, sem que a população saiba.
A aceitação da pintura padronizada nos ônibus por uma população resignada fez com que as autoridades abusassem e impusessem novos retrocessos, como o fim das linhas diretas da Zona Norte para a Zona Sul, sob a desculpa do "sistema integrado", que já ceifou também linhas distantes como 465 Cascadura / Gávea, 676 Méier / Penha e 952 Penha / Praça Seca, complicando a vida de muitos moradores.
Era todo o processo que se vê hoje no governo Michel Temer. No conjunto da obra, uma coleção de retrocessos trazidos por um sistema de valores no qual o que vale é o status quo de quem decide, e não a validade ou não de uma medida.
Outra calamidade pública eram as ações de trolagem e cyberbullying nas mídias sociais, em que ataques em massa eram combinados para quem não concordava com esses valores estabelecidos, campanhas difamatórias complementadas, em certos casos, com blogues caluniadores criados contra os desafetos, geralmente parodiando suas atividades e usando de forma leviana e desrespeitosa seu legado pessoal.
Isso significa a ação de jovens desprovidos de formação educacional e moral que usam da "liberdade da rede" para depreciarem e ameaçarem quem discorda de um sistema de valores machista, racista, tecnocrático, midiático e econômico nos quais o poder dominante é praticamente divinizado e defendido com submissão extrema, cabendo punição a quem discordar disso.
Ver que jovens assim travestem sua mentalidade medieval através de uma falsa rebeldia, um uso de palavrões, ironias e sarcasmos que parecem "modernos", trajes que variam de universitários ou mesmo suburbanos comuns a outros que misturam hippies, black power, surfistas, skatistas e outros tipos aparentemente arrojados é assustador.
Só esses encrenqueiros digitais, em maioria residentes no Grande Rio, que mostram que a calamidade pública que atinge o Rio de Janeiro não se limita à crise econômica, mas um conjunto de valores. A própria vitória eleitoral do PMDB e a ascensão de figuras como Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro revela esse obscurantismo sócio-cultural, que é a verdadeira calamidade que faz o Rio de Janeiro perder toda a razão de ser como antiga cidade-modelo para o resto do Brasil.
A semana terminou com o governador interino do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, decretar estado de calamidade pública. A notícia chocou o país, mas de forma menos intensa, já que o Estado do Rio de Janeiro já tinha sido cenário de tantas ocorrências funestas, nos últimos anos.
Portanto, antes que a chamada "boa sociedade" carioca dissesse que esse decreto é um "mimimi" para arrancar verbas federais à toa, ou que é "culpa do PT" - de repente os petistas viraram bodes expiatórios de "tudo que está aí" no país - ou que não passa de uma grande frescura política.
É certo que Francisco Dornelles nem de longe é um político carismático. Ele parece um "dinossauro" político, da árvore genealógica familiar tanto de Getúlio Vargas quanto de Tancredo Neves (avô do desastrado e corrupto senador Aécio Neves) e, politicamente, de variantes conservadoras do governo carioca.
No entanto, o decreto só reflete a decadência avassaladora que o Estado do Rio de Janeiro e, por conseguinte, a sua antes imponente capital, está sofrendo. Uma decadência generalizada, algo como uma antiga vedete sofrendo AVC. A ex-Cidade Maravilhosa, palco de tantas ocorrências infelizes, realmente sofre uma calamidade pública, e ela não é somente econômica.
As pessoas têm a mania de admitir a crise quando falta dinheiro. Se tem dinheiro, não há crise. Se há sucesso comercial, não há crise. Essa é uma visão bastante enganosa que as últimas ocorrências estão pondo em xeque-mate naqueles que acreditam que, fora a "falta de verbas", o Rio de Janeiro "continua lindo".
Só a queda de uma ciclovia muito mal construída, matando dois ciclistas, e o caso do estupro coletivo que vitimou uma adolescente, mostram o quanto o Rio de Janeiro sofre uma decadência sem limites. E Niterói, antiga capital do Estado, segue o mesmo declínio, feliz em servir-se de capacho para a cidade vizinha, virando uma cidade provinciana do tipo que muitas cidades do interior já começam a romper.
É o espírito do tempo. O Rio de Janeiro decai como um todo. A cidade da Bossa Nova de 60 anos atrás hoje é a cidade do grotesco "funk", que agora se enrola todo para explicar um machismo que nunca assumiu antes.
Da mesma forma, é a cidade cuja boa parcela da população deu de presente ao país personalidades políticas de valor deplorável como o antes apenas inexpressivo Eduardo Cunha, eleito deputado federal em 2014 e convertido num tirânico e irresponsável presidente da Câmara dos Deputados, e o fascista Jair Bolsonaro, que chegou até a fazer apologia ao estupro, quando brigou com uma deputada do PT.
Os cariocas pagaram caro porque foi através de Eduardo Cunha que se interrompeu o mandato de Dilma Rousseff, que mesmo com suas imperfeições tentava manter o país nos eixos, com o controle dos preços, revalorização gradual dos salários e implantação de medidas de âmbito social. Cunha está associado às "pautas-bombas", propostas associadas a retrocessos sociais ligados a preconceitos religiosos e elitistas e à ganância financeira dos "moralistas" envolvidos.
Agora Cunha só está ameaçado de perder o mandato parlamentar - ele apenas está suspenso, embora tenha perdido a chance de, como presidente da Câmara, exercer eventualmente a presidência da República, nas ausências do titular Michel Temer - depois de muita trabalheira e pelo fato de que, pelo temperamento difícil, Cunha também oferece perigo para o grupo político que fez afastar Dilma, até pelo medo do deputado e marido de uma ex-jornalista da Globo "ir longe demais".
Arrivismo tem limites. E, na terra da Rede Globo, mídia traiçoeira de péssimos serviços de manipulação da opinião pública, até o público de rock, ligado a paradigmas de rebeldia juvenil, recebeu o péssimo "presente de grego" da Rádio Cidade, decadente emissora que usa o lema "Rock de Verdade" mas trabalha com equipe sem envolvimento algum com o gênero e com uma grade de programação que remete aos mesmos programas de besteirol e sucessos musicais da Jovem Pan FM.
Mas a tolerância do público roqueiro autêntico - ligado a projetos como Maldita 3.0, Kiss FM e Cult FM - com a supremacia mercadológica da Rádio Cidade (o pretexto é deixar que uma emissora incompetente mas "melhor estruturada" firme o rock no mercado, algo como deixar que um lobo faminto reorganize um rebanho de ovelhas) também revela um contexto de conveniências.
Afinal, já que até a imprensa internacional (ridicularizada por incompetentes jornalistas da grande mídia, que se pretendem "donos da verdade" com suas visões fora da realidade) acusa os políticos do PMDB carioca de agravarem a crise fluminense, faz sentido essa preocupação em "manter" uma decadente e incompetente "rádio rock": os donos da Cidade estabelecem alianças comerciais e turísticas com o próprio PMDB, os dirigentes esportivos e os empresários de grandes eventos.
Mas também os interesses econômicos e políticos também ganham um tempero automotivo, com o sistema de ônibus do Rio de Janeiro sofrendo uma decadência em níveis catastróficos - ou calamitosos, para citar o decreto de Dornelles - e não é só por motivação econômica.
O sistema decai pelos erros grotescos que atropelam de morte o interesse público com medidas impopulares - como a dupla função motorista-cobrador que demitiu muitos trabalhadores que sustentavam famílias, a pintura padronizada que esconde empresas de ônibus sob a mesma pintura, confundindo a população e favorecendo a corrupção político-empresarial que fez empresas surgirem e serem extintas, linhas trocarem de empresa e tudo o mais, sem que a população saiba.
