Como as pessoas ainda podem acreditar que a ideologia de Francisco Cândido Xavier é "de acordo" com a de Allan Kardec? Como definir "kardecismo" uma doutrina mais voltada ao anti-médium mineiro e seu igrejismo extremado, se NADA é aproveitado do verdadeiro pensamento do professor lionês?
O baixo hábito de leitura dos brasileiros, a sua inclinação para ler obras literárias inócuas, não raro ruins, e o costume de ler textos complexos às pressas somente para pescar algumas "palavras-chaves", fazem com que as pessoas estejam sujeitas às compreensões distorcidas da realidade.
Por isso, é uma grande aberração que pessoas tentem recuperar as bases do pensamento de Allan Kardec mantendo Chico Xavier no seu pedestal. Arrumam as mais diversas desculpas, sobretudo dizendo que o anti-médium mineiro era "exemplo de bondade". Querem sempre manter um cantinho para CX acreditando ser isso possível mesmo querendo o rigor do cientificismo kardeciano.
Alguns tentam dizer até que Chico Xavier era reencarnação de Kardec. Um dos mais deploráveis e estúpidos equívocos, porque nada de Chico Xavier lembra o professor lionês, seja o comportamento, seja a índole, as ideias e as práticas. Isso não passa de tenebrosa e repugnante malandragem na tentativa de promover o esquizofrênico ufanismo brasileiro no "movimento espírita".
Uma boa amostra de como Chico Xavier, na verdade, era contrário a Allan Kardec, e que nunca houve alguém tão anti-kardeciano quanto o anti-médium mineiro, na verdade um católico fervoroso e até fanático, mas magoado pelos padres de sua terra natal por causa de atividades paranormais vindos de sua confusa personalidade de caipira jogado para assumir tendenciosismos aqui e ali.
Essa amostra é o confrontamento de duas obras contraditórias separadas em 80 anos, sendo a mais avançada e progressista justamente a mais antiga. O livro O Consolador, que teria sido ditado pelo jesuíta Emmanuel, lançado em 1941, surpreende pelo seu ultraconservadorismo em vários aspectos, e o padre-mentor de Chico quis derrubar O Livro dos Médiuns.
A ideia era derrubar o trabalhoso mas preciso roteiro de práticas mediúnicas de Allan Kardec, para assim abrir caminho para "manuais mediúnicos" que se adequassem aos interesses igrejistas da Federação "Espírita" Brasileira e de seu popstar de Pedro Leopoldo, depois radicado em Uberaba. Tempos depois veio o livro Nos Domínios da Mediunidade para cumprir tal "missão".
Duas perguntas foram feitas e Emmanuel deu as respostas que tentam desqualificar totalmente a obra de Kardec, que defendia a evocação dos espíritos pelos médiuns. Emmanuel preferia que se esperasse "espontaneamente" pelas comunicações espirituais. Seu pupilo Chico Xavier lançou até uma metáfora que se tornou bem conhecida: "esperar o telefone tocar do lado de lá".
Seguem os trechos, correspondentes às perguntas 368 e 369 de O Consolador, relacionadas à atitude de evocação dos espíritos do além:
368 - Nos agrupamentos espíritas devemos provocar, de algum modo, essa ou aquela manifestação do Além?
- Nas reuniões doutrinárias, acima de todas expressões fenomênicas, devem prevalecer a sinceridade e a aplicação individuais, no estudo das leis morais que regem o intercâmbio entre o planeta e as esferas do invisível. De modo algum se deverá provocar as manifestações mediúnicas, cuja legitimidade reside nas suas características de espontaneidade, mesmo porque o programa espiritual das sessões está com os mentores que as orientam do plano invisível, exigindo-se de cada estudioso a mais elevada percentagem de esforço próprio na aquisição do conhecimento, porquanto o plano espiritual distribuirá sempre, de acordo com as necessidades e os méritos de cada um. Forçar o fenômeno mediúnico é tisnar uma fonte de água pura com a vasa das paixões egoísticas da Terra, ou com as suas injustificáveis inquietações.
369 – É aconselhável a evocação direta de determinados Espíritos?
