quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Eduardo Cunha não pode pagar sozinho os pecados do PMDB carioca


Os noticiários dos últimos dias mostram o inferno astral em que vive o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, conhecido por suas propostas reacionárias apelidadas de "pautas-bomba", que ameaça perder o mandato e por isso luta para não ser punido.

Cunha é denunciado por envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras e também no desvio de dinheiro público para as contas pessoais dele e de seus familiares, incluindo a mulher, a ex-jornalista da Rede Globo de Televisão, Cláudia Cruz, em depósitos na Suíça, considerado um dos maiores "paraísos fiscais" do mundo.

Eduardo Cunha foi eleito no apogeu do poder do PMDB carioca, o mesmo do governador do Estado, Luiz Fernando Pezão, e do prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. num pretexto de promessas de moralidade e eficiência administrativa.

Expressão de um neoconservadorismo que tomou conta do Rio de Janeiro, Eduardo Cunha acabou sendo o tiro pela culatra, e os cariocas acabaram pagando caro pela votação num político que, na verdade, não era muito expressivo. Entregaram o país a um político reacionário que ameaçava derrubar conquistas sociais históricas para o país, várias delas trabalhistas.

Agora o grupo político de Eduardo Cunha, o PMDB carioca, tenta fugir dele e descartá-lo como um anel precioso que aperta demais os dedos. Visando a sobrevida política, sobretudo por causa das Olimpíadas do ano que vem, Eduardo Paes e companhia precisam trabalhar uma imagem positiva para não serem puxados por Eduardo Cunha numa futura queda política.

Há um lobby muito grande em torno do PMDB carioca que agora quer "se livrar" de Eduardo Cunha. Um lobby que envolve políticos, empreiteiros, empresários de ônibus, acadêmicos de universidade, executivos de mídia, dirigentes de futebol, dirigentes esportivos, diretores de escolas de samba, e que se compromete em criar um Rio de Janeiro artificial que não condiz com a realidade dos cariocas.

Daí o sistema de ônibus que, adotando ideias próprias do período da ditadura militar, como pintura padronizada nos ônibus, dupla função de motorista-cobrador e redução de percursos de trajetos de ônibus, vários deles tradicionais, que nenhuma vantagem trouxe para os passageiros e só causou uma série de transtornos, dramas e até tragédias.

As mudanças no sistema de ônibus carioca - em que a pintura padronizada é apenas o "aperitivo" que serve de véu para a corrupção político-empresarial, em que empresas trocam de linha e nome sem que os passageiros saibam - foram feitas para favorecer o enriquecimento de empresários, que reduzem frotas de ônibus para aumentar sua fortuna e seu poder político junto ao PMDB carioca, o que indica que quem elegerá o sucessor de Eduardo Paes, em 2016, será o Rio Ônibus, sindicato patronal.

OTIMIZAR O TRANSPORTE? - As mudanças do secretário carioca dos Transportes, Rafael Picciani, para o sistema de ônibus só está trazendo a "filosofia Eduardo Cunha" para a mobilidade urbana.

Populações inteiras são expulsas de casas que, demolidas, dão lugar a projetos olímpicos faraônicos e corredores de BRT que também derrubam áreas de proteção ambiental. Nem a desastrosa demolição do Palácio Monroe para construção de estação do metrô, em 1976, chegou a tanto. E um sítio histórico já está sendo destruído para dar caminho à pista de VLT.

A promessa de segurança nas favelas e subúrbios foi por água abaixo quando as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), pomposamente instaladas a partir de 2010, se mostraram um fracasso. Policiais despreparados de um lado ou de outro deixaram a criminalidade crescer e se renovar.

De um lado, são policiais inseguros que, incapazes de combater os bandidos, são por eles mortos. De outro, policiais estressados que confundem favelados com bandidos e os matam, e, envergonhados, tentam adulterar o cenário do crime com falsas provas de reação das vítimas, em verdade inofensivas.

Há os tiroteios que matam inocentes. Há moradores de favelas mortos de forma abusiva (uma moradora foi arrastada na viatura em movimento nas ruas da Zona Norte). Crianças assassinadas porque estavam no meio de um tiroteio. A Linha Vermelha, que liga o Centro carioca à Baixada Fluminense, virando cenário de bangue-bangue, causando medo nos motoristas.

Enquanto isso, uma cidade de mentira, feita como um arremedo de Barcelona com Los Angeles, Miami e Las Vegas, é promovido, e até os meios de comunicação atrelados ao poder das autoridades políticas e dos empresários associados se comprometem a promover uma imagem domesticada de jovens cariocas, com o objetivo de estimular o consumismo e desencorajar a revolta social.

Assim, existe o "funk carioca" que o poder midiático determinava como "novo folclore brasileiro", "expressão dos subúrbios cariocas", numa manipulação ideológica que dava falsa impressão de que um movimento de empresários-DJs inspirado num modismo dos EUA era a "cultura do povo carioca".

