sábado, 25 de abril de 2015

Idolatria a Chico Xavier, ao brega e ao "funk": formas de mascarar preconceitos

CHICO XAVIER, WALDICK SORIANO E VALESCA POPOZUDA - Quando a sociedade usa valores simbólicos para camuflar preconceitos.

Anos atrás, ocorreu uma moda de uma corrente de intelectuais, entre cientistas sociais e acadêmcios, em classificar como "preconceito" a rejeição a determinados fenômenos supostamente populares, mesmo quando eles apresentam uma visão deturpada e até caricata das classes pobres.

O termo foi tomado emprestado do noticiário político, quando se falava em preconceito racial como um dos males do apartheid, o regime fascista que durante anos vigorou na África do Sul e que muitos males causaram a seu povo.

No entanto, a ideia de "preconceito" adotada no Brasil foi bastante deturpada, e o que se viu foi uma forma, realmente preconceituosa, de "romper o preconceito", aceitando tudo sem verificar. Afinal, a aceitação sem verificação, sem crítica, é em si só preconceituosa e não o contrário, Porque a aceitação se baseia numa visão pré-concebida das coisas, é uma incompreensão "positiva".

No Brasil marcado pelo moralismo religioso e por outros valores conservadores originários do Brasil colônia mas reciclados pela ditadura militar, existe até um jeito de adotar simbolicamente a idolatria a certos ícones para disfarçar preconceitos severos que muitas pessoas sentem.

Dessa maneira, criam-se totens que são alvo da idolatria mais sentimental, que simbolizam justamente valores e condições que as elites que admiram cegamente esses totens normalmente sentem repugnância. É como se eles adorassem as estátuas que representam, na verdade, tudo aquilo que em condições naturais lhes causa nojo.

A idolatria de uma elite tida como intelectualizada e de maior poder aquisitivo a ícones da "cultura" brega é um exemplo. De Waldick Soriano a Valesca Popozuda, passando por "sertanejos", "pagodeiros", demais funqueiros, axézeiros e tudo o mais, era uma forma dessa elite disfarçar sua ojeriza às classes pobres, usando o simbólico para mascarar o real.

Assim, as pessoas que odeiam ver trabalhadores rurais fazendo passeatas, empregadas domésticas pedindo aumento salarial e não aguentam visitar pessoalmente uma favela, passam a "gostar de pobre" quando se tratam de explorações midiáticas a ídolos "culturais" patrocinados pelo coronelismo televisivo e radiofônico.

Há toda uma apreciação à "linda história" de Waldick Soriano, ou a "corajosa trajetória" do "funk carioca", em ambos os casos valendo as mesmas apologias que se observa na idolatria de Francisco Cândido Xavier.

A POBREZA COMO MITO

Eles são representantes simbólicos de uma pobreza que, dentro desse discurso midiático e através desses totens, trabalham a visão dócil da miséria e da baixa escolaridade. A pobreza aparece romantizada, transformada em mito, e essa pobreza como mito compensa a pobreza real, hostilizada e cruelmente desdenhada por essas mesmas elites que falam "como é lindo ser pobre".

O mito se contrapõe à realidade, e apreciando mitos, cria-se uma falsa postura em que a pobreza, como mercadoria do imaginário midiático, é "admiravelmente bela", ou "corajosamente digna", enquanto a pobreza real torna-se igualmente repugnante, essas elites "generosas" continuam sentindo horror a favelas, a favelados, a sem-teto, sem-terra e pedintes nas ruas.

Mas o mito consegue substituir a realidade e fazer com que essas elites passem a impressão de que são generosas, altruístas e socialmente engajadas. Mascaram seus preconceitos elitistas com um discurso, não obstante panfletário, "em favor" das classes populares, carregando nos clichês da retórica militante, ativista e até sindical.