A aceitação da pintura padronizada nos ônibus por uma população resignada fez com que as autoridades abusassem e impusessem novos retrocessos, como o fim das linhas diretas da Zona Norte para a Zona Sul, sob a desculpa do "sistema integrado", que já ceifou também linhas distantes como 465 Cascadura / Gávea, 676 Méier / Penha e 952 Penha / Praça Seca, complicando a vida de muitos moradores.
Era todo o processo que se vê hoje no governo Michel Temer. No conjunto da obra, uma coleção de retrocessos trazidos por um sistema de valores no qual o que vale é o status quo de quem decide, e não a validade ou não de uma medida.
Outra calamidade pública eram as ações de trolagem e cyberbullying nas mídias sociais, em que ataques em massa eram combinados para quem não concordava com esses valores estabelecidos, campanhas difamatórias complementadas, em certos casos, com blogues caluniadores criados contra os desafetos, geralmente parodiando suas atividades e usando de forma leviana e desrespeitosa seu legado pessoal.
Isso significa a ação de jovens desprovidos de formação educacional e moral que usam da "liberdade da rede" para depreciarem e ameaçarem quem discorda de um sistema de valores machista, racista, tecnocrático, midiático e econômico nos quais o poder dominante é praticamente divinizado e defendido com submissão extrema, cabendo punição a quem discordar disso.
Ver que jovens assim travestem sua mentalidade medieval através de uma falsa rebeldia, um uso de palavrões, ironias e sarcasmos que parecem "modernos", trajes que variam de universitários ou mesmo suburbanos comuns a outros que misturam hippies, black power, surfistas, skatistas e outros tipos aparentemente arrojados é assustador.
Só esses encrenqueiros digitais, em maioria residentes no Grande Rio, que mostram que a calamidade pública que atinge o Rio de Janeiro não se limita à crise econômica, mas um conjunto de valores. A própria vitória eleitoral do PMDB e a ascensão de figuras como Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro revela esse obscurantismo sócio-cultural, que é a verdadeira calamidade que faz o Rio de Janeiro perder toda a razão de ser como antiga cidade-modelo para o resto do Brasil.
sexta-feira, 17 de junho de 2016
O Brasil quer voltar a 1974
O que está em jogo, nos fatos ocorridos no Brasil nos últimos tempos, é o esforço de uma parcela de brasileiros em resgatar os valores de uma estabilidade forçada do período do general Ernesto Geisel, que chegou ao poder em 1974.
Muitos fatos e incidentes ocorridos nos últimos anos refletem essa necessidade de combinar um quadro de "milagre brasileiro" da Era Médici com o contexto de democracia restrita do seu sucessor, e esse projeto parece ser o do atual governo de Michel Temer.
Atualmente, o contexto político é que dita essa perspectiva de uma marcha-a-ré social do Brasil. O governo do presidente interino Michel Temer procura retroceder, em muitos aspectos, em relação a conquistas sociais históricas, prometendo uma política econômica ultraconservadora que contraria muitos dos avanços historicamente atingidos.
Mas, mesmo durante os governos de Lula e Dilma Rousseff, essa perspectiva de voltar à Era Geisel era sinalizada, tanto por uma intelectualidade cultural que defendia o separatismo com um discurso dissimulado, quanto por outros agentes sociais que queriam a "paz forçada" de um equilíbrio forjado durante os idos de 1970-1978, mais precisamente durante o governo Geisel.
O machismo tenta resistir através das mídias sociais ou tanto pelas ocorrências de feminicídios que continuam acontecendo nos noticiários policiais quanto pelo erotismo compulsivo no qual "musas" como Solange Gomes e Renata Frisson, a Mulher Melão, como propagandistas.
O próprio erotismo das revistas pornográficas e das musas de aparência grotescamente "sensual", hoje expresso por essas e outras "musas" através de um sensualismo obsessivo, revela também o saudosismo de revistas antigas como Brazil e Big Man Internacional.
O "separatismo" cultural, que os intelectuais associados defendiam sob a desculpa de "combater o separatismo", forçando a classe média a aceitar a bregalização, num contexto ainda mais radical do que o da Era Médici, quando o mercado e a mídia empurravam o brega para o povo pobre enquanto a classe média ficava com a MPB e o Rock Brasil juntamente com a elite. Hoje, a classe média é induzida a apreciar o brega.
Ideólogos dessa "cultura popular" sonhavam com a volta da "provocatividade" pós-Tropicália, já banalizada e, sem o poder de impacto de 1967-1968, apreciava o comercialismo tosco dos ídolos cafonas, ideologicamente conservador mas tido como "subversivo" apenas por alguns aspectos meramente comportamentais.
O "funk" resgata esses aspectos grosseiros do imaginário brega, embora use um discurso ideológico de pretensa vanguarda artístico-cultural, que funciona na teoria mas não se observa na prática. Pouco importa: o que importa é a visão "oficial", a imagem marqueteira, criando uma "lógica" típica da miopia midiática e publicitária vigente na Era Geisel, ainda governada sob a vigência do Ato Institucional Número Cinco (AI-5).
A economia e outros aspectos do cotidiano, como, por exemplo, a mobilidade urbana, também tem perspectivas que remetem a 1974, entre o "milagre brasileiro" de Médici e a "abertura lenta e gradual" de Geisel.
Na economia, observa-se a volta de medidas para combater a crise - em outros tempos falava-se em "inflação" - , usando a desculpa do arrocho salarial para resolver despesas e déficits, enquanto subsídios são repassados para a indústria e planos de privatização são elaborados. Setores como Saúde e Educação, com menos investimentos, continuam no nível deficitário de sempre.
Na mobilidade urbana, o incômodo mascaramento das empresas de ônibus através da pintura padronizada, medida imposta à força no Rio de Janeiro, juntamente com outros suplícios como a dupla função do motorista-cobrador e o esquartejamento de percursos de linhas funcionais, revelam um projeto de sistema de ônibus que se comprova um fracasso definitivo.
No entanto, tudo isso é mantido sob desculpas de "caráter técnico" e baseadas numa reputação divinizada que o arquiteto Jaime Lerner, mesmo envolvido em corrupção política, ainda possui na sociedade. Recentemente, Lerner foi obrigado pela Justiça a devolver uma grande quantidade de dinheiro obtido em corrupção.
Lerner é apenas um exemplo de como tecnocratas são "santificados" mesmo quando envolvidos em casos de corrupção. É surreal que, num mesmo grupo político sem confiabilidade, a figura do secretário de Transportes, que impõe seu poder a empresas de ônibus escondidas numa pintura padronizada, seja considerado um "santo" ou algo próximo disso.
Falando em "santificação", a própria religiosidade também se desespera em resgatar valores de 1974. O catolicismo só não conseguirá recuperar a demanda que tinha antes, tal como sua influência na sociedade está longe de ter a força de outrora.
Mesmo assim, seu misticismo e moralismo refletem a herança católica, tanto em movimentos protestantes do tipo "neopentecostal" e derivados da Igreja Nova Vida, como a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Assembleia de Deus, todas em ascensão no período do governo Geisel.
No caso do "espiritismo", a ideia de seus membros hoje é justamente a de salvar a tendência que começou a prevalecer definitivamente no período Geisel: a postura "dúbia", que é a dissimulação do igrejismo de influência católica com falsas apreciações do cientificismo de Allan Kardec, postura consagrada com os mitos de Chico Xavier e Divaldo Franco.
