sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Erasto e o caso do "espiritismo" hoje


A advertência de Erasto a Allan Kardec, por intermédio de um médium (soa redundância, mas temos que escrever assim, até pelo fato de que os "médiuns" brasileiros quase nunca têm a função intermediadora dos verdadeiros médiuns), revela-se tão atual e urgente que, na verdade, prova o quanto o Brasil é sempre o país desprevenido e o último a saber das coisas diversas.

O "movimento espírita" tenta agora, com seus mais diversos indivíduos e com as derivações e dissidências formadas dentro de suas bases igrejistas, alegar "fidelidade absoluta e rigorosa a Allan Kardec", enquanto dá continuidade às suas costumeiras mistificações e fraudes.

Alguns desses "espíritas", achando que todo mundo é tolo e julgando Allan Kardec como se fosse um corno manso a aceitar qualquer desvio de sua doutrina, sob o pretexto do "amor e caridade", chegam mesmo a usar Erasto para condenar o "mau espiritismo" dos outros, se esquecendo que estes são os primeiros a serem reprovados pela advertência do discípulo de Paulo de Tarso.

Um trecho de sua mensagem revela-se contundente, pois, se Erasto acusava os inimigos da Doutrina Espírita de pregarem a divisão e a desunião, não são os igrejistas os unificadores, mas estes mesmos, com seus discursos dóceis, com suas ilustrações evocando jardins floridos, céus ensolarados e crianças belíssimas, tentam manchar a doutrina de Kardec com seus mitos e dogmas.

Eis o que Erasto disse, a respeito de como os inimigos do Espiritismo iriam agir, o que faria os brasileiros que tiverem um mínimo de discernimento ficarem horrorizados com os que no país tentam professar "em nome de Allan Kardec":

"Meus amigos, vossos  excelentes Guias já vos disseram: - ‘Tereis que lutar não só contra os orgulhosos, os egoístas, os materialistas (...) mas ainda e sobretudo contra a turba de espíritos enganadores, que (...) em breve virão assaltar-vos: uns com dissertações sabiamente combinadas, nas quais insinuarão a heresia ou algum princípio dissolvente; outros, com comunicações abertamente hostis aos ensinos dados pelos verdadeiros missionários do Espírito de Verdade. Ah!, crede-me, não temais desmascarar os embusteiros, que, novos Tartufos, se introduzirão entre vós, sob a máscara da religião; sede igualmente impiedosos para com os lobos devoradores que se escondem sob as peles de cordeiros..."

As dissertações sabiamente combinadas acontecem e são produzidas em quantidades industriais. As fraudes e farsas são feitas tanto por encarnados quanto por desencarnados. Os orgulhosos, associados aos enganadores, fingirão a mais absoluta humildade e se portarão, quando contestados, com a mais aparente serenidade, como se eles é que fossem os "espíritos puros".

São orgulhosos a simularem "superioridade moral", egoístas que glorificam o sofrimento, desde que seja para seus seguidores, a troco de "recompensas" póstumas, materialistas que julgam que a vida material não presta e só deve ser feita pela angústia e pelo infortúnio, impedindo que o espírito intervenha na encarnação de forma proveitosa e prazerosa (que estimularia a espontaneidade).

São esses os "espíritas" que arrancam aplausos de muitos, que julgam "rigoroso respeito ao pensamento kardeciano", que inserem conceitos alienígenas, combinando heresias ocultistas com moralismo medieval, promovendo a deturpação da Doutrina Espírita em prol do mais retrógrado igrejismo, acobertado dos mais belos discursos e imagens.

Em primeira instância, deturpam o pensamento de Allan Kardec inserindo ideias fantasiosas, conceitos pedantes, valores moralistas dos mais antiquados, enquanto reduzem os "centros espíritas" a pretensos e confusos consultórios familiares, em templos da mais conservadora pregação moralista e do mais escancarado, porém improvisador, igrejismo.