As pessoas passam a se comoverem com os exemplos "sofridos" de Waldick Soriano, Odair José e outros ícones da cafonice cultural do passado e do presente. A imagem de "coitados" dos ídolos "populares" garante a apreciação simbólica por parte das mesmas elites que, naturalmente preconceituosas, veem nesse simulacro um modo de parecer "boazinha" para as classes populares.

Aí as elites podem se passar por "solidárias" às classes populares, quando, no íntimo de suas privacidades, continuam vendo as pessoas carentes com desdém. Fecham os vidros dos carros para não darem esmola para as classes populares, não têm uma proposta real de melhoria de vida para os pobres, fazem caridade só para ostentação e depois vão embora às pressas para o isolamento do lar.

CHICO XAVIER

A idolatria de Chico Xavier também é um grande problema das elites, que vão para as mídias sociais publicar frases dele ou fazer comentários condescendentes com seus erros. Ele é, por si, a imagem simbólica do velhinho humilde que serve para adoçar as mentes das pessoas.

Falecido há 13 anos, ele tornou-se o idoso mais glamourizado do país, um mito associado a estereótipos de velhice, bondade, humildade que criam até mesmo jogos de contradições, atribuindo a ele qualidades que ele nunca teve nem era capaz de assumir.

Chico Xavier também é associado à pobreza e à subescolaridade. Embora razoável leitor de livros, sua instrução é considerada modesta. Sob ele se apoiam estereótipos de pobreza, ignorância, humildade e fraqueza que fazem com que as pessoas naturalmente preconceituosas se apoiassem em algum ícone "frágil" para disfarçarem suas neuroses pessoais.

Daí a idolatria que faz com que muitos chiquistas disfarçassem sem elitismo. A ideia do "velhinho pobre" endeusado por suas "palavras de amor" serve de escudo para pessoas que mal conseguem ter consideração com seus próprios pais, tios ou avós, que mal se dispõem em ceder seus assentos para os idosos sentarem, mas vão correndo pegar uma frase de Chico Xavier para enfeitar seus perfis nas mídias sociais.

Xavier tornou-se a única pessoa que não responde pelos seus erros, e que é mantida no seu pedestal de adoração e idolatria, num apego obsessivo que marca não só os chamados espiritólicos - "espíritas" de forte influência católica - , mas mesmo alguns críticos do "espiritismo da FEB" que ainda estão condescendentes com o mito do anti-médium mineiro.

O grande problema é que a idolatria obsessiva a Chico Xavier e a glamourização de seu trabalho, que nem foi assim tão brilhante nem transformador - ele apenas expressava ideias conservadoras e moralistas em "dóceis palavras" e fazia "caridade" paliativa - , também camuflam os preconceitos que os "espíritas" têm em relação aos velhos.

Há casos de "espíritas" que abandonam os velhos, ou relegam a eles os papéis subordinados e patéticos que já exercem na religião "espírita": a fé mística (que contraria a falsa postura de "fé raciocinada"), a devoção exagerada, o sentimentalismo piegas e a tristeza profunda.

Não existe um diálogo entre jovens e velhos, e muitos "espíritas" deixam seus pais e avós no asilo sem dar muita atenção. Há quem, todavia, dá exemplar dedicação aos idosos, com devoção e apreço ímpar, mas isso não é tendência constante para uma seita marcada por ideais moralistas e outras contradições, que pouco fazem para a evolução moral verdadeira das pessoas.

Uma religião que prega que soframos em silêncio e em "amorosa" conformação - como se pudéssemos ficar felizes quando tudo dá errado em nossas vidas - sufoca revoltas, ódios, desprezos dentro de um aparato que reduz os sentimentos de amor e caridade à letra morta. Pede-se fraternidade, porque a religião "espírita" não tem esse recurso no seu estoque.

Assim, o próprio "espiritismo" estimula que as pessoas mascarem suas neuroses e preconceitos, criando, nos seguidores mais elitistas, um preconceito ainda mais elitista, contra pobres, contra idosos, contra aqueles que não correspondem à sua vida confortável de gente abastada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.