quarta-feira, 5 de agosto de 2015
Livro diz que perseguição romana aos cristãos era pura ficção
Uma revelação contida em um livro afirma teses que derrubam antigas crenças católicas, compartilhadas pelo "movimento espírita" brasileiro. A obra é intitulada The Myth of Persecution: How Early Christians Invented a Story of Martyrdom (título que, traduzido, significa "o mito da perseguição: como os cristãos primitivos inventaram a estória do martírio"), de Candida Moss.
Curiosamente, a autora se chama Candida, que sugere um trocadilho com o sobrenome Cândido do nome de batismo de Chico Xavier. Ela é professora especializada em Novo Testamento da Universidade de Notre Dame, em South Bend, Indiana, EUA.
Segundo ela, os imperadores romanos nunca praticaram intolerância religiosa, contrariando a tese há muitos séculos difundida de cristãos sendo queimados vivos ou sendo devorados por leões famintos. Essas condenações teriam ocorrido, sim, mas por outros motivos.
Um dos mais poderosos imperadores romanos, Constantino, é associado como fundador da Igreja Católica. Embora a forma como ele aderiu ao monoteísmo cristão seja bastante discutível, consta-se que ele teria abraçado essa causa por influência de sua mãe, Helena de Constantinopla, adepta do chamado Cristianismo primitivo.
Os romanos não professavam nem sancionavam as crenças religiosas, mas permitiam que elas se professassem livremente. Politeístas, eles também não viam no nascente e minoritário Cristianismo uma ameaça para seus interesses. Na época, o Cristianismo era um movimento religioso pequeno, como tantos outros.
Segundo o livro, o mito de perseguição aos cristãos surgiu a partir do século II, como ficção literária. que explorava a imagem imaginária dos mártires do Cristianismo, deturpando a realidade em que os "cristãos" eram condenados por desobediência, inadimplência e outros desacatos às autoridades romanas.
Consta-se que é a partir dessa época que se consolidam as condições formadoras da Idade Média, A criação de mártires "cristãos" seria um meio do poder conservador reforçar a ideologia da submissão e da coerção, um dos pilares da Teologia do Sofrimento que o Catolicismo medieval lançaria e que teria, entre os adeptos brasileiros, o tão conhecido Chico Xavier.
ENFOQUE CATÓLICO
Embora o livro tenha seus argumentos mais coerentes do que o mito que atravessou séculos, sua argumentação segue a perspectiva católica, embora se baseie em abordagens presentes na obra de Friedrich Nietzsche, filósofo alemão e ateu, o trabalho de Candida também se baseia nos volumes de A História do Declínio e Queda do Império Romano que o historiador inglês Edward Gibbon havia lançado entre 1776 e 1788, em vários volumes.
Evidentemente, em se tratando de um trabalho de pesquisa de uma acadêmica católica, numa universidade particular também ligada a essa religião, espera-se que não sejam identificadas diferenças entre o Cristianismo primitivo propriamente dito e o Catolicismo romano.
O Cristianismo primitivo teria sido um movimento de seguidores dos ensinamentos originais de Jesus de Nazaré, que era mais um ativista e não tinha propósitos de criar uma religião. Era como se fosse um misto de fã-clube com organização não-governamental, dedicado a tentar manter a essência do pensamento de seu mestre.
Já o Catolicismo romano, ou o Cristianismo como ficou conhecido a partir da Idade Média, pouco tem a ver com o Cristianismo primitivo. É uma incoerência associar Constantino ao Cristianismo primitivo, do qual ele até foi simpatizante, mas não o seu fundador ou continuador.
O Catolicismo Apostólico Romano já era uma forma deturpada do Cristianismo primitivo, por estabelecer ritos e pompas e por adaptar-se aos interesses políticos e militares dos seguidores da religião de Constantino.
Era, portanto, uma amostra de como, séculos depois, a doutrina de Allan Kardec se tornaria descaraterizada, como foi o Cristianismo primitivo. Se documentos garantem que o Império Romano tolerava a religião cristã, ele se apropriou dela para fazer a religião que hoje prevalece como a "principal" associada a Jesus.
O "MOVIMENTO ESPÍRITA" É CONTESTADO
Os mitos católicos medievais, que descreviam supostos fatos que se revelaram ficcionais, como o julgamento de Jesus por Pôncio Pilatos e as perseguições aos cristãos nas arenas esportivas, são corroborados pelo "movimento espírita" e expressos em alguns de seus livros principais.
Isso se deve sobretudo à forte devoção católica de Chico Xavier, tido como "espiritualista" mas adorador de imagens de santos (materialismo religioso) e rezador de terços. Através dele, os mitos do Catolicismo medieval foram inseridos abertamente no "espiritismo" brasileiro.
O livro Há 2000 Anos é um exemplo. Relato da suposta biografia de Emmanuel, o mentor de Chico Xavier, como o imaginário senador Públio Lentulus - sem relação com os homônimos que realmente existiram - , ele descreve tanto os espetáculos de leões devorando cristãos como o julgamento de Jesus por Pilatos.
Dotado de profundos e constrangedores erros históricos, o referido livro de Chico Xavier e Emmanuel mostra dados duvidosos e altamente questionáveis sobre o que ocorreu no Império Romano, o que desqualifica o livro como pretenso documento histórico.
Com o livro de Candida Moss, põe-se em xeque uma série de mitos católicos hoje professados e defendidos principalmente por forças sócio-institucionais e políticas ultraconservadoras. E tais valores, na medida que são também defendidos pelo "movimento espírita", o colocam em mais uma posição incômoda diante de tantas contradições e equívocos da doutrina de Chico Xavier.
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