segunda-feira, 27 de junho de 2016
O catastrofismo e a sede mística de "sangue"
Há correntes ideológicas bastante traiçoeiras, que reúnem em seu conteúdo visões esotéricas, utopias ufológicas e conceitos pseudo-científicos, que se valem dessa verdadeira gororoba teórica para pregar catastrofismos e promessas messiânicas.
Os "profetas modernos" que se valem de rótulos como "filosofia", para pregar não a busca da verdade mas o obscurantismo, eventualmente usam a "psicologia do terror" para intimidar as populações e fazê-las viver sob o signo do medo, tornando-se vulneráveis a tiranias locais e a seitas dominadoras.
Ha o rumor dos gigantescos maremotos que dariam com a explosão do vulcão Cumbre Vieja (termo que, numa tradução aproximada, significa "Montanha Velha"), na Ilha de La Palma, que faz parte das Ilhas Canárias, arquipélago próximo à Península Ibérica (Portugal e Espanha), cujas rochas resultantes de lava endurecida seriam jogadas no Oceano Atlântico causando uma tsunami de cem metros.
Segundo relatos de cientistas que acreditam nesta tese, as ondas atingiriam dimensões que arrasariam cidades litorâneas inteiras, destruindo cidades da Costa Leste dos EUA, como Nova York, e as regiões Norte e Nordeste do Brasil. De acordo com esta teoria, o Estado do Amapá desapareceria do mapa.
O catastrofismo é surreal, porque seria difícil as ondas permanecerem gigantescas por todo o caminho. A tendência natural é uma onda crescer demais e diminuir em seguida. Mesmo na tsunami que atingiu a Indonésia e outros países asiáticos já estava em declínio, mais parecendo um alagamento, como num rio transbordando. E, vindo de uma grande distância, as ondas já estariam fracas no meio do Atlântico, dificilmente ameaçando as regiões, senão através das habituais ressacas.
A tese leva em conta uma suposta tsunami gigantesca que atingiu o Alasca, há 4 mil anos. Até porque é bastante duvidoso que um evento desses aconteceu com tamanha precisão, sabendo-se que teria sido o último grande evento do porte que teria acontecido na Terra.
Outros cientistas acham que isso é pura especulação e o geólogo e consultor Antônio Feijão usou uma leve ironia para contestar a tese por demais catastrófica:
"Com todo respeito aos geólogos e vulcanólogos que fizeram esses estudos, há centenas de variáveis que precisam ser inseridas e consideradas em seu modelo de previsão catastrófico. Mas o mais importante nesse momento é uma questão, à moda Garrincha, e perguntar se eles, os cientistas, combinaram com Deus o que irá acontecer com o Vulcão Cumbre Vieja, na Ilha de La Palma".
DATA-LIMITE TAMBÉM REVELOU CATASTROFISMO
A suposta catástrofe já havia sido anunciada em uma notícia do Fantástico que, sabemos, é um programa da Rede Globo, que além dos interesses comerciais inerentes, investe no sensacionalismo e na mentira para garantir a prevalência de um padrão ideológico que favorece seus empresários, os filos de Roberto Marinho. Vide, por exemplo, a campanha difamatória feita contra a presidenta Dilma Rousseff.
Certos catastrofismos podem revelar intenções ideológicas ocultas. O catastrofismo é uma forma de "psicologia do medo", estratégia tramada por políticos, empresários e setores científicos - é bom lembrar que mesmo entre cientistas e juristas há corrupção, e neste segundo caso a atuação tendenciosa do Poder Judiciário brasileiro é ilustrativa - para amedrontar a humanidade e fazê-la submissa a qualquer arbítrio que prometa suposta proteção de toda ordem.
O catastrofismo do vulcão Cumbre Vieja é comparável com supostas "profecias" que o "médium" Francisco Cândido Xavier teria dito, nos anos 1980, a Geraldo Lemos Neto, com base num sonho em 1969. A "previsão da data-limite" tinha uma tese surreal que envolvia um detalhe catastrofista bastante grave.
Segundo essa predição, o Hemisfério Norte seria uma região inabitável porque o problema dos conflitos internacionais e do terrorismo não seriam resolvidos e, com isso, Deus (?!) castigaria as nações belicistas impondo catástrofes naturais que iriam destruir as nações do Primeiro Mundo.
Chico Xavier teria revelado visões equivocadas de caráter geológico e até sociológico. Afirmava que populações eslavas iriam migrar para o Nordeste brasileiro, se esquecendo que a própria História do Brasil revelava que os primeiros eslavos que colonizaram o país migraram para a Região Sul e, quando muito, no interior de São Paulo.
Outros aspectos são a presunção de que estadunidenses iriam migrar para o Norte do Brasil, algo que contraria a natureza sociológica de que o povo dos EUA tende mais a migrar para o Rio de Janeiro e São Paulo, sociologicamente similares a cidades como Nova York e Los Angeles.
Chico Xavier também cometeu o grave erro de dizer que o Chile seria poupado da catástrofe. Se haveriam explosões vulcânicas e terremotos que destruiriam áreas como o Estado da Califórnia, nos EUA, e o Japão, é evidente que o Chile desapareceria da mesma forma, por fazer parte do mesmo Círculo de Fogo do Pacífico, região de intensas atividades vulcânicas e sísmicas.
IDEOLOGIA OCULTA
O que está por trás desses relatos tão assustadores, comparáveis a tantos outros que anunciaram várias vezes um "fim do mundo" que não se concretizou? Em muitos aspectos, tais "profecias" se revelam inconsistentes, por ignorar que certos processos catastróficos não teriam condições de acontecer, de fato.