Depois, lançam milhares de artigos e seminários jurando a "fidelidade absoluta" a Kardec, usando textos e advertências dele e de seus derivados - como a mensagem de Erasto e o Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos - em causa própria. É estarrecedor este caso, em que as mesmas pessoas que deturpam a Doutrina Espírita são as que mais apelam pela suposta fidelidade a ela.

Em última instância, não conseguindo convencer as pessoas de que seu "espiritismo" deturpado está "de acordo com Kardec", e vendo o escândalo bater à porta dos "centros espíritas" e ameaçar tirar seus líderes dos pedestais, tentam apelar com os mais belos e melífluos discursos e imagens.

Acuados, tentam forjar "superioridade" mantendo-se aparentemente serenos. E despejam os textos mais lindos na forma, caprichando em "bons exemplos", ilustrando seus artigos com jardins floridos, céus azuis com o brilho do Sol, meninas tocando em girassóis, mulatinhos sorridentes tomando sopa, avós recebendo abraços de adultos etc.

Sobre Tartufo, a comparação se deve à reação dos religiosos que, ao se verem parodiados na peça do notável ator, diretor teatral e dramaturgo Molière (nascido Jean-Baptiste Poquelin, 1622-1673), estreada em 1664 nos palcos franceses, o que causou um escândalo que fez o país, governado pelo rei Luís XIV, quase censurar a peça.

Graças à comédia teatral, a expressão "Tartufo" acabou simbolizando a pessoa hipócrita e o religioso enganador e farsante, e eis que, na mesma França de Molière, a ciência de Allan Kardec recebe a advertência de Erasto sobre os riscos de sua deturpação.

O Brasil acabou sendo o local perfeito dessa deturpação, que até chegou a ser experimentada na França, após o falecimento de Kardec em 1869, quando até seus seguidores se tornaram hesitantes e a influência de Jean-Baptiste Roustaing se tornou sedutora para seus compatriotas.

No entanto, é no país sul-americano que essas deturpações se tornaram prósperas, diante da fragilidade das diversas instituições sociais e da fácil inclinação dos brasileiros de apreciar estereótipos. Desse modo, as mais traiçoeiras mistificações ganhavam respaldo fácil e nem a Justiça chegava a desafiá-las de maneira firme e segura.

Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier adorado por seus seguidores, cometeu uma série de aberrantes rupturas com o pensamento de Kardec, que o anti-médium mineiro nunca quis se identificar nem conhecer direito. Ele nunca foi com a cara de Allan Kardec, era um católico das antigas, mas foi vinculado forçadamente à Doutrina Espírita, de forma estarrecedora.

Tentaram colocar Chico Xavier acima de todas as circunstâncias, passando por cima de todos os obstáculos, chegando mesmo a ser considerado o único que podia cometer seus próprios erros - vários de preocupante gravidade - e não ser responsabilizado por isso.

Pior: há correntes que tentam recuperar as bases kardecianas sem deixar de considerar alguma validade de Chico Xavier. Não se decidem do que aproveitar do anti-médium mineiro, e se deixam seduzir pela suposta imagem de "líder caridoso e de boa índole".

A partir disso, ovos de serpentes traiçoeiras, que como filhotes se contorcem parecendo graciosas minhocas, se multiplicam e crescem, e as armadilhas "espíritas" se tornam mais engenhosas, e seus líderes dotados do mais habilidoso malabarismo discursivo e ideológico, feitos para escapar de qualquer denúncia que os desmascarasse de vez.

Por isso, há todo um movimento de pretensa fidelidade a Allan Kardec, uma fidelidade que se reduz à letra "desencarnada", à mera conversa para boi dormir. E que permite que mistificações sejam feitas impunemente, sob o verniz do "amor e caridade", acobertando toda uma corrupção que acontece no "movimento espírita" e que faz mensalões e lava-jatos parecerem brincadeiras infantis.

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