O próprio anti-esquerdismo, que fazia com que operações militares suspeitas buscassem eliminar políticos como Juscelino Kubitschek, João Goulart ou mesmo Carlos Lacerda - direitista que passou a se opor à ditadura militar, ao saber que as Forças Armadas lhe barraram o caminho da sucessão presidencial - , criou um novo surto com as manifestações pelo "Fora Dilma" e a campanha caluniosa contra o PT e seus políticos.
Com esses aspectos, é estranho que a grande mídia não defina o período Geisel como "seus anos dourados". Afinal, todas as tentativas de recuperar aquele Brasil ao mesmo tempo castrado e resignado, onde as decisões partiam não da sociedade em si, mas de políticos, empresários, religiosos, tecnocratas e acadêmicos, estão sendo feitas, nem sempre com o êxito desejado, mas com todo o empenho para se fazerem prevalecer de uma forma ou de outra.
Desta maneira, vemos que o Brasil continua sendo um país conservador, pois a necessidade de uma boa parcela de brasileiros em querer fazer marcha-a-ré histórica, retrocedendo o país aos paradigmas vigentes em 1974, mostra o quanto tem gente que não quer progresso nem realismo e nem modernidade para o país. Para eles o que importa é um país "velho", mas estável.
quarta-feira, 15 de junho de 2016
A overdose de religião e os valores retrógrados
A cidade de Orlando foi palco de dois crimes sangrentos que puseram o mundo a pensar. No dia 10, a cantora Christina Grimmie, de 22 anos, que havia sido finalista do The Voice matriz, nos EUA, foi assassinada por um fã enlouquecido, Kevin James Loibi, que depois chegou a ser detido pelo irmão da vítima, mas se suicidou em seguida.
No dia 12 foi a vez do terrorista Omar Saddiqui Mateen, de 29 anos, homofóbico declarado e simpatizante do Estado Islâmico, abrir fogo contra os frequentadores da boate gay Pulse, na mesma cidade da Flórida, EUA, matando 50 pessoas. Omar foi morto por policiais que entraram no local.
Uma porção de problemas envolvem esses incidentes. A começar, o clima de ódio que se propaga nas mídias sociais e faz com que jovens exagerem na rebeldia e idolatrem grupos sanguinários, seja o Estado Islâmico ou a Klu Klux Klan, por exemplo, passem a se tornar vingativos e reacionários.
São pessoas que, em diversos níveis, se irritam com as mudanças dos tempos e reagem de uma forma ou de outra. Pode ser um cyberbullying feito por quem não aceita que alguém discorde de um modismo ou de uma arbitrariedade política, como pode também ser um crime cometido por alguém enfurecido com alguma mudança ocorrida.
Num cenário cada vez mais caótico em que os EUA sofrem com a ocorrência de atentados a bala com várias vítimas e o Brasil está desgovernado com um grupo político cheio de gente corrupta - incluindo o próprio presidente interino, Michel Temer - , valores retrógrados ainda tentam resistir a todo tipo de transformação social.
É uma sociedade marcada por um estranho moralismo que faz ter posições estranhas. É uma sociedade cujos setores retrógrados chegam a elogiar o ato terrorista que matou gays, vinculada a uma sociedade patriarcalista que, no entanto, tem medo de ver feminicidas morrerem de repente por descuido da própria saúde.
Valores do obscurantismo religioso e racial, ligados a grupos como o EI e a KKK, preocupam a sociedade, por serem defendidos por uma parcela influente de pessoas, cujo tráfico de influência envolve parte dos meios de Comunicação, do Poder Legislativo ou mesmo do Poder Judiciário.
No Brasil, existe a bancada BBB, da Bíblia (evangélicos), do Boi (latifundiários) e da Bala (policiais, militares e armamentistas em geral) que querem até mesmo mexer na Constituição de 1988 e desfazer de muitas conquistas sociais históricas, obtidas com muita dificuldade e até tragédia.
Só para se ter uma ideia da gravidade da coisa, é essa bancada BBB, eleita por uma classe média confortável que aceita tudo que a Rede Globo diz e impõe (da gíria "balada" até acusações surreais contra o PT, como subornar o Papa Francisco), que defende reformas trabalhistas que irão rebaixar os trabalhadores assalariados aos níveis do mercado informal, com menor remuneração, menor qualificação e menos assistências e encargos.
Por exemplo, se um trabalhador sofrer um acidente de trabalho, cortando um braço pelo manejo inadequado de uma ferramenta, ele tem que ir a um hospital qualquer, enfrentar filas e ainda pagar para amputar o braço, sob risco de contrair uma infecção mortal.
É essa a realidade que o "maravilhoso" governo de Michel Temer e seu "heroico superministro" Henrique Meirelles - que especialistas já apontam como praticante de "pedaladas fiscais", o mesmo mal que, supostamente atribuído a Dilma Rousseff, motivou seu afastamento político - querem para os trabalhadores, sob o respaldo de um Poder Legislativo que parece viver no Brasil-colônia.
Muitos desses valores retrógrados estão por trás da religião. A religião só é boa quando se limita a ritos culturais, uma saudável tradução adulta das brincadeiras e da imaginação infantis. Mas quando ela se impõe à realidade, cria aberrações como a "bancada BBB" e os movimentos como EI e KKK, também apoiados em dogmas religiosos.
Mesmo a "benéfica" religião "espírita" se torna nociva pela desonestidade doutrinária acobertada pelo aparato das "palavras de amor". Só mesmo um país em que um plagiador de livros é elevado a um semi-deus, como Chico Xavier, que faz com que se aceite um governo como o de Michel Temer, comandado por uma horda de corruptos políticos.
A religião que motiva ações do EI não protege as pessoas das ameaças que as atingem. A família de Christina Grimmie era religiosa. Não temos condições aqui de avaliar se a influência religiosa influiu ou não na vulnerabilidade da cantora, mas frequentemente a religião traz energias mais azarentas do que, por exemplo, quebrar um espelho em casa.
Pelo menos o "espiritismo" é assim. Recentemente, uma série de assaltos ocorreram, em Niterói, numa área do Cubango próxima a um "centro espírita" local, cujas instalações lembram o de uma casa mal-assombrada, junto a uma área considerada erma e perigosa mesmo durante o dia.
A religião torna-se um repositório de valores retrógrados, que envolvem preconceitos elitistas e valores ligados ao machismo, ao patriarcado e ao patrimonialismo. Muitos valores moralistas da religião, incluindo os "espíritas", estão relacionados a ideia de que os privilegiados devem ser protegidos, mesmo em seus abusos, e os sofredores têm que suportar desgraças ou sair delas com muita dificuldade.
Os incidentes dramáticos que acontecem no Brasil e no mundo, como o estupro de uma multidão de homens contra uma adolescente no Rio de Janeiro, e a chacina na boate gay de Orlando, indicam esse pânico de setores da sociedade que não querem ver seus valores "tradicionais" caindo por causa das mudanças de padrões de relações amorosas, estrutura familiar, relações de trabalho etc.
A mesma sociedade que pede "morte aos petistas e aos gays" mas não aceita que feminicidas que mataram suas mulheres em nome da "defesa da honra" possam morrer de câncer por terem fumado demais. E apenas estamos citando algumas paranoias que saltam das redes sociais da Internet.
Na paranoia religiosa, o pai de Omar chegou a declarar que "cabe a Deus punir os gays". Ele lamentou que o filho tenha feito o atentado, mas também demonstrou homofobia diante do desprezo aos homossexuais.