Por trás do processo de deixar a humanidade amedrontada, criar fluxos migratórios desesperados para o interior dos continentes, dentro de um processo desesperado comparável ao da migração dos povos da Síria e outros países do Oriente Médio para a Europa, no qual há muitos naufrágios e outras tragédias, existe um conteúdo ideológico muito perverso.
Trata-se de uma espécie de "holocausto místico", um sutil "desejo de sangue" diante da insegurança que setores conservadores da sociedade têm diante da sua perda de privilégios de poder. O catastrofismo seria uma forma de mascarar um desejo genocida de alguns privilegiados com a "responsabilidade religiosa de Deus" e a "suposição higienista da Natureza", que "limpariam" o planeta exterminando áreas consideradas "ameaçadoras" para o status quo dominante.
Mesmo a "profecia" de Chico Xavier revela um dado muito cruel: a "possibilidade" de exterminação de regiões dotadas de adiantado progresso social, mesmo regiões imperfeitas e em séria crise como França, Itália e Grécia. A eliminação do Hemisfério Norte seria algo comparável ao do incêndio na biblioteca de Alexandria, no Egito, e na destruição da Grécia no declínio da Antiguidade.
No Brasil, a recente recuperação do Norte e Nordeste que, aos poucos, se emancipam de décadas de coronelismo político, econômico e sócio-cultural, e que esboçam um tímido mas notável progresso em relação a regiões que agora sofrem decadência avassaladora, como o Sul e Sudeste, sobretudo o Estado do Rio de Janeiro, unidade federativa que mais decaiu em todo o Brasil.
O Norte e Nordeste se tornaram símbolos dos graduais avanços sociais dos governos de Lula e Dilma Rousseff na presidência da República. É até ilustrativo que um blogue de "filosofia imortal" - que de "filosofia" só tem o nome, vide o conteúdo esotérico e pseudo-científico que expressa - tenha requentado a notícia da "tsunami do vulcão Cumbre Vieja" já que sua linha editorial sinalizava para uma sutil oposição a Lula e Dilma.
No caso de Chico Xavier, seu ufanismo brasileiro de caipira ultraconservador, claramente expresso no programa Pinga-Fogo, da TV Tupi de São Paulo, em 1971, condiz com as supostas profecias que ele teria falado para Geraldo Lemos Neto. Embora certas correntes chiquistas desmintam essa "profecia", ela está de acordo com o que os livros lançados pelo "médium" haviam descrito em várias passagens.
Chico Xavier era um católico ortodoxo, no que se refere às ideias e crenças da Igreja Católica por ele professas. Isso é fato. E Chico era adepto fervoroso da Teologia do Sofrimento, corrente de origem medieval que definia as desgraças como um processo de "purificação" da alma humana. Madre Teresa de Calcutá teria sido outra de suas adeptas e muitos acusavam ela de usar essa teoria para permitir os maus-tratos a seus assistidos nas Casas dos Moribundos.
Ainda que não haja nem venha a haver qualquer declaração oficial do "movimento espírita" de que Chico Xavier era adepto da Teologia do Sofrimento, e há quem diga que essa tese é "absurda", as próprias frases deixadas pelo "médium", relacionadas ao "sofrimento sem queixumes", revelam explicitamente isso. Não há possibilidade de afirmar "não foi Chico Xavier quem disse" porque a Teologia do Sofrimento saltou de suas próprias palavras.
E aí, juntando as peças do quebra-cabeça, a "profecia da data-limite" revela um caráter conservador, de evitar que a Terra assimile a experiência longa de nações desenvolvidas e, repetindo as tentativas de eliminar as lições da Antiguidade clássica (só duramente recuperadas no século XVIII), eliminasse o "velho mundo" sob supostas acusações de estimular o egoísmo materialista, abrindo o caminho para um cambaleante Brasil tomar as rédeas da humanidade remanescente.
Chico Xavier havia descrito, nessa "profecia", que as lacunas do Hemisfério Norte seriam preenchidas pela vinda de extra-terrestres, algo que condiz com o que ele declarou em várias ocasiões, sobretudo no Pinga-Fogo.
Mas o que está por trás de tudo isso é o fim das lições do "velho mundo", que, quando muito, só permaneceriam em réplicas disponíveis nos países do Hemisfério Sul. Além de uma grande porção de celebridades e intelectuais renomados serem exterminadas nessa hipotética catástrofe, nomes discriminados pelo "espiritismo" brasileiro como Wolfgang Bargmann, Percival Lowell e Franz Anton Mesmer também "desapareceriam" de vez.
Dessa forma, prevaleceria, na visão de Chico Xavier, o desejo de uma nova Idade Média, na qual o "espiritismo" brasileiro, que demonstrou ser a herança do Catolicismo medieval por intermédio de sua expressão portuguesa - que prevaleceu no Brasil até meados do século XX, quando a Igreja Católica optou por reformas que o "movimento espírita" não acompanhou - , seria a "religião do mundo", lembrando as pespectivas trazidas por Jean-Baptiste Roustaing em Os Quatro Evangelhos.
O mundo teria que aceitar teses absurdas como atribuir a Chico Xavier suposto pioneirismo em descobertas científicas como as funções da glândula pineal e a risível previsão de descoberta de vida em Marte, atribuindo a livros do "médium" lançados em 1935 e 1939 tudo que o astrônomo do Arizona (EUA), Percival Lowell, havia estudado bem antes do caipira de Pedro Leopoldo nascer.
Quanto ao catastrofismo, isso revela apenas um jogo psicológico, que agrada muito pessoas que seguem uma visão conservadora. E há cientistas e juristas que também se corrompem, adotando visões equivocadas e métodos tendenciosos. Sobretudo num Brasil em que tanto o "cientista" Alexander Moreira-Almeida quanto o "jurista" Sérgio Moro camuflam seus erros metodológicos e suas incompreensões risíveis com uma pose de "sérios".
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