País estranho o Brasil, que procura desenvolver valores hegemônicos a partir de convicções pessoais de gente não necessariamente bem informada ou esclarecida, mas mediante uma mentalidade provinciana que adota valores antiquados e valoriza o que é decadente ou medíocre.
Há muitos exemplos nisso, que criam uma confusão de abordagens e posições que contradizem critérios de coerência e lógica. E, o que é pior, quando alguém se encoraja em questionar alguma coisa, corre o risco de ser desmoralizado por internautas sociopatas, que durante muito tempo lutavam pela supremacia da estupidez sobre a coerência.
A "ditadura da burrice", portanto, permite aberrações diversas, como no caso da mobilidade urbana, em que uma figura surgida e respaldada pela ditadura militar, como o arquiteto Jaime Lerner (espécie de Roberto Campos do transporte coletivo) é visto como "progressista".
Ou então, no âmbito da política, ver que um Fernando Collor pôde ser reabilitado e acolhido como "político moderno" e "simpatizante da esquerda", mesmo tendo um currículo de corrupção e de defesa de medidas antipopulares, como foi no seu breve governo como presidente da República.
Mas mesmo a chamada "cultura rock", associada a um gênero marcado pela rebeldia e pela abrangência de informações, o Brasil vive um quadro surreal em que o rock está associado a jovens conservadores, consumistas e superficiais e é alimentado por um mercado hipócrita, que só se volta para o consumismo, para a alienação e para o conformismo.
Com rádios completamente patéticas como 89 FM (SP) e Rádio Cidade (RJ), que especialistas em rock define como "rádios pop que tocam rock", sem qualquer especialização verdadeira no ramo, e um suporte das grandes redes de televisão (como a Rede Globo) que trabalham uma imagem caricata do público roqueiro, o mercado é ainda manipulado pelas grandes empresas de entretenimento.
Daí que uma verdadeira "cultura fast food" do rock, no Brasil, é feita, transformando jovens "rebeldes" em pessoas ao mesmo tempo conformistas e arrogantes. Eles se contentam com o hit-parade que só cobre os sucessos comerciais de rock e os hits mais manjados dos grandes nomes.
É risível que eles contrariem, em muitos aspectos, do perfil dos roqueiros de quase todos os países do mundo. Imagine os tão "convictos" e "donos da verdade" fãs de rock que ouvem essas FMs comerciais não se interessarem em sair do perímetro dos "grandes sucessos" e endeusar nomes medíocres só por conta da catarse que eles simbolizam?
A GRANDE FARSA DO "DIA MUNDIAL DO ROCK"
No Brasil, efemérides são inventadas apenas para atrair grandes demandas de consumo. Personagens que nunca existiram foram inventados para motivar a idolatria necessária para empurrar multidões para as lojas e torrar muita grana comprando produtos, mesmo que seja para encher de guloseimas os jantares familiares.
George Orwell, em 1984, havia descrito a iniciativa do Partido Interno, partido único de Oceânia e subordinado diretamente ao poder do Grande Irmão, de criar um mito chamado Ogilvy, ou "camarada Ogilvy", um fictício soldado que morreu em combate e que teve que ser reconhecido e adorado como se tivesse sido um personagem que existiu na realidade.
O Dia Mundial do Rock é uma dessas grandes farsas, feitas apenas para encher os cofres de Roberto Medina e outros empresários associados ao mercado "roqueiro", inclusive redes de lanchonetes, vestuário para jovens, materiais esportivos, indústrias de cervejas, postos de gasolina e outros ítens ligados ao consumismo juvenil.
O dia é atribuído ao Live Aid, evento filantrópico realizado em 1985 que, embora tenha grandes nomes do rock, não foi um evento necessariamente roqueiro. Nomes abertamente pop e nada roqueiros, como Madonna, George Michael, Ashford & Simpson, Kool & The Gang, e Patti LaBelle se apresentaram no festival.
É um grande exagero atribuir ao Dia do Rock um evento desses, misto de festival megalomaníaco, filantropia discutível e atrações bastante ecléticas. Além do mais, o resto do mundo não leva o dia 13 de julho a sério no sentido de celebrar o rock, e somente o Brasil é que inventou o dia, por iniciativa justamente da caricatura de rádio de rock 89 FM, que não passa de clone da Jovem Pan FM.
Mas isso faz parte de uma visão incoerente de pessoas arrogantes, teleguiadas pelo que os grandes empresários, a grande mídia, os tecnocratas e os políticos fazem, obrigando jovens a acreditar em certos valores com tamanha cegueira que a primeira contestação alheia cria exércitos de sociopatas que, em conjunto, humilham o discordante com ofensas, ironias e ameaças.
EM TERRA DE CEGO...