O atentado de Orlando é comparado ao de 11 de setembro, o que mostra que os valores retrógrados do obscurantismo religioso, moral e cultural parecem se tornar mais violentos na medida em que seu desgaste se torna mais evidente.
A questão do ódio que é expresso nesses incidentes nem de longe é de falta de religião. No caso dos atentados fundamentalistas, é uma overdose de religião que faz pessoas agirem pela intolerância e fanatismo. O problema não é a religião em si. Mas quando ela tenta estabelecer seu monopólio sobre a realidade, ela revela aspectos negativos, quando a fé se transforma em fanatismo e se acha possuidora da verdade.
segunda-feira, 13 de junho de 2016
Jair Bolsonaro e Eduardo Cunha: dois graves perigos para a nação
Um grande mal no Brasil é a emoção subjetivista e exaltada. Tanto no lado "positivo" de endeusar Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco quanto para esculhambar o PT, as pessoas são tomadas de uma cegueira sentimental muito perigosa, que trava o raciocínio e atrofia o nível de compreensão aos níveis aberrantemente surreais.
Sabemos, no caso do "espiritismo", o quanto é perigoso o endeusamento a duas figuras ordinárias, para não dizer levianas, como Chico Xavier e Divaldo Franco, associados a velhos e duvidosos paradigmas de "bondade" e "humildade" que nunca realizaram transformação profunda e verdadeira na sociedade e nunca passou de um faz-de-conta dotado de muita pieguice.
As pessoas chegam mesmo a aceitar que nomes como Humberto de Campos e Auta de Souza sejam usurpados de maneira mais fútil, batizando até mesmo "centros espíritas" - usurpação da qual nem o médico Carlos Chagas escapa - e cujas obras "mediúnicas" a eles associadas nem de longe mostram seus estilos pessoais.
Tudo na mais absoluta impunidade. Os "espíritas" realizam verdadeiros trotes caligráficos, através das supostas cartas de entes queridos falecidos, e pessoas chegam a se comover sem perceber as fraudes escandalosas que estão por trás. Se iludem com vagas semelhanças sem saber das diferenças que derrubam qualquer indício de veracidade em tais "mediunidades".
É com esse nível míope de compreensão, baseado em paradigmas morais de erros e acertos que deixam muita gente boa desprevenida e vulnerável, que os brasileiros foram manipulados por TVs, revistas e jornais a sentir rancor pelo PT, baseado nos estereótipos e nas invencionices de jornalistas da grande mídia brasileira, cada vez menos comprometidos com a honestidade da informação, como a Veja, Globo, Estadão, Band, Isto É e Folha de São Paulo.
O estereótipo do gordo de aparência enérgica de Lula, cuja aparência de antigo operário remeteu, apenas por coincidência, ao vilão Brutus das estórias do Popeye, era trabalhada de maneira pejorativa pelos meios de comunicação, associada a de um suposto mafioso cuja única preocupação era desviar dinheiro público para contas pessoais e de seus amigos.
Já o estereótipo de Chico Xavier sempre foi trabalhado, pela mesma mídia corporativa, de forma "agradável", como o choroso velhinho frágil que supostamente representava a personificação da perfeição e do amor, através de clichês que não mediam escrúpulos de sucumbir à mais enjoada pieguice.
A realidade mostra o quanto as aparências enganam. Chico Xavier era um espertalhão, um plagiador de livros, fazia pastiches literários grosseiros, era um moralista retrógrado, defendeu a ditadura militar, fazia juízos de valor dos mais deploráveis (como no caso das vítimas do incêndio de um circo em Niterói) e falou mal de pessoas pelas costas (como no caso dos amigos do jovem Jair Presente).
Já Lula procurou, como governante, mesmo com vários senões, fortalecer a autoconfiança do Brasil no circuito das nações emergentes, manobrando a economia de forma a permitir o desenvolvimento associado às melhorias sociais, num processo indolor em que o poder aquisitivo dos brasileiros era recuperado por uma elevação salarial gradual e um controle maior de preços.
Mas as pessoas esculhambaram um líder político que se esforçava em reduzir o analfabetismo e o desemprego e promover a melhoria de qualidade de vida. E, junto à imagem falsa de "brutamontes" de Lula, seguiu-se à imagem "maquiavélica" da "bruxa megera" de Dilma Rousseff.
Por outro lado, à imagem "apaixonante" de Chico Xavier, tido como "caipira inocente", se somou a do "professor à moda antiga" de Divaldo Franco, com ternos brancos e cabelo engomado à maneira dos anos 1940, tido como pretenso pensador e dublê de filósofo, encantando muitos incautos saudosos dos antigos catedrásticos dos tempos da vovó.
Presos nas impressões das aparências, os brasileiros perdem a noção da realidade apegados a valores do status quo ou de convicções pessoais. E que permite que as pessoas apoiassem a saída de uma chefe política que buscava resolver a crise do país e que seja substituída por um cenário político ainda mais tenebroso.
PERIGO À VISTA
Diante do conforto do sofá, pessoas que não são acostumadas a se mobilizar por coisa alguma, que compram alimentos sem saber o preço mas juram que não tem dinheiro para gastar nisso ou naquilo (e ainda torram dinheiro com cigarros ou tatuagens), passaram a "se mobilizar" pela saída de Dilma Rousseff praticamente sob as ordens impostas pela Rede Globo de Televisão.
Patéticos cidadãos vestidos de uniforme da Seleção Brasileira de Futebol - ignorando que a CBF tem tenebrosos casos de corrupção, de roubalheira explícita - iam para as ruas defender até a volta da ditadura e da tortura e uns se atreviam até a pedir pena de morte para os petistas, em manifestações que se destacaram mais pelo pitoresco do que por qualquer tipo de ativismo.
Sob a representação de "personagens" como Kim Kataguiri, o "revoltado" Marcello Reis, Fernando Holiday e o "Batman do Leblon", "mascotes" como o Pato da FIESP, e apoiado por famosos como Thiago Lacerda, Marcelo Serrado, Susana Vieira, Luciano Huck, Regina Duarte, Alexandre Frota e o roqueiro Lobão, os protestos anti-Dilma feitos "contra a corrupção" permitiu a ascensão de corruptos no poder.
A votação de 17 de abril na Câmara dos Deputados revelou dois desses corruptos, seu então presidente, Eduardo Cunha, e um dos votantes, o ex-militar Jair Bolsonaro. Bravateiros políticos, Cunha é conhecido por praticar corrupção desde quando presidia a Telerj e Bolsonaro era considerado encrenqueiro e desordeiro, tendo sido punido várias vezes quando servia o Exército.
Tanto Cunha quanto Bolsonaro são vistos erroneamente como "perigos menores" pela população que vive o conforto de seus sofás, diante da cômoda e preguiçosa sintonia da pouco confiável Rede Globo, num momento em que os jornalistas não só desta rede mas também do canal pago Globo News, deram para mentir.
É constrangedor ver, por exemplo, que a maneira confusa, desonesta e agressiva com que o vice de Dilma e convertido no seu opositor, Michel Temer, assumiu o poder junto de opositores da presidenta afastada e até mesmo de membros do PSDB, partido derrotado nas eleições presidenciais, é vista por analistas e jornalistas sérios do mundo inteiro como um golpe e a mídia brasileira, sobretudo a Globo e a Veja, desmentir isso e ainda acusar os estrangeiros de "desinformados".
