sábado, 11 de julho de 2015
Data-Limite, segundo George Orwell
Pouco depois de, segundo os "espíritas", o "mentor" de Francisco Cândido Xavier, o jesuíta Emmanuel ter adiantado as "previsões" que seu subordinado divulgaria em 1986 para Geraldo Lemos Neto, mas que se referiram a um sonho de 1969 tido após a viagem de astronautas da NASA ao solo da Lua, um livro havia divulgado uma concepção de mundo totalitário e sombrio do futuro.
A obra 1984, de George Orwell, escritor britânico nascido na Índia, cuja escolha do número provavelmente era um trocadilho com o ano de sua publicação, 1948, pouco antes do falecimento do autor (que morreria no início de 1950), é vista erroneamente como uma crítica ao socialismo, já que George (pseudônimo de Eric Arthur Blair), havia defendido ideias socialistas com o livro infantil A Revolução dos Bichos. de 1945.
O que Orwell critica é o totalitarismo, e observa-se que ele pode ser feito também em regimes capitalistas. Com uma abordagem bem mais cruel do que Admirável Mundo Novo (Brave New World) de Aldoux Huxley, 1984 mostra um mundo reduzido a três gigantescas nações, Oceânia, Eurásia e Lestásia.
O cenário central de 1984 comprova que as críticas não se dirigem necessariamente ao comunismo russo. Tanto que a Oceânia, que corresponde a esse cenário, engloba os EUA e o Reino Unido, países centrais do capitalismo internacional. O Brasil está inserido no seu território, governado por um misterioso tirano chamado Grande Irmão (Big Brother, no original).
A Eurásia é que correspondia à União Soviética e o restante da Europa (a antiga URSS e a atual União Europeia seriam parte de um mesmo país), além de parte da Ásia. Já a Lestásia corresponderia ao restante da Ásia, ou seja, a China e os países abaixo deste, além do Japão, da Manchúria, Mongólia e Tibete.
A Oceânia englobaria as Américas, as ilhas do Atlântico (inclui Reino Unido), a Austrália e países vizinhos próximos à Ásia e parte meridional da África. Consta-se que a maior parte de seu território coincide com o mundo que "restaria" após a hecatombe imaginada por Chico Xavier.
Há fronteiras não delimitadas entre os três países, o que faz com que eles tenham uma estranha relação de belicosidade. A Oceânia lutaria contra a Lestásia ou a Eurásia, sem que qualquer uma dessas nações vença ou perca, sendo que a Oceânia usaria um dos dois países como aliados no combate ao outro.
ADULTERAÇÃO DA MEMÓRIA
O que a obra destaca é o governo totalitário da Oceânia por parte do poder ilimitado do misterioso Grande Irmão, que pode ver todos os cidadãos, através da chamada teletela - um enorme aparelho de televisão - , mas ninguém pode vê-lo pessoalmente. Eles o veem apenas pela imagem refletida no aparelho, instalado na maioria das casas e outros lugares.
Os cidadãos são obrigados a se submeterem ao poder do Grande Irmão, que conta com colaboradores em quatro ministérios destinados a exercer o seu domínio e o seu projeto ideológico. Os quatro ministérios têm suas denominações correspondentes aos objetivos que lhes são opostos.
Assim, o Ministério da Verdade é comprometido com a mentira a ser difundida pela teletela. O Ministério da Paz se dedica à guerra. O Ministério do Amor é voltado para a tortura e a repressão de quem se opõe ao poder do Grande Irmão e o Ministério da Fartura é voltado para a pobreza e para o desabastecimento de produtos.
O personagem principal, Winston Smith, é um funcionário do Departamento de Documentação do Ministério da Verdade, onde trabalha pelo ideal do "duplipensar", processo de corromper a memória através da distorção da realidade e do falseamento do passado, através da adulteração dos registros históricos, modificando documentos antigos criando novos arquivos com dados falsos e destruindo os originais.
O Grande Irmão, um senhor bigodudo e de aparência agressiva, é capaz de ler os pensamentos dos outros e intervir na intimidade de cada pessoa. É um misterioso ser que "nunca morre" e se manterá eternamente no poder. Os conceitos de amor e solidariedade são eliminados. As famílias têm nos filhos seus próprios espiões, capazes de denunciar e ameaçar seus próprios pais.