A falta de compreensão das pessoas, nesse Brasil afundado no provincianismo - situação que o faz cada vez mais distante de qualquer promessa do país atingir a vanguarda do mundo - , cria, no caso da "cultura rock", aspectos risíveis como superestimar a mediocridade de inexpressivos grupos musicais que desde os anos 80 faziam um rock caricato e cheio de clichês.
O poser metal é uma dessas caricaturas, sendo um sub-gênero que reduz o rock pesado dos anos 1970 a clichês mais grosseiros e rasteiros do comportamento roqueiro, uma rebeldia que é forçada devido a tanto exagero e tanto tendenciosismo. Contraditoriamente, o ritmo é marcado por baladas românticas que soam piegas para o contexto roqueiro.
Nos EUA, é verdade que parte da grande imprensa roqueira leva a sério demais o poser metal de nomes como Poison, Ratt, Mötley Crüe, Guns N'Roses e Bon Jovi, se bem que este último tenha virado imitador do comercial mas competente Bryan Adams, cantor canadense que o mercado faz pagar pelos pecados cometidos por Jon Bon Jovi e companhia.
Afinal, na "América" dos Kardashian, do UFC (e suas ring girls, lutadoras ou assistentes de palco), de "boazudas" como Coco Austin e Courtney Stodden, até revistas de heavy metal têm que competir com o mercado do espetáculo, das fofocas e das sub-celebridades alimentado pelo portal TMZ e pela revista People.
Daí o apreço da mídia heavy metal norte-americana pelos farofeiros do rock pesado, que fazem as revistas venderem horrores porque o adolescente médio se empolga com aquele músico de poser de corpo totalmente tatuado que bate na namorada e destrói quarto de hotel, elementos que compensam a incapacidade do músico fazer alguma coisa, pelo menos, próxima do decente e do suportável.
Mas, como o Brasil é uma "terra de cego", os posers viram "reis". E surge então o cacoete de um bando de matutos que se acham "conhecedores do verdadeiro rock" - mas capazes de chorar histericamente quando morrem ídolos como Wando e Waldick Soriano, a ponto de dizerem que, com tais óbitos, a "música morreu" - achar que Guns N'Roses é "sinônimo" de rock clássico.
Axl Rose acaba sendo tratado como se fosse o "Chico Xavier do rock". Como o anti-médium mineiro, recebe uma idolatria exageradamente emocional que supervaloriza as qualidades e subestima os defeitos, embora sabemos que o vocalista do Guns N'Roses é um dos nomes mais medíocres do rock mundial.
Dizer isso não é desaforo. Afinal, a História do Rock registra centenas de bandas, sobretudo as dos anos 1960 e 1970, de qualidade infinitamente superior ao Guns N'Roses, com cantores com voz bem mais empolgante do que o esganiçado Axl. Mas como o Brasil acabou se tornando matuto nos últimos anos, Axl é "rei" dentro de uma fauna de "sertanejos" e "funkeiros".
Só que combater o "funk" e o "sertanejo" com Guns N'Roses soa como se alguém dissesse "Eu não quero o seis! Quero meia-dúzia". Soa como se trocasse a abóbora pelo jerimum, E Axl Rose torna-se um mito surreal próprio do provincianismo dos brasileiros.
A comparação com Chico Xavier chega a ser interessante, porque os plágios de referências que Axl Rose lança através do Guns N'Roses são vistos também como "incorporações", já que, no Brasil, as pessoas não costumam ter discernimento entre a cópia e o original, entre o pastiche e o autêntico.
Seja na bermuda justa copiada do Bruce Dickinson do Iron Maiden, seja em arremedos sonoros muito mal assimilados do Led Zeppelin (principal fonte de cópia do Guns) e do AC/DC, seja pela rebeldia forçada de Axl Rose que oculta posturas reacionárias, já que Axl era machista, por exemplo.
Com sua banda, Axl gravou cover de Charles Manson (sim, o psicopata era um músico frustrado de rock) e ainda fez música fazendo apologia ao feminicídio, como "I Use to Love Her", cujos primeiros versos dizem: "I use to love her / But I have to kill her". Defesa de honra?
Isso sem falar de músicas sofríveis, como "November Rain", que mais parecem vindas do brega dos anos 1970, e que só mesmo uns matutos que, por ouvirem muito "sertanejo", "pagode", "funk" e axé-music ao seu redor, endeusam o primeiro rock que "encontram pela frente" - através da retrógrada mídia televisiva e radiofônica - , consideram "um clássico absoluto" do gênero.
Só mesmo o provincianismo brasileiro para explicar esse comportamento "cordeirinho" dos "roqueiros" brasileiros, que celebram o Dia Mundial do Rock que o resto do mundo ignora, que aceitam conformadamente ouvir uns punhados de hits do gênero e ficam endeusando os Guns N'Roses como "uma das maiores maravilhas do mundo". Eles precisam despertar.
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