O governo de Michel Temer demonstra uma coleção surpreendente de escândalos e arbitrariedades, que não permitiram sequer que o povo brasileiro sentisse qualquer otimismo, O projeto de governo com medidas retrógradas que desfazem conquistas sociais históricas e ameaçam a validade de importantes artigos de leis como a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e até da Constituição de 1988, só garantiram 11% de aprovação do cambaleante governo.
A crise do governo Temer, cujo projeto político, segundo especialistas, resultou da parceria de Aécio Neves com Eduardo Cunha, também sinaliza para a "alternativa" de Jair Bolsonaro, que se anunciou pré-candidato à presidência da República para 2018. Bolsonaro é identificado com ideais fascistas, o que pode ser um perigo mortal até para a sociedade que comemorou o "Tchau, Querida" (termo pejorativo de anti-petistas baseado na despedida de Lula num telefonema ilegalmente divulgado).
Bolsonaro é considerado um ídolo por uma parcela de cariocas ultraconservadores, vários deles associados a atividades como cyberbullying. É um grave risco a vitória eleitoral de um fascista como ele, que levaria o Brasil a aprofundar os retrocessos que já estão nas mentes dos tecnocratas associados a Michel Temer.
As vitórias eleitorais de Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro revelam o grau de influência que o decadente Estado do Rio de Janeiro oferece ao país, um Estado que está longe da antiga modernidade que se achava inabalável no território fluminense.
O Rio de Janeiro já encara um neocoronelismo manifesto tanto pelo cenário político de Eduardo Paes e companhia, quanto por casos de pistolagem na Baixada Fluminense e com um machismo radical que faz o sucesso de subcelebridades como Solange Gomes e Renata Frisson (Mulher Melão) e permite que mais de 30 homens estuprem uma adolescente indefesa. E que teve na "cosmopolita" Ipanema um episódio de linchamento com morte digno de cidade atrasada do interior.
É esse Estado do Rio de Janeiro e sua respectiva capital, que já não fazem mais jus à modernidade a que estavam associados há 30 anos, que oferece para o Brasil verdadeiros monstros morais como Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro. O primeiro ameaçou governar o país como o vice de Michel Temer e o segundo é favorito para a sucessão presidencial em 2018.
Os dois representam catástrofes políticas e sociais que os brasileiros deveriam se alertar. Eles não são os heróis que a Rede Globo oferece ao público em suas zonas de conforto, mas dois tiranos que podem destruir o país e pôr as conquistas históricas do povo brasileiro a perder. É bom que nos lembremos da triste experiência da ditadura militar que quase botou o Brasil na falência.
sábado, 11 de junho de 2016
O mercado de trabalho e seu preconceito
O mercado de trabalho seria mais justo e teríamos menos desempregados se os empregadoes abrirem mão de parte de sua ganância econômica e dos preconceitos sociais movidos pelo status quo, pelos estereótipos e pela visão moralista do ato de estudar.
O que se observa nas instituições, sejam elas públicas ou privadas, seja no trabalho celetista - ou seja, com regras reguladas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), uma das heranças da Era Vargas - , seja no serviço público, é uma demonstração de preconceitos sutis, aliadas a uma falta de jogo de cintura para lidar com a crise econômica.
Aluguéis caros demais para lojas permanecerem mais tempo instaladas, impostos completamente injustos que cobram demais sem motivo, programas de ensino ou de estudo para concursos que estão acima da natureza das profissões, estereótipos que acabam "filtrando" demais e de forma errada o perfil "ideal" do "bom profissional", tudo isso corrompe o mercado de trabalho e se torna um problema maior do que a aparente falta de dinheiro.
O empregador exige demais, tanto que acaba concebendo um tipo de profissional fora da realidade. Durante muitos anos o mercado de trabalho insistiu em dar preferência a um tipo aberrante de um profissional ao mesmo tempo mais jovem possível e com maior experiência de trabalho também possível.
Era o mito do "veterano júnior", que complicava as coisas e forçava nos jovens uma experiência que eles não tinham naturalmente. Além disso, novos conceitos de Administração vinham denunciando esse mito como discriminador social, cujas vítimas eram pessoas com mais idade e ainda muita disposição e criatividade para se dedicarem ao trabalho.
Recentemente, veio o mito do "profissional-humorista", feito sob o pretexto de interagir no ambiente social de trabalho. O profissional comunicativo e brincalhão, não necessariamente criativo, mas correto o suficiente para desempenhar um trabalho rotineiro e eficaz, só que com diferencial de poder interagir com os colegas e estabelecer um ambiente de trabalho mais animado, tornou-se o mito da moda.
Só que mais uma vez o mercado de trabalho discrimina e não consegue achar, salvo raras exceções, um profissional ideal. O profissional ideal foge das mãos do empregador, e ele muitas vezes pode ser aquele rapaz tímido que parecia nervoso e hesitante nas entrevistas de emprego.
E, da mesma forma que as empresas não querem arriscar, contratando pessoas diferenciadas que podem até não saber tudo - como por exemplo desconhecer aplicativos de Informática usados por uma empresa - , mas tendem a ser excelentes profissionais, as organizadoras de concursos públicos também estabelecem critérios completamente equivocados.
Diante de uma visão ao mesmo tempo tecnicista e moralista do modo de estudar - moralista porque entende o ato de estudar de maneira cruelmente rigorosa, como se o saber fosse um processo acumulativo e não um modo de compreender melhor os assuntos envolvidos - , os concursos públicos também contribuem para contratarem os servidores errados.
Instituições como IBGE, INSS, universidades públicas ou mesmo o IPHAN chegam a ter concursos em que a exigência de Matemática ou Raciocínio Lógico não têm aplicação nas funções correspondentes, como assistente administrativo ou mesmo técnico em Comunicação.
Em muitos casos, a exigência desmedida de certas matérias faz com que se joguem fora os melhores servidores, "queimados" num programa de estudo torturante, em que os candidatos se concentram no que não sabem, deixam de estudar o que sabem para poupar tempo e acabam fazendo provas medíocres, eliminando a chance de aprovação.
Questões extremamente longas, com longos enunciados e alternativas prolixas, que sobrecarregam as provas num curto prazo de tempo, acabam não avaliando bem o candidato, já que há os chamados "surfistas de concursos", que sem entender direito o conteúdo do programa estudam pouco e mesmo assim passam pelos clichês ajudados por certos professores concurseiros da moda.
Dessa forma, as instituições contratam servidores medíocres, o que acaba tendo os efeitos desastrosos que conhecemos, principalmente num governo como o de Michel Temer, em que a baixa competência, a falta de caráter e a falta de entendimento das leis deixa muitos serviços a desejar.
Imagine então um concurso que exige Matemática a um técnico de Ciências Sociais do IPHAN, IBRAM ou similar? O servidor a ser contratado será um bom matemático, o que não tem a ver com a função exigida, e muito provavelmente tenderá a ser um entendedor medíocre da área em que escolheu para o serviço público.
Muitos problemas de emprego poderiam ser resolvidos se os empregadores reverem seus conceitos e verificarem seus preconceitos. Fora isso, poderia resolver os problemas financeiros com mais negociação e habilidades, dentro de uma política que possa moderar impostos, aluguéis e fazer com que empresários e burocratas tenham também que ceder, abrindo mão do excedente de dinheiro que exigem, do qual sempre tem utilidade supérflua.