O duplipensar é um processo de pensamento tão engenhoso que a mentira e a dissimulação se tornam seus princípios maiores. Ele é um dos principais processos de adulteração da compreensão e da memória, e é conduzido pelas manipulações ideológicas dos programas da teletela.
Até o significado de duplipensar é contraditório, reduzindo a verdade e o ato de pensar como um processo interminável de dissimulações. Um exemplo é acreditar que a Oceânia está em guerra com a Eurásia ou com a Lestásia, visões que podem mudar constantemente.
Winston sente oposição ao sistema, mas não adota uma postura bastante firme. Limita-se a escrever tudo em um diário mantido em sua casa. Conhece Júlia, aparentemente uma espiã que trabalha no Departamento de Ficção do Ministério da Verdade, que finge ser fiel ao regime do Grande Irmão durante as projeções dos Dois Minutos de Ódio, espécie de pequeno documentário feito para produzir uma catarse violenta nos telespectadores.
Nele, curiosamente, o alvo do ódio se chama Emmanuel. Mas não é o padre jesuíta que, pelo jeito, iria apoiar o Grande Irmão, apenas reprovando seus excessos coercitivos, a invasão à privacidade e a retórica odiosa. Trata-se, portanto, de Emmanuel Goldstein, antigo colaborador do Grande Irmão que se torna seu opositor ferrenho.
Júlia parece inspirar ódio em Winston, até que, ao segui-lo depois que ele visita um antiquário, lhe dá um papel secreto com a mensagem "Eu te amo". Os dois passam a ter um breve romance clandestino, chegando a se hospedarem no antiquário.
Decidem conhecer O'Brien, um funcionário do governo do Grande Irmão que Winston tinha falsa impressão de ser algum opositor do regime. Ele e Júlia o conhecem e O'Brien finge estar solidário a eles, incentivando-os a fazer oposição ao Grande Irmão e oferecendo até enviar dias depois um exemplar do livro de Emmanuel Goldstein.
Quando os dois pareciam confiantes na possibilidade de se mobilizarem contra o Grande Irmão, o próprio O'Brien envia soldados que capturam o casal, quando este estava alojado no antiquário, e o separam.
Winston Smith é mandado para a sala 101, onde são feitas as piores torturas e descobre o sadismo calculista de O'Brien, que faz um terrível diálogo com o prisioneiro, misturando ironias e falsa gentileza. Sobretudo quando O'Brien, através de um duelo argumentativo, tenta convencer Winston a acreditar que a soma de dois mais dois é igual a cinco.
EMPOBRECIMENTO DE VOCABULÁRIO: ALERTA PARA O BRASIL?
A obra é uma crítica ao totalitarismo e Oceânia é uma mistura da agressividade de Stalin e de Hitler. Além do "duplipensar", existe a "novilíngua", que é uma espécie de empobrecimento de vocabulário que, por incrível que pareça, pode ser inferido como uma mensagem indireta para o Brasil.
Afinal, um dos temas subestimados pelos analistas dos problemas da política e da mídia é o chamado "vocabulário do poder", em que um dos poucos teóricos é o jornalista inglês Robert Fisk. A compreensão mais banal que existe no assunto, pelos brasileiros, é a manipulação midiática que tenta fazer com que os protestos contra os abusos do capitalismo sejam vistos como "protestos contra a globalização".
Mas o "vocabulário do poder" age no Brasil de maneira que palavras passem a ter significados múltiplos e vagos, substituindo várias palavras diferentes por apenas uma que "sintetize" seus significados. Em 1984, Syme, personagem que chega a conhecer Winston durante um almoço, é responsável pela "novilíngua", feita com o objetivo de tornar o vocabulário mais precário possível.
É o que vemos no Brasil, quando gírias divulgadas pela mídia oligárquica tornam-se rapidamente palavras correntes e de uso pretensamente universal, corrompendo o sentido de gíria como um jargão especificamente grupal, provisório e temporal e impondo tais palavras como se fossem jargões permanentes acima das ideologias, das "tribos" (grupos sociais) e dos tempos.
Uma gíria normalmente nasce, cresce e morre rapidamente, e se voltam a grupos sociais específicos e restritos no tempo e no espaço. Mas as "gírias midiáticas" que se transmitiu pelas redes de TV brasileiras desde os anos 90 tentaram romper essas noções de tempo e espaço e se tornarem absolutas, empurradas até para a inclusão nos dicionários oficiais.