Por debaixo dos panos, baixarias e valores retrógrados eram transmitidos para a população pobre, sob um esquema de persuasão discursiva disfarçada de "abordagem etnográfica" em que intelectuais, cineastas e acadêmicos estavam a serviço desse processo de dominação de empresários do "funk" atrelados a dirigentes esportivos e empresários de mídia e até de grandes corporações.

Mas há também o rock que, deturpado para alimentar o consumismo juvenil às custas da histeria sonora de uma "sonzeira" qualquer nota, comandado pela Rádio Cidade, emissora FM sem competência nem compromisso real com o rock, mas que representa o segmento para estar ligada aos interesses de empresários de grandes eventos musicais e autoridades e executivos ligados ao turismo.

Portanto, é uma "rádio rock" para turista ver, e que tem até o nome "Cidade" para os turistas que chegassem ao Rio de Janeiro verem que é uma emissora chamada "Cidade do Rio de Janeiro", da mesma forma que os ônibus com pintura padronizada também mostram o logotipo "Cidade do Rio de Janeiro". Uma associação política à marca "Cidade do Rio de Janeiro". Um "Rio de Janeiro" que se torna uma mercadoria por si mesma.

Como "rádio rock", com sua programação muito estranha para emissoras de rádio do gênero, já que é um amontoado de programas de hits e lançamentos como toda rádio de pop convencional, a Rádio Cidade estabelece uma "religião do rock" em que os jovens extasiados com sua mística não têm ideia do que estão ouvindo, mas aceitam tudo desde que, nos 102,9 mhz, haja uma sequência ininterrupta de sons de guitarra, baixo e bateria, entre solos e acordes "econômicos" mas "irados".

É o tipo do roqueiro sem conscientização social que agrada famílias conservadoras e cujo perfil "rebelde" limita-se a ver como "ativismo" atos como doação de sangue. É um jovem alheio às injustiças sociais e que, em muitos aspectos, é altamente reacionário, como demonstraram vários ouvintes da Rádio Cidade, não muito diferentes do reacionarismo dos leitores da revista Veja. É um tipo de juventude "cordeirinha" que aceita até pagar caro para consumir mais.

Essa falsa rebeldia mostrou o seu recado durante o Rock In Rio, com o comportamento patético de pessoas com a língua para fora, fazendo sinal do "diabo" com as mãos e caprichando na "fantasia" das roupas pretas e da pose de "maus", um estereótipo que agrada os empresários dos grandes eventos, a partir do maior deles, Roberto Medina, da Artplan, maior beneficiária dessa "cultura rock" da Rádio Cidade.

Há também o fanatismo do futebol, um problema do povo carioca, já que esse "fundamentalismo da bola" é imposto como valor de medida, como moeda corrente para o estabelecimento de relações sociais. É como se o Maracanã fosse uma meca e os quatro times cariocas, Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo, fossem "divindades" para os quais só se permite cultuar uma delas, pelo menos.

As vitórias fáceis do Vasco da Gama são um exemplo desse mercado tendencioso do futebol e mostram o quanto seu presidente, Eurico Miranda, mesmo sendo rival dos dirigentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), segue as mesmas lições dos "cartolas" nacionais de atuar na manipulação dos resultados em busca de pontuações e vantagens pessoais. Com uma fase ruim, é estranho que o Vasco só tenha "melhorado" depois da volta de Eurico ao poder no clube.

O Rio de Janeiro do PMDB carioca, de muita politicagem e muitos projetos para criar uma cidade "imponente", espetacular mas desumana, em que o consumismo substitui a cidadania, esta limitada apenas a aspectos considerados inócuos ao poder político dominante, mostram o quanto a saída de Eduardo Cunha da Câmara dos Deputados é fundamental, mas mesmo assim insuficiente.

Tirar o prepotente deputado das "pautas-bombas" é essencial para evitar que retrocessos sociais que ameaçam o país, através de alterações levianas nas leis em prejuízo a conquistas e avanços sociais diversos. Mais do que nunca, ver a influência de Eduardo Cunha distante do Poder Legislativo é necessário para salvar os interesses democráticos da nação.

No entanto, isso é só uma parte do trabalho. No Estado do Rio de Janeiro, os retrocessos continuarão, porque neste contexto Eduardo Cunha é apenas um adepto de um método político, administrativo e ideológico que continuará prejudicando cariocas e fluminenses, mesmo que a ameaça das "pautas-bomba" tivesse se encerrado em Brasília.

Isso porque a política retrógrada que fez Cunha ir ao Planalto continuará valendo no Rio de Janeiro, através de um projeto de cidade para turista ver, planejada por políticos, tecnocratas e executivos que não estão aí para o interesse público, mas para promover o consumismo em detrimento da cidadania, visando o enriquecimento dos detentores do poder envolvidos.

Assim o Rio de Janeiro de mentira, uma cidade falsamente moderna, capital de um Estado falsamente desenvolvido, alimenta fortunas de políticos, empresários e tecnocratas, enquanto o povo é entregue a transtornos e inseguranças, e até a rebeldia juvenil de pobres e ricos é filtrada e neutralizada através da força domesticadora (para não dizer idiotizante) de "pancadões" e "sonzeiras".

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