sábado, 30 de abril de 2016
Jesus Cristo e os "espíritas"
Um líder do "movimento espírita", conhecido palestrante e orador, volta à "pátria espiritual" tem a oportunidade de falar com Jesus Cristo e isso causa muito regojizo ao "espírita", que vê nessa ocasião um reconhecimento para seu trabalho de "amor e bondade" feito na Terra.
Feliz da vida, o orador "espírita" não consegue esconder a euforia de encontrar seu ídolo, mas tenta se conter mantendo sempre aquela postura de serenidade que aprendeu a forjar, sobretudo quando aparecia ante os aristocratas da Terra que lhe ofereciam condecorações pelo "trabalho da caridade".
Jesus se aproxima e, depois de falar com outras pessoas, viu o orador "espírita" se aproximando. Não parecia entusiasmado ao ver o "espírita", mas, com paciência e uma certa gentileza, decidiu iniciar a conversa:
- Por gentileza, o que é que o senhor está fazendo aqui? - disse Jesus, tranquilo mas indiferente.
- Mestre, mestre! Eu cheguei aqui porque eu fui teu servo, dediquei uma vida inteira divulgando sua palavra e fazendo a caridade dentro dos seus desígnios. Eu quero um lugar para mim, sei que não lhe peço muita coisa, mas acho que estou pronto para o banquete dos puros - disse o orador.
Jesus se mantém sério e inalterado, não que ele fosse sisudo (ele nunca o foi, do contrário que os católicos tanto diziam dele), mas porque a situação o fazia ficar assim. Depois de uns segundos pensativo, perguntou:
- Qual é o seu nome, senhor orador.
- Meu nome é (diz o nome).
Jesus faz um olhar grave. Fica pensativo. Depois, faz as seguintes perguntas:
- O senhor era considerado um mestre diante de seus seguidores na Terra?
- Sim. Muitos me consideram.
- O senhor era do tipo que rezava na frente das igrejas e ficava ao lado dos sacerdotes?
- Quanto a rezar na frente das igrejas, próximo ao altar, sim. É para ver melhor a imagem dos santos que eu adoro, principalmente o Senhor. Quanto aos sacerdotes, nem sempre, às vezes os católicos não tinham tempo de me acolher nem de falar comigo. Entendo isso com humildade e resignação.
- Hum. E a caridade que o senhor fazia beneficiou muita gente? O senhor tinha ideia de que eu ia de casa em casa para esclarecer às pessoas de diversos temas, até mesmo assuntos políticos e filosóficos?
- Tinha ideia, sim, e achava excelente de sua parte. Quanto à minha caridade, posso dizer que meu trabalho, embora modesto, tenha sido vitorioso, perdurando muitos anos com minha instituição e com os trabalhos que eu publicava para garantir o sustento dos humildes.
Jesus ficou pensativo e resolveu fazer uma pergunta provocativa:
- O senhor tem noção de que está sendo hipócrita?
O orador "espírita" se assustou, e, quase com os olhos em lágrimas - estava ainda tomado de impressões da vida material, espírito ordinário que o orador era - , perguntou, um tanto perplexo:
- Como assim, Mestre? Nunca me passou pela mente a enganação e a exploração e nem sei o que lhe deu a pensar assim de mim, o seu servo!
Jesus, calmo mas sério, resolveu lhe dizer:
- O senhor deve saber que eu criticava os sacerdotes de meu tempo. Eles oravam na frente das igrejas, recebiam honras de poderosos e ricos, nunca desafiavam as elites e sua caridade nem pode ser considerada modesta, mas, sim, ínfima e inexpressiva, por se basear em atos paliativos que pouco trazem de mudanças nas vidas das pessoas.
- Mas, como assim? Eu implantava um programa educacional que ensinava a ler, escrever, trabalhar e transmitia os ensinamentos cristãos aos alunos.
- Aí é que está o problema.
- Como assim, Mestre Jesus?
- O problema é que o "cristianismo" que o senhor transmitia se baseava em crenças místicas que nunca foram de minha responsabilidade, mas foram criadas pelos meus algozes do Império Romano, que séculos depois de minha morte, resolveram pegar carona no meu prestígio e fazer minha pessoa à imagem e semelhança dos preconceitos dele sobre mim e meu povo.
- Mas eu ensinava a solidariedade, a fraternidade!
- Sim, mas inseria coisas místicas e absurdamente moralistas dentro. Não sei se lhe tenho condições de explicar, mas o senhor lembra os antigos sacerdotes que eu reprovava nas conversas com o povo da Judeia.
- Mas como? Se eu fui o teu servo maior! Eu só divulguei a sua palavra!
- Minha palavra, não! O que os medievais inventaram de mim! E o senhor, pela sua fala rebuscada, pelos seus textos prolixos, pelo seu moralismo dos níveis que eu mesmo tentei combater há mais de dois milênios, que servo é esse que faz tudo o que não recomendo?
- Como assim? Como assim?
- E ainda mais cometendo uma grande desonestidade doutrinária, entendendo muito mal o que um cidadão desenvolveu com muito trabalho, com seu próprio suor, seu próprio dinheiro e sobretudo durante uma grave enfermidade?
- Allan Kardec?
- Sim, senhor (nome do orador "espírita"). Kardec deu duro de si, transmitindo conhecimento até quando ele estava doente e abatido, e o senhor faz pouco dele, bajulando seu nome com a vaidade dos gananciosos em busca de prestígio! Nem tem ideia do que Kardec fez e enfrentou para transmitir seus ensinamentos!
- Tenho, sim. Eu sempre li os textos dele.
- Pelo que vejo, nunca leu. Não teve tempo. Tomado de sua vaidade, e seus compromissos de celebridade, o senhor apenas posava para fotos mostrando os livros de Kardec. Mas se afastava dele, horrorizado pelo seu conteúdo científico, que ia contra as convicções religiosas do senhor.
- Isso é um absurdo. Eu sempre fui discípulo de Kardec e servo seu!
- Não é o que observamos aqui no plano espiritual, onde percebemos os lados ocultos da alma humana!
- Quer dizer que eu não terei direito ao banquete dos puros? E meu trabalho em prol do próximo? Isso não é um atenuante? O senhor, Mestre, não pode considerar esse trabalho modesto mas muito sincero e profundo, para o ingresso no arraial dos espíritos puros?
- Não. Além disso, essa caridade que o senhor fala não conseguiu beneficiar 1% de uma cidade, ainda mais uma nação enorme como o Brasil. E o senhor ainda comemorava diante de autoridades e aristocratas pelo quase nada que fez.
- Mas eu retornei me preparando muito tempo para estar ao lado dos puros.
- O senhor foi infeliz nesse esforço. Porque o que se observa é que o senhor terá que retornar em breve para a Terra, em condições ainda bem inferiores, para que o senhor aprenda a desenvolver habilidades que sejam, ao menos, despretensiosas e sem a arrogância disfarçada dos falsos mestres e dos sacerdotes tomados de orgulho que eu conheci no meu tempo.
O orador "espírita" está parado, triste. Seu ídolo o rejeitara para ingressar no paraíso dos espíritos puros.
- O que o senhor ainda está fazendo aqui? - disse Jesus. - A ideia agora é trabalho. O senhor terá que regressar e perderá todo o prestígio que alcançou, para que assim possa reinventar sua vida e novas condições de trabalho e evolução moral, sem o orgulho que a roupagem religiosa sempre oferece a seus palestrantes.
Quieto, o orador "espírita" se retirou. Foi para o setor de preparação para a reencarnação de espíritos medianos.
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