Assim, uma gíria como "galera", antes privativa de marinheiros e esportistas, passa a ser um substitutivo tendencioso para "grupo", "família", "turma" e "equipe", complicando até mesmo a linguagem. Pois, em vez de "família", a pessoa acaba dizendo "galera lá de casa". Em vez de "equipe", "galera do trabalho", e, em vez de "turma", "galera lá da rua", "galera da escola" etc.
A gíria "balada", restrita a um meio clubber de São Paulo, tornou-se a "gíria totalitária" através de um esforço conjunto entre a Jovem Pan FM, a Rede Globo e o empresário e apresentador Luciano Huck. Com um significado bastante vago que tanto pode equivaler a uma festa com DJs quanto a um simples jantar entre amigos. A JP criou até um programa chamado "Na Balada".
A gíria "balada", difundida pela imprensa ultraconservadora, tornou-se o símbolo do golpismo midiático aplicado aos jovens. E tornou-se gíria dominante, através de um forte lobby publicitário que fez a palavra "balada" ser usada em toda atividade ligada ao entretenimento noturno, empobrecendo o vocabulário. Não se fala mais "festa", "noitada", "gandaia". Tudo virou "balada".
Não por acaso, a palavra "balada" faz trocadilho com um conhecido palavrão, usado como sinônimo mais agressivo de "idiota", no qual apenas há a diferença da conhecida gíria com a outra palavra através da letra "l", usada no lugar do segundo "b" da outra, e "d" no lugar de "c".
O caráter arbitrário dessa gíria, que faria o Grande Irmão da obra de Orwell ficar orgulhoso, se agrava na medida em que a Jovem Pan FM, que popularizou a expressão "balada", hoje se tornou reduto de jornalistas ultrarreacionários, como Reinaldo Azevedo e Rachel Sheherazade, que fazem a rede de rádios ser pejorativamente apelidada de "Klu Klux Pan", em trocadilho com um movimento racista-medieval estadunidense.
"VIGILÂNCIA" PASSOU A SER "ESPIADINHA"
A manipulação midiática, além disso, fez com que o simples ato do Grande Irmão vigiar a privacidade dos cidadãos da Oceânia tivesse seu sentido minimizado quando um holandês, John De Mol, decidiu criar uma estranha competição chamada Big Brother, que virou franquia em vários países, inclusive o Brasil, virando o famoso e controverso Big Brother Brasil.
Assim, o totalitarismo denunciado por George Orwell acaba sendo amenizado, talvez por acidente, pela ideia de reality show em que uma multidão de indivíduos vivem o tempo todo em uma casa durante um certo período visando um prêmio em dinheiro.
A grande mídia brasileira, reacionária, achou isso ótimo, na medida em que o totalitarismo descrito no livro 1984 tivesse seu sentido deturpado para um ingênuo voyeurismo. No lugar da vigilância do Grande Irmão, há apenas a divertidamente maliciosa "espiadinha", sob o comando de outro militante da mídia reacionária, Pedro Bial, um dos fundadores do Instituto Millenium.
Assim, a Jovem Pan FM que popularizou a gíria "balada" pode contar com jornalistas ultrarreacionários que seus ouvintes falarão a referida gíria sem perceber as armadilhas das chamadas "palavras de poder", que além de outras gírias, promoveu os simples fregueses a "clientes", deturpando o sentido restrito da palavra "cliente" que, levianamente, agora acolhe "toda a freguesia".
O Brasil também tem o seu equivalente da "cultura proletária" que o Partido Interno, o partido que domina a Oceânia, determinava, através de departamentos autônomos ligados ao Ministério da Verdade que produziam entretenimento chulo, e arte precária, atrações pornográficas e valores sócio-culturais degradantes, incluindo até mesmo a produção de canções sentimentaloides calculadas por um aparelho metrificador chamado "versificador".
Eram produzidos, na Oceânia, também jornalecos ordinários que continham polícia, esporte e astrologia, filmes de entretenimento pornográfico e noveletas de baixíssimo preço e nível literário ainda inferior. O que não é isso senão o paradigma que a grande mídia determina que seja a "cultura popular" no Brasil?
Empobrecendo e deturpando o nosso vocabulário com pretensos neologismos que só servem aos interesses dos chefões midiáticos, o Grande Irmão do livro de Orwell ficaria mais tranquilo. Não é por acaso que Orwell imaginou o Brasil como país integrante da Oceânia, já que nosso país é marcado pela memória curta e pelas "palavras de poder" que condizem às manipulações dos poderosos de 1984.
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