É deixando de exigir o supérfluo e passando a rever os conceitos do profissional que querem que fará as empresas e instituições melhorarem o mercado de trabalho, procurando encaixar nele não as pessoas que possuem status quo e aparência atraentes, mas aqueles que podem desempenhar um bom trabalho, de maneira espontânea e criativa. O mercado de trabalho precisa se reinventar.
quinta-feira, 9 de junho de 2016
"Funk" e sua incapacidade de explicar seus equívocos
O FUNQUEIRO MC SMITH, CITADO POR UM DOS 33 ESTUPRADORES DE JACAREPAGUÁ.
O "funk carioca" é um ritmo muito estranho. Marcado por limitações sonoras que denunciam uma rigidez estética nivelada por baixo, suas letras variam entre um engajamento frouxo e simplório e grosserias explícitas, e, com interesses meramente comerciais, se traveste de movimento ativista para arrancar verbas públicas e seduzir os movimentos ativistas a aceitá-los sem questionamentos.
É um ritmo tendencioso, demagógico, conservador mas revestido de um verniz de pretensa liberdade que não se verifica na prática. Existe uma relação hierárquica entre o DJ, uma espécie de mentor, e o intérprete, no caso o MC, que é o porta-voz e o fetiche, e o som do "funk" é sempre o mesmo, seja o intérprete ou a temática que for. Só varia depois de longas temporadas.
O "funk" voltou aos noticiários policiais depois que um caso de estupro coletivo ocorrido em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, quando 33 homens levaram uma jovem de 16 anos para uma casa para ela ser dopada e estuprada, com o ato sendo gravado em vídeo e compartilhado por outros internautas entusiasmados.
Um dos estupradores havia citado um "baile funk" e um trecho da música "Mais de 20 engravidou", de MC Smith, conhecido intérprete de "proibidão" ("funk" com temáticas mais pesadas) que havia participado de apresentações da Furacão 2000, equipe que quis se autopromover com uma falsa solidariedade a Dilma Rousseff num evento anti-impeachment de 17 de abril passado.
Se os "espíritas" acreditam que o ultraconservador e retrógrado Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier tão conhecido pela sua religiosidade escancaradamente "tradicional" (leia-se católica e medieval), é "progressista" mesmo quando diz que a melhor manifestação do sofredor é "ficar calado, sem reclamar", fica complicado dizer que o "funk" não é "progressista".
O "funk", que devolveu o povo carioca aos parâmetros do começo do século XX, trabalha uma retórica que, ideologicamente, envolve uma série de contradições. O ritmo apresenta perspectivas de progresso cultural, provocação comportamental e riqueza artística, mas na realidade é primário, grotesco, retrógrado e adota atitudes completamente conservadoras.
Confusos, dirigentes do "funk" como MC Leonardo e ideólogos associados, como antropólogos e cineastas documentaristas, tentam dizer que o machismo do "funk" é "reflexo da realidade". Se confundem em argumentos quando tentam justificar que o "funk" não é obrigado a fazer conscientização nem defender a educação e os valores sociais edificantes.
O "funk" pretende ser o que não é, e recusa-se a ter responsabilidade de suas próprias pretensões. É uma grande confusão, que faz o ritmo entrar num impasse que, em outros momentos, poderia contornar com relativa facilidade.
Afinal, o caso do estupro coletivo, associado a um ritmo que se autoproclamava "feminista", e que, no calor das denúncias, foi surpreendido com a indiferença de Valesca Popozuda, que se dizia "militante feminista" mas foi passear na Disney com a ex-Big Brother Brasil Ana Paula Renault (não se está dizendo que Valesca foi conivente, ela pode até ser contra, mas ela não reagiu ao assunto com a firmeza esperada), fez os partidários do "funk" ficarem transtornados.
O choque entre discurso e realidade do "funk" o deixa em situação insustentável até na hora de comparar o ritmo carioca ao samba, ao rock ou ao jazz. Com todas as contradições que um ritmo culturalmente autêntico pode apresentar, o "funk" é estranho até diante dessa condição, já que o ritmo, na verdade, é um fenômeno meramente comercial e culturalmente postiço.
O samba, o rock e o jazz apresentavam variações sonoras e uma liberdade artística que o "funk" nunca teve. O samba, maior objeto de comparação do "funk", tinha uma infinidade de variações e derivados: jongo, lundu, coco, maracatu etc. Quando o samba ainda tinha festas reprimidas pela polícia, já havia uma variação quase erudita, chamada "chorinho".
Já o "funk" sempre foi preso numa mesma estrutura sonora que só variava, e mesmo assim tendenciosamente, de dez em dez anos. É quando o DJ sente as pressões sociais de públicos que ele precisa alcançar - como as classes A e B e turistas estrangeiros - ou de outras circunstâncias e daí ele muda o "funk" de acordo com as conveniências.
Ultimamente o "funk" só está "mudando" por causa dessas conveniências. A atenção que buscou chamar dos estrangeiros obrigou DJ e MCs a mudarem de atitude, mas sem a espontaneidade que se vê nos ritmos culturais autênticos.
A figura do MC, por exemplo, levou mais de 20 anos para descobrir a existência de um instrumento musical. O rock já se serviu de orquestras e arranjos elaborados com menos de cinco anos de existência.
A sofisticação do jazz, por sua vez, só era pouco perceptível pela precariedade da tecnologia fonográfica no começo de seu sucesso. O samba sempre teve uma diversidade instrumental que influía na música. E até o blues procurava variações sonoras à sua maneira, mesmo dentro de uma estrutura fixa de composição de versos.
O "funk", não. É só ver que o ritmo levou tempo para "mudar o som" e mesmo assim sem criatividade. Era apenas uma troca de "batida" e "sons de fundo". Nos anos 90, era só uma batida eletrônica. Nos anos 2000, a imitação de ritmo de umbanda. Nos anos 2010, uma combinação de sons imitando sirene e galopes, e um sâmpler de um rapaz balbuciando. E é uma mesma roupagem sonora para diferentes intérpretes.
Somente o "funk melody", que assimila elementos do pop convencional, e o "funk de DJ", conhecido como "funk exportação", no qual o DJ precisa concorrer com seus similares estrangeiros e precisa fazer um "som para turista ver", elaborando mais as colagens sonoras, é que existe alguma variação. Mesmo assim, altamente tendenciosas e movidas pelas circunstâncias. Sem falar que certas músicas gravadas pela cantora Anitta, ícone do "funk melody", nem "funk" são.
Como atitude, o "funk" está associado a uma visão glamorizada da pobreza, da ignorância e da libertinagem sexual e comportamental. Diante disso, seus ideólogos se contradizem constantemente quando as pretensões "vanguardistas" e "progressistas" se chocam com uma realidade conservadora e retrógrada, o que faz os funqueiros renegarem os próprios compromissos que prometeram assumir.
Um evento de riquinhos promovendo um "baile funk" no Pier Mauá recebeu protestos nas mídias sociais Internet porque "glamourizava a pobreza". O que poucos sabem é que ele é, sim, um reflexo e um espelho das pretensões do "funk" de atingir públicos de maior poder aquisitivo.
Falta de autocrítica, mania de coitadismo - o "funk" sempre procura fazer papel de "vítima" quando sofre impasses - , incapacidade de explicar seus equívocos. A repetição de circunstâncias parece fazer o "funk" ser vitorioso mais uma vez.
Mas, com as mudanças no contexto social e o aumento de reações críticas a muitos incidentes - o cyberbullying não tem mais a tolerância social de antes, por exemplo - , o "funk" é um dos alvos de um nível inédito de questionamentos, dos quais seus ideólogos já não conseguem ter o mesmo êxito que tiveram antes em rebater. Eles acabam sendo vítimas de suas próprias contradições.