Não somos dos que aconselham a evocação direta e pessoal, em caso algum. Se essa evocação é passível de êxito, sua exequibilidade somente pode ser examinada no plano espiritual. Daí a necessidade de sermos espontâneos, porquanto, no complexo dos fenômenos espiríticos, a solução de muitas incógnitas espera o avanço moral dos aprendizes sinceros da Doutrina. O estudioso bem-intencionado, portanto, deve pedir sem exigir, orar sem reclamar, observar sem pressa, considerando que a esfera espiritual lhe conhece os méritos e retribuirá os seus esforços de acordo com a necessidade de sua posição evolutiva e segundo o merecimento do seu coração. Podereis objetar que Allan Kardec se interessou pela evocação direta, procedendo a realizações dessa natureza, mas precisamos ponderar, no seu esforço, a tarefa excepcional do Codificador, aliada à necessidade de méritos ainda distantes da esfera de atividade dos aprendizes comuns.
Emmanuel, esperto, até tentou relativizar a opinião de Kardec, que veremos abaixo, usando como desculpa a "tarefa excepcional do Codificador", tornando seletivo o ato que Kardec, em verdade, recomenda para todos os médiuns. Se observarmos logo abaixo, nem essa relativização sobrevive como argumentação lógica.
Pois às vezes a coerência vem antes da incoerência, e o próprio professor lionês parecia ter previsto abordagens como a do livro O Consolador, até porque, em verdade, elas são práticas bem antigas e, embora pareçam prudentes na forma (esperar que um espírito chegue para dar uma mensagem), na essência ela pode dar margem à influência de espíritos traiçoeiros.
Conta Allan Kardec, na questão 269 de O Livro dos Médiuns, que reafirma seu propósito de permitir e recomendar que médiuns evoquem espíritos do além, até como medida preventiva para que os "do lado de cá" chamem por indivíduos específicos e com intenções determinadas, diminuindo as chances de aparecerem espíritos zombeteiros, farsantes ou mistificadores. Vamos ao trecho do livro:
269. Os Espíritos podem comunicar-se espontaneamente ou atender ao nosso apelo, isto é, ser evocados. Algumas pessoas acham que não devemos evocar nenhum Espírito, sendo preferível esperar o que quiser comunicar-se. Entendem que chamando determinado Espírito não temos a certeza de que é ele que se apresenta, enquanto o que vem espontaneamente, por sua própria iniciativa, prova melhor a sua identidade, pois revela assim o desejo de conversar conosco. Ao nosso ver, isso é um erro. Primeiramente porque estamos sempre rodeados de Espíritos, na maioria das vezes inferiores, que anseiam por se comunicar. Em segundo lugar, e ainda por essa mesma razão, não chamar nenhum em particular é abrir a porta a todos os que querem entrar. Não dar a palavra a ninguém numa assembléia é deixá-la livre a todos, e bem sabemos o que disso resulta. O apelo direto a determinado Espírito estabelece um laço entre ele e nós: o chamamos por nossa vontade e assim opomos uma espécie de barreira aos intrusos. Sem o apelo direto um Espírito muitas vezes não teria nenhum motivo para vir até nós, se não for um nosso Espírito familiar.
Essas duas maneiras de agir têm as suas vantagens e só haveria inconveniente na exclusão de uma delas. As comunicações espontâneas não têm nenhum inconveniente quando controlamos os Espíritos e temos a certeza de não deixar que os maus venham a dominar. Então é quase sempre conveniente aguardar a boa vontade dos que desejam manifestar-se, pois o pensamento deles não sofre, dessa maneira, nenhum constrangimento e podemos obter comunicações admiráveis, enquanto o Espírito evocado pode não estar disposto a falar ou não ser capaz de o fazer no sentido que desejamos. Aliás, o exame escrupuloso que aconselhamos é uma garantia contra as más comunicações.
Nas reuniões regulares, sobretudo quando se desenvolve um trabalho sequente, há sempre Espíritos que as frequentam sem que precisemos chamá-los, pela simples razão de já estarem prevenidos da regularidade das sessões. Manifestam-se quase sempre espontaneamente para tratar de algum assunto, desenvolver um tema ou dar uma orientação. Nesses casos é fácil reconhecê-los, seja pela linguagem que é sempre a mesma, seja pela escrita ou por certos hábitos peculiares.
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Como se observa, Kardec derrotou Chico Xavier e Emmanuel justamente no momento em que eles pareciam empenhados para derrotar o pedagogo francês. Prevenido, o professor lionês já havia dado um argumento que foi "matador" para os "iluminados" mistificadores do "movimento espírita".
Resta saber se, diante desse confronto de argumentos, os brasileiros ainda insistam em manter Chico Xavier e Allan Kardec no mesmo balaio, lançando mão de suas intermináveis desculpas em favor do "bom velhinho" mineiro.
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