O "funk carioca" é um ritmo muito estranho. Marcado por limitações sonoras que denunciam uma rigidez estética nivelada por baixo, suas letras variam entre um engajamento frouxo e simplório e grosserias explícitas, e, com interesses meramente comerciais, se traveste de movimento ativista para arrancar verbas públicas e seduzir os movimentos ativistas a aceitá-los sem questionamentos.
É um ritmo tendencioso, demagógico, conservador mas revestido de um verniz de pretensa liberdade que não se verifica na prática. Existe uma relação hierárquica entre o DJ, uma espécie de mentor, e o intérprete, no caso o MC, que é o porta-voz e o fetiche, e o som do "funk" é sempre o mesmo, seja o intérprete ou a temática que for. Só varia depois de longas temporadas.
O "funk" voltou aos noticiários policiais depois que um caso de estupro coletivo ocorrido em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, quando 33 homens levaram uma jovem de 16 anos para uma casa para ela ser dopada e estuprada, com o ato sendo gravado em vídeo e compartilhado por outros internautas entusiasmados.
Um dos estupradores havia citado um "baile funk" e um trecho da música "Mais de 20 engravidou", de MC Smith, conhecido intérprete de "proibidão" ("funk" com temáticas mais pesadas) que havia participado de apresentações da Furacão 2000, equipe que quis se autopromover com uma falsa solidariedade a Dilma Rousseff num evento anti-impeachment de 17 de abril passado.
Se os "espíritas" acreditam que o ultraconservador e retrógrado Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier tão conhecido pela sua religiosidade escancaradamente "tradicional" (leia-se católica e medieval), é "progressista" mesmo quando diz que a melhor manifestação do sofredor é "ficar calado, sem reclamar", fica complicado dizer que o "funk" não é "progressista".
O "funk", que devolveu o povo carioca aos parâmetros do começo do século XX, trabalha uma retórica que, ideologicamente, envolve uma série de contradições. O ritmo apresenta perspectivas de progresso cultural, provocação comportamental e riqueza artística, mas na realidade é primário, grotesco, retrógrado e adota atitudes completamente conservadoras.
Confusos, dirigentes do "funk" como MC Leonardo e ideólogos associados, como antropólogos e cineastas documentaristas, tentam dizer que o machismo do "funk" é "reflexo da realidade". Se confundem em argumentos quando tentam justificar que o "funk" não é obrigado a fazer conscientização nem defender a educação e os valores sociais edificantes.
O "funk" pretende ser o que não é, e recusa-se a ter responsabilidade de suas próprias pretensões. É uma grande confusão, que faz o ritmo entrar num impasse que, em outros momentos, poderia contornar com relativa facilidade.
Afinal, o caso do estupro coletivo, associado a um ritmo que se autoproclamava "feminista", e que, no calor das denúncias, foi surpreendido com a indiferença de Valesca Popozuda, que se dizia "militante feminista" mas foi passear na Disney com a ex-Big Brother Brasil Ana Paula Renault (não se está dizendo que Valesca foi conivente, ela pode até ser contra, mas ela não reagiu ao assunto com a firmeza esperada), fez os partidários do "funk" ficarem transtornados.
O choque entre discurso e realidade do "funk" o deixa em situação insustentável até na hora de comparar o ritmo carioca ao samba, ao rock ou ao jazz. Com todas as contradições que um ritmo culturalmente autêntico pode apresentar, o "funk" é estranho até diante dessa condição, já que o ritmo, na verdade, é um fenômeno meramente comercial e culturalmente postiço.
O samba, o rock e o jazz apresentavam variações sonoras e uma liberdade artística que o "funk" nunca teve. O samba, maior objeto de comparação do "funk", tinha uma infinidade de variações e derivados: jongo, lundu, coco, maracatu etc. Quando o samba ainda tinha festas reprimidas pela polícia, já havia uma variação quase erudita, chamada "chorinho".
Já o "funk" sempre foi preso numa mesma estrutura sonora que só variava, e mesmo assim tendenciosamente, de dez em dez anos. É quando o DJ sente as pressões sociais de públicos que ele precisa alcançar - como as classes A e B e turistas estrangeiros - ou de outras circunstâncias e daí ele muda o "funk" de acordo com as conveniências.
Ultimamente o "funk" só está "mudando" por causa dessas conveniências. A atenção que buscou chamar dos estrangeiros obrigou DJ e MCs a mudarem de atitude, mas sem a espontaneidade que se vê nos ritmos culturais autênticos.
A figura do MC, por exemplo, levou mais de 20 anos para descobrir a existência de um instrumento musical. O rock já se serviu de orquestras e arranjos elaborados com menos de cinco anos de existência.
A sofisticação do jazz, por sua vez, só era pouco perceptível pela precariedade da tecnologia fonográfica no começo de seu sucesso. O samba sempre teve uma diversidade instrumental que influía na música. E até o blues procurava variações sonoras à sua maneira, mesmo dentro de uma estrutura fixa de composição de versos.
O "funk", não. É só ver que o ritmo levou tempo para "mudar o som" e mesmo assim sem criatividade. Era apenas uma troca de "batida" e "sons de fundo". Nos anos 90, era só uma batida eletrônica. Nos anos 2000, a imitação de ritmo de umbanda. Nos anos 2010, uma combinação de sons imitando sirene e galopes, e um sâmpler de um rapaz balbuciando. E é uma mesma roupagem sonora para diferentes intérpretes.
Somente o "funk melody", que assimila elementos do pop convencional, e o "funk de DJ", conhecido como "funk exportação", no qual o DJ precisa concorrer com seus similares estrangeiros e precisa fazer um "som para turista ver", elaborando mais as colagens sonoras, é que existe alguma variação. Mesmo assim, altamente tendenciosas e movidas pelas circunstâncias. Sem falar que certas músicas gravadas pela cantora Anitta, ícone do "funk melody", nem "funk" são.
Como atitude, o "funk" está associado a uma visão glamorizada da pobreza, da ignorância e da libertinagem sexual e comportamental. Diante disso, seus ideólogos se contradizem constantemente quando as pretensões "vanguardistas" e "progressistas" se chocam com uma realidade conservadora e retrógrada, o que faz os funqueiros renegarem os próprios compromissos que prometeram assumir.
Um evento de riquinhos promovendo um "baile funk" no Pier Mauá recebeu protestos nas mídias sociais Internet porque "glamourizava a pobreza". O que poucos sabem é que ele é, sim, um reflexo e um espelho das pretensões do "funk" de atingir públicos de maior poder aquisitivo.
Falta de autocrítica, mania de coitadismo - o "funk" sempre procura fazer papel de "vítima" quando sofre impasses - , incapacidade de explicar seus equívocos. A repetição de circunstâncias parece fazer o "funk" ser vitorioso mais uma vez.
Mas, com as mudanças no contexto social e o aumento de reações críticas a muitos incidentes - o cyberbullying não tem mais a tolerância social de antes, por exemplo - , o "funk" é um dos alvos de um nível inédito de questionamentos, dos quais seus ideólogos já não conseguem ter o mesmo êxito que tiveram antes em rebater. Eles acabam sendo vítimas de suas próprias contradições.
terça-feira, 7 de junho de 2016
As pessoas pensam que "bondade" é subproduto da religião
O Brasil peca por ser simplório. Se apega a estereótipos, à ilusão do jogo de aparências. Isso mostra o quanto o país tornou-se atrasado e o afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República, substituída pelo conservador Michel Temer, abriu a Caixa de Pandora dos males da sociedade brasileira.
Da mesma forma que os brasileiros acham que "opinião" não é algo que nasce de suas consciências mas um produto que vem pronto dos noticiários de TV e dos programas jornalísticos de rádio, através de comentaristas supostamente "esclarecidos" (mas cada vez se comprovando mais burros e estúpidos do que nós poderíamos admitir mesmo a contragosto), a ideia de "bondade" tem o mesmo sentido.
Muitos acham que a "bondade" não é um sentimento autônomo e, sim, um subproduto da religião, algo que não vem separado da fé religiosa. Ajudar o próximo torna-se, com essa interpretação, tão somente um ritual em que só varia a "grife" religiosa que a produz.
É por essa razão que, mesmo com um número ínfimo e humilhantemente inferior de beneficiados, o "médium" Divaldo Franco é considerado o "maior filantropo do Brasil", não pelo resultado realizado, constrangedor de tão inexpressivo, mas pela chancela religiosa ligada à sua pessoa.
A Mansão do Caminho não chegou a beneficiar, em toda sua trajetória, sequer 1% dos brasileiros, em termos quantitativos. Em termos qualitativos, além de um inócuo processo educativo de limitadas virtudes, como ensinar a ler, escrever e trabalhar, há o proselitismo religioso, que é aceito sem questionamentos porque ele sempre vem sob a desculpa do "ensinamento do bem".
Bobagens como as "crianças-índigo" que, além de ser um delírio esotérico que um casal de estadunidenses, hoje separado, utilizou para vender livros com muita facilidade, é uma discriminação contra pessoas de personalidade inconvencional e perfil intelectual diferenciado, são ensinadas sob o aparato dos "bons ensinamentos".
VISÃO DO "VENCEDOR"
Aí um divaldista, infiltrado numa comunidade de ateus no Facebook - é comum religiosos e teístas se associarem a essas comunidades para sutilmente tentar converter as pessoas - , diz que "já é muito" o projeto educacional da Mansão do Caminho ensinar a "ler, escrever e trabalhar", confundindo ponto de largada com linha de chegada.
Além desse equívoco de confundir o começo com o fim de um caminho, o divaldista tentava defender o título de "maior filantropo do Brasil" a Divaldo Franco com argumentos supostamente racionais, mas sem pé nem cabeça. Ele opina como se fosse um assessor da própria Mansão do Caminho ou algum propagandista religioso similar. O que ele cita é marketing, não uma visão realista das coisas.
Observando como discurso ideológico a "bondade" como algo inseparável da religião, porque é submetida ao paradigma da fé religiosa, mostra que a "bondade" só é significativa quando sob a sombra da religião, seja ela católica, evangélica ou "espírita", mas sempre uma religião, pelo menos no sentido "ocidental" da "religiosidade cristã".
Junte-se vários aspectos. Uma sociedade conservadora, marcada por uma elite privilegiada. Uma sociedade do "vencedor", que zela pelos "prêmios" conquistados. Diante disso, é compreensível que a "bondade" que não ameace privilégios de classe seja vista como "mais significativa" do que aquela que busca ampliar os benefícios do povo, mesmo sacrificando privilégios de classe existentes.
Comparando o projeto educacional da Mansão do Caminho e o Método Paulo Freire, projeto de educação para adultos das classes populares, é evidente que este último é bem mais significativo, pela capacidade de efeitos a serem causados e a amplitude dos mesmos na sociedade.
Em outras palavras, há mais bondade e caridade em Paulo Freire do que em Divaldo Franco. Em Paulo Freire, as pessoas são estimuladas a questionar o mundo, buscar soluções, se unir para a luta pelos direitos e, se preciso, reagir contra os abusos cometidos pelo poder dominante em vários de seus aspectos.
Em Divaldo Franco, porém, as pessoas são induzidas a serem "carneirinhos sociais", apenas sendo gentis e simpáticas com os outros e fazer alguma coisa honestamente, sem enganar nem explorar o outro. Todavia, diante dos abusos do poder dominante, as pessoas são aconselhadas a "reagir" com perdão, resignação e os problemas serão resolvidos, mediante a solicitação confortável da prece, pela "força de Deus".
E por que Divaldo Franco é tido como "mais expressivo" no seu projeto educacional do que Paulo Freire? Porque vivemos uma sociedade plutocrática na qual a "bondade" é apenas uma qualidade servil à fé religiosa. Não é o número de beneficiados que vale num "ato de bondade", mas o vínculo com preceitos e valores de natureza religiosa.
Uma escola que "ensina" que o mar um dia foi "cortado pelo meio", que a primeira mulher a surgir na Terra foi gerada da costela de um homem ou que pessoas com uma inteligência acima do comum são "índigos" ou "cristais" é vista como "mais transformadora" do que um projeto de ensino que impulsione pessoas a fazer passeatas para pedir melhores condições de trabalho, ensino e vida em comunidade.
"BONDADE" SEM RELIGIÃO É VISTA COMO "PIRATARIA"
Isso envolve um conteúdo ideológico sutil. A "bondade" tem que se submeter à religião. A solidariedade tem que ser castrada pela fé religiosa, senão vira "guerrilha", que é o que se prega, de forma preconceituosa, as pessoas que querem apenas justiça social e protestam contra abusos e injustiças impostos pelas elites ou por leis que estas façam em causa própria.
"Bondade" é a pessoa que sofre aguentar desgraças acima de sua capacidade perdoar o algoz e sobreviver às custas de leis abusivas e castradoras e reduzir sua qualidade de vida a uma dieta de pão e água. "Bondade" é a pessoa ver que a tarifa cobrada numa conta é abusiva e ela pagar resignadamente e agradecer ao poder político pelo abuso cometido.
Na visão do "espiritismo" brasileiro, a "bondade" é apenas uma mercadoria simbólica patenteada por Francisco Cândido Xavier e um "produto" que só faz sentido sob o selo da fé religiosa. Outras religiões podem reproduzir o "produto bondade", até da forma como quiserem, mas a "bondade" que ocorre fora do "selo de aprovação" religioso é visto como se fosse um "produto pirata".
Daí que o Método Paulo Freire incomoda mais uma boa parte das pessoas do que o método da Mansão do Caminho, por mais que o primeiro seja mais eficiente e significativo em benefícios e resultados.
É porque existe o temor, de uma sociedade plutocrática e outras classes solidárias ao poder dominante, mesmo as pobres, de que o Método Paulo Freire crie "conflitos" por causa do estímulo ao raciocínio crítico e à inconformação com os abusos e irregularidades do poder dominante da sociedade burocratizada, privatista e elitista.
A ideia do "incômodo", dentro de uma perspectiva religiosa, naturalmente conservadora, é um ponto que, no seu juízo de valor, "macula" iniciativas como as do educador Paulo Freire, erroneamente tido como "manipulador ideológico".
Olhem só quem fala: o método que insiste em dizer que pessoas com inteligência incomum são "índigos" ou "cristais", num processo de discriminação social "positiva", um sutil e cruel preconceito contra pessoas que não se encaixam num repertório de convenções e compreensões socialmente aceitos, porém limitados e equivocados, não é visto como "manipulador ideológico".
Isso vai contra a natureza da moral humana. Transformar a "bondade" numa qualidade subordinada à religião é simplesmente subestimar a capacidade natural das pessoas se ajudarem por conta própria, sem se prenderem a paradigmas religiosos. Como se "ajudar" fosse uma qualidade menos importante do que "acreditar". E isso